23/04/2003 - 7:00
DINHEIRO ? A guerra no Iraque afetou a indústria automobilística? Os consumidores compraram menos por causa das incertezas trazidas pela guerra?
RICHARD CANNY ? Não. Aqui no Brasil, as vendas até caíram um pouco em março, mas em função do feriado do Carnaval. No mês passado, porém, registramos um recorde de exportação no primeiro trimestre. De janeiro a março, a Ford Brasil exportou US$ 143 milhões, um crescimento de mais de 100% sobre o ano anterior.
Isso prova que o mercado não foi afetado pela guerra.
DINHEIRO ? Muitas empresas americanas, como Citibank e McDonald?s, sofreram boicotes durante a guerra no Iraque.
Por também ser americana, a Ford enfrentou algum tipo de problema como esse?
CANNY ? A Ford é uma empresa global. Temos fábricas em
30 países diferentes. Estamos há mais de 80 anos no Brasil e
há 90 na Argentina. Por isso, nesses países, somos vistos como empresas locais. Produzimos aqui e geramos empregos aqui. Recentemente lançamos um novo veículo no Brasil, o EcoSport.
A recepção foi tremenda, algo que eu nunca tinha visto antes
em nenhum país. Por isso, não acredito em nenhum prejuízo à
marca Ford em razão da guerra.
DINHEIRO ? Agora que a guerra ao Iraque chegou ao fim, o sr. acredita na recuperação rápida da economia americana?
CANNY ? Acho que a economia dos Estados Unidos irá, sim, ter
uma recuperação rápida, beneficiando toda a economia global.
Veja o Brasil, por exemplo. A economia brasileira tem dado excelentes sinais de recuperação, com os fundamentos
registrando bons desempenhos.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia os primeiros 100 dias de governo
do presidente Lula?
CANNY ? O presidente Lula tem se mostrado um líder muito importante. Para nós, é ótimo ter um presidente que demonstra tanto apoio à indústria automobilística.
DINHEIRO ? É possível aumentar a venda de carros no Brasil nesse cenário de crise econômica e altas taxas de juro?
CANNY ? As altas taxas de juro obviamente terão um impacto na venda de veículos. No nosso negócio há três fatores que realmente afetam as vendas. O primeiro é a confiança do consumidor. E me parece que, desde o final do período eleitoral, o consumidor está retomando a confiança. O segundo é o nível das taxas de juro e o acesso ao financiamento. A taxa de juros no Brasil, infelizmente, está muito alta, mas esse aumento se deu por razões macroeconômicas necessárias, as quais entendemos e apoiamos. Por fim, temos o fator mais fundamental, que é o crescimento do PIB. Quanto mais o País se desenvolve e o PIB cresce, melhor. O Brasil está agora no ponto de decolar, onde o PIB médio per capita é mais ou menos igual ao preço dos veículos mais baratos. Se houver crescimento da economia, confiança dos consumidores e taxas de juros estáveis, a indústria automobilística brasileira irá decolar. Entretanto, um número de fatores contribuíram de forma negativa. Em particular, a alta do dólar pressionou bastante o preço dos automóveis. Para citar alguns números, houve aumento de mais de 50% no preço do aço, do alumínio, dos plásticos. E os consumidores nos pagam em reais.
DINHEIRO ? Se o dólar ceder, as vendas voltam a subir?
CANNY ? Acho que a taxa de câmbio irá cair mais no segundo semestre deste ano. Também acreditamos que o refluxo da inflação está chegando ao fim, na medida em que o câmbio se estabiliza. E essa é uma boa oportunidade para que no fim do ano ou no início de 2004 ocorra um crescimento nas vendas. Para este ano, trabalhamos com uma previsão de mercado de cerca de 1,5 milhão de veículos, o mesmo do ano passado.
DINHEIRO ? Como o sr. imagina o futuro da indústria automobilística aqui no Brasil? Há mercado suficiente
para todas as marcas produzidas no País?
CANNY ? O Brasil é um país imenso, com mais de 170 milhões de habitantes. Não vejo problema algum em termos mais de 12 marcas diferentes disputando esse mercado. Só precisamos ter mais produtividade, alta qualidade, uma indústria integrada com os fornecedores. Há espaço suficiente para todos.
DINHEIRO ? A Ford ficou com cerca de 10% de participação
do mercado brasileiro de veículos no ano passado. Qual o
objetivo para este ano?
CANNY ? Esperamos aumentar a nossa participação novamente neste ano. Com o novo EcoSport, com uma boa relação com a rede de distribuidores e com uma marca forte, provavelmente conquistaremos mais um ou dois pontos percentuais de participação de mercado. Esperamos ter um bom crescimento nas vendas também graças ao novo Fiesta, que foi lançado na metade do ano passado.
DINHEIRO ? A Ford ocupa hoje a quarta posição entre
as montadoras instaladas no País. Quando a Ford será a
primeira colocada?
CANNY ? Não estou feliz com a posição da Ford no mercado brasileiro. Mas a situação do setor automobilístico aqui no Brasil
é bem diferente da de outros países. Na Argentina, a Ford acaba
de voltar à liderança do mercado. No país vizinho, porém, o setor é mais fragmentado do que o brasileiro, onde apenas três marcas têm mais de 20% do mercado. Inevitavelmente, o mercado brasileiro também vai se fragmentar. Quando isso acontecer, a Ford terá oportunidade de subir no ranking. Evidentemente, não sabemos quando isso irá acontecer. Enquanto isso, vamos progredindo graças a investimentos em bons produtos, na satisfação de nossos clientes e distribuidores fortes.
DINHEIRO ? A Ford perdeu US$ 296 milhões na América do Sul em 2002. O recém-lançado EcoSport é a última aposta da montadora na região?
CANNY ? Não. Esse prejuízo de US$ 296 milhões foi causado basicamente pela desvalorização do real no Brasil. Durante o terceiro trimestre do ano passado, fizemos várias mudanças na América do Sul, incluindo medidas para reduzir drasticamente todas as despesas em dólar do nosso orçamento. No quarto trimestre do ano passado nós atingimos o equilíbrio operacional e reportamos uma perda de apenas US$ 11 milhões. Agora nós estamos operando bem próximos do equilíbrio e o EcoSport e as outras ações que planejamos para este ano vão nos levar de volta ao lucro. Portanto, não há nenhuma incerteza quanto ao futuro da Ford. Estamos no rumo certo e o EcoSport vai nos ajudar. Este ano, a Ford será rentável.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia o desempenho da fábrica da
Ford em Camaçari, na Bahia?
CANNY ? Camaçari é uma das mais inovadoras linhas de
produção do mundo. Ela segue o conceito de condomínio de fornecedores, no qual os fornecedores ficam localizados ao lado da linha de montagem, produzindo os componentes dentro da nossa fábrica. Por isso, quando avaliamos a produtividade em relação ao custo total por veículo, por hora de trabalho, por número de empregados necessários para fazer um carro, incluindo o nível de qualidade, Camaçari é uma das mais produtivas e com a melhor qualidade de todo o mundo.
DINHEIRO ? Com a fábrica de Camaçari indo tão bem, qual será o futuro da unidade de São Bernardo do Campo?
CANNY ? Continuamos a fazer progressos em São Bernardo, a começar com a unidade de produção de caminhões, na qual já fizemos grandes investimentos para se tornar um centro estratégico de produção de caminhões. Também estamos ampliando o número de produtos na área de caminhões e aumentando a nossa participação de mercado no Brasil. Já somos o maior exportador de caminhões do País e estamos construindo uma rede de distribuição na América do Sul para nos tornarmos o líder em caminhões. Além dos caminhões, estamos desenvolvendo a unidade de São Bernardo para se tornar um centro exportador de veículos. Uma grande oportunidade para o futuro da fábrica de São Bernardo é continuar o sucesso que estamos tendo com o Ka. A reestilização do modelo foi muito bem recebida tanto aqui no Brasil quanto em outros países da América do Sul. E continuamos a aumentar a nossa exportação. Hoje, o Ka é um dos nossos veículos mais exportados, indo para o México, para a Argentina, para o Chile e temos planos de aumentar o número de mercados para onde vendemos o carro.
DINHEIRO ? A Ford tem planos de, no futuro, transferir a produção de São Bernardo para Camaçari?
CANNY ? Não temos planos de mudar a produção de nenhum veículo de São Bernardo para Camaçari. A fábrica de Camaçari foi desenvolvida para ser a sede do projeto Amazon. Nossa intenção é que a fábrica da Bahia atinja a capacidade máxima para os produtos que nós desenvolvemos para ela.
DINHEIRO ? Com o lançamento do novo Fiesta e do EcoSport, o projeto Amazon acabou?
CANNY ? Não, o projeto Amazon não acabou. Nós continuamos a trabalhar em dois outros projetos que fazem parte do programa Amazon. Infelizmente, não posso revelar que projetos são esses.
DINHEIRO ? O presidente da Ford no Brasil, Antônio Maciel Neto, tem aparecido constantemente nas campanhas publicitárias da companhia oferecendo R$ 200 para os consumidores que experimentarem os veículos da montadora mas que acabarem levando outros modelos. Essa não é uma forma de comprar participação de mercado?
CANNY ? Não estamos comprando participação de mercado. A quantia que pagamos para os consumidores que fizerem um test-drive em um Ford e compraram um modelo da concorrência é muito pequena. E o programa, que começou no ano passado, é um grande sucesso. No ano passado, não gastamos mais do que R$ 5 mil nessa promoção. Isso prova que as pessoas que testam um Ford realmente acabam comprando um Ford.
DINHEIRO ? Muitos executivos que passaram pelas operações no Brasil acabaram galgando cargos de destaque nas sedes das montadoras americanas, como Ford e General Motors. O que o sr. espera aprender com o mercado brasileiro que possa ser útil na sua carreira executiva?
CANNY ? Estou no Brasil há um ano e espero ficar aqui por mais um bom tempo. Em mercados como o brasileiro, onde a volatilidade é alta e a competição é intensa, você realmente pode desenvolver muitas habilidades. Durante a crise asiática, eu estava na Malásia. Depois, vim para a Argentina. Infelizmente, todo país para onde eu me mudo parece estar programado a enfrentar algum tipo de desvalorização. Portanto, acho que a Ford deve estar feliz por eu estar aqui no Brasil agora.