27/11/2002 - 8:00
DINHEIRO ? O sr. foi ministro da Economia argentina por duas semanas e caiu. Por que agora quer ser presidente?
RICARDO LÓPEZ MURPHY ? Eu havia proposto mudanças na nossa política econômica, mas a coalizão do governo e a opinião pública foram fortemente contra. Pensavam que um caminho diferente seria mais fácil. Depois, todo mundo descobriu que isso não era tão simples. E a verdade era o que eu havia sugerido meses antes: um duro ajuste fiscal. Se você substitui uma pessoa porque ela te avisou das dificuldades, fica difícil. Hoje, a opinião pública argentina pensa que se tivessem dado atenção ao que eu disse quando estava no ministério, talvez pudesse ter sido evitado o desastre que acometeu o país. Por isso, quero ser presidente. Nossa situação era muito grave. Havia um grave desequilíbrio. E quando se tem um grande desequilíbrio, a correção é sempre difícil e dolorosa.
DINHEIRO ? Mas qual é o caminho para a Argentina seguir
em frente?
MURPHY ? Agora é mais fácil, porque sabemos o que temos
que fazer para voltar a ser um país normal. Temos que ter as mesmas regras que organizam os outros países. Precisamos
usar as instituições políticas, econômicas e federais para
sair de onde estamos para um patamar superior. Isso já será
uma fantástica melhora da nossa situação. Temos uma crise no sistema federativo, uma absoluta carência de leis e, saindo dessa situação caótica, iremos para uma situação de ordem e progresso, como diz a bandeira brasileira.
DINHEIRO ? Mas o país tem problemas no sistema bancário…
MURPHY ? Mas isso é fácil de resolver, quando se sabe o que se quer fazer. Primeiro, precisamos de um sistema que receba depósitos e empreste adequadamente. O custo dos empréstimos está conectado com o custo dos depósitos. Se o banco empresta em pesos, cobra em pesos. Se empresta em dólares, cobra em dólares. É como todos os bancos ao redor do mundo fazem. É isso que temos que fazer. Nem mais, nem menos.
DINHEIRO ? Mas a desvalorização do peso e o corralito não criaram uma situação muito difícil?
MURPHY ? O governo tirou o dinheiro das pessoas e destruiu o direito de propriedade. No meu caso, ninguém pense que eu vou destruir o direito de propriedade. Minha história, minha tradição vem da civilização, não da selva. A do atual presidente Eduardo Duhalde veio da selva. Na minha proposta, eu quero voltar à civilização, a um Estado de direito.
DINHEIRO ? Essencialmente, é preciso restaurar o direito à propriedade?…
MURPHY ? Essa é a chave do problema. É a diferença entre ser desenvolvido e subdesenvolvido. Em um país desenvolvido, existe todo um sistema de proteção ao direito de propriedade. Nos países em desenvolvimento, não existe essa proteção. O governo não cuida da Justiça e da proteção da lei. Ao contrário, é o governo quem destrói todo o sistema. É o que está acontecendo na Argentina. Eu quero ir em frente para um sistema de um país racional, como França, Inglaterra, Holanda, Espanha, Itália, Nova Zelândia, Chile…
DINHEIRO ? O sistema de câmbio flutuante continuaria?
MURPHY ? Eu não acredito que haveria espaço para um novo currency board. Se você tem um taxa de câmbio flutuante, você tem que ter uma meta de inflação. É preciso algum tipo de âncora.
DINHEIRO ? O sr. acha que o sistema de metas de inflação, como é aplicado no Brasil, poderia ser implantado na Argentina?
MURPHY ? Talvez. Esse não é o problema.
DINHEIRO ? Mas então qual é o problema?
MURPHY ? O problema é confiança. É preciso ter confiança nas regras do jogo. Sem isso, é inimaginável fazer algo. Se nós dissermos: vamos ter uma meta de inflação. Com esse governo? Ninguém irá acreditar.
DINHEIRO ? E qual é o primeiro passo para recuperar a confiança?
MURPHY ? É respeitar as leis e a ordem econômica.
DINHEIRO ? Apesar de ser um economista respeitado, o sr. não é muito conhecido pelo eleitorado. Como planeja ganhar as eleições?
MURPHY ? O problema não é que as pessoas não me reconheçam. Todo mundo me conhece. O problema é que, talvez, parte delas não esteja pronta para aceitar minha propostas. Por quê? Porque estou dizendo a verdade novamente. Estou mostrando os difíceis dilemas que estamos encarando. E os outros, estão apresentando contos de fada. Em um primeiro momento, as pessoas se apaixonam pelas soluções fáceis. Então, virão as eleições e as pessoas vão pensar duas vezes. E vão descobrir que o conto de fada é fantasia.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia as políticas de aperto fiscal, recomendadas pelo Fundo Monetário Internacional?
MURPHY ? Você gosta das políticas de Tony Blair? São boas para mim. Isso significa que é preciso ser muito cuidadoso com o orçamento e gerar um superávit. É a mesma coisa nas contas pessoais de cada um. Quando você tem dívidas, você gasta ou economiza? As dívidas só podem ser criadas para o investimento. E só.
DINHEIRO ? Mas uma política fiscal apertada não impede investimentos em áreas como educação e infra-estrutura?
MURPHY ? Mas não se pode financiar investimentos com emissão de moeda. Nós destruiríamos nossa moeda fazendo isso. Já conhecemos esta experiência e sofremos com a hiperinflação. E vamos voltar para isso de novo? Não é uma escolha racional.
DINHEIRO ? Mas como convencer os argentinos, que odeiam o FMI e o BID, que é preciso ter austeridade fiscal?
MURPHY ? Eu tenho um amigo que odeia a lei da gravidade. Ele tenta se jogar todos os dias pela janela. E prova a si mesmo que a lei existe e é inevitável. Agora, se as pessoas, assim como meu amigo, odeiam a lei da gravidade, eu não serei capaz de detê-las, porque elas vão se jogar pela janela. O que posso fazer? Eu posso tentar persuadi-las. E sou muito bom nisso. Tenho consistência e uma boa reputação, mas não minto.
DINHEIRO ? O sr. é um economista considerado ortodoxo. Como o sr. avalia a vitória de Lula no Brasil?
MURPHY ? Eu acho que Lula está adotando várias medidas ortodoxas. Todos os brasileiros acreditam que ele vai seguir com os acordos feitos por Fernando Henrique Cardoso com organismos multilaterais e seguir uma meta de inflação, de um jeito ou de outro. A Argentina não consegue cumprir um acordo com o Fundo, que é a metade daquele que Lula se comprometeu a fazer. Lula está sendo muito mais ortodoxo do que a minha proposta. Nós nunca fizéramos superávits fiscais em nossas vidas. O resultado é que nós éramos muito ricos e agora nos tornamos muito pobres. Agora, vamos continuar no caminho do erro, da decadência e da crise ou tentar pegar outra via. Eu quero dar a volta para criarmos empregos, crescimento e oportunidades. E o único jeito para isso é investir, com políticas racionais.
DINHEIRO ? Hoje não há dinheiro na Argentina. Então, como atrair esse investimento?
MURPHY ? Criando um ambiente de respeito à lei. Você investiria alguma coisa na Argentina com a suspeita de o governo tirar seus recursos?
DINHEIRO ? Em relação à economia brasileira, o sr. acredita que a dívida brasileira é sustentável?
MURPHY ? Eu espero que sim. Eu acredito que vocês estão fazendo a conta certa. Hoje, a dívida corresponde a cerca de 65% do PIB. O que significa que é preciso fazer um superávit de não menos do que 5%. Espero que vocês façam isso.
DINHEIRO ? Mas é viável para um país emergente dedicar 5% do PIB ao superávit primário?
MURPHY ? Se você não tem dívida, pode fazer o que quiser. Mas veja: se eu pesasse 90 quilos, eu seria um bom nadador. O problema é que hoje eu peso cerca de 108 quilos. A situação mudou. Tenho que pensar que hoje peso 18 quilos a mais. É a mesma coisa com a dívida. Se não existisse uma dívida, daria para se fazer um programa agressivo de investimentos. O fato é que a dívida existe e é preciso fazer o superávit.
DINHEIRO ? Países emergentes vêm perdendo recursos externos. Como é possível financiar o crescimento?
MURPHY ? O problema dos brasileiros é muito menor do que o dos argentinos. O Brasil tem a opção de avançar quando os mercados internacionais melhorarem. Se você tem um situação econômica mundial complicada, onde não existe a possibilidade de captar dinheiro no mercado internacional, é mais necessário ainda ser cuidadoso com o dinheiro público.
DINHEIRO ? O sr. acha que o Brasil pode virar uma Argentina?
MURPHY ? Todas as opções estão abertas. Mas eu estou convencido de que o novo governo do Brasil irá escolher as melhores políticas. E Lula tem um apoio da maioria da população para fazer as mudanças necessárias. Por exemplo, se Lula disser que reformas são necessárias, as pessoas vão acreditar.
DINHEIRO ? Um dos maiores problemas da Argentina é a dívida das províncias. No Brasil, Lula está sendo pressionado a renegociar as dívidas de Estados. O que sr. acha disso?
MURPHY ? Se Lula reduzir o montante que os Estados devem pagar, ele estará indo na direção da Argentina. O Brasil pode até ir na direção da Argentina, e esperar pelas conseqüências. Mas Lula não é estúpido.
DINHEIRO ? E qual é a sua sugestão para o novo presidente?
MURPHY ? Eu não renegociaria a dívida com os Estados para não ter que aumentar o superávit primário.
DINHEIRO ? Como o sr. pretende governar?
MURPHY ? Antes eu preciso ganhar as eleições. E mais: se eu ganhar as eleições com 60% dos votos, quase tudo na Argentina pode ser consertado. Se todas as idéias bem-sucedidas aplicadas em outros países fossem colocadas em prática, a Argentina, que tem recursos naturais e alto nível de capital humano, poderia se tornar uma liderança econômica.
DINHEIRO ? O primeiro país que o presidente Lula irá visitar será a Argentina. O sr. gostaria de se encontrar com ele?
MURPHY ? É óbvio. Eu estou esperando um convite da embaixada brasileira. Será uma honra encontrar com o presidente eleito e dizer a ele minhas opiniões.
DINHEIRO ? O candidato López Murphy segue as sugestões do economista López Murphy?
MURPHY ? O economista López Murphy é uma pessoa bem-sucedida, que ganhou muito dinheiro. E o candidato não tem nenhum dinheiro e está gastando o que o economista economizou. Mas deixando de lado a brincadeira, a candidatura exige sacrifícios e estou fazendo isso pelo meu país.