DINHEIRO ? O setor calçadista foi um dos primeiros a ser afetado pela crise, mas também o último a receber a atenção do governo. Por quê?

MILTON CARDOSO ? No último trimestre de 2008, a indústria de calçados demitiu 42 mil pessoas de um total de aproximadamente 310 mil trabalhadores. Ou seja, quase 15% das vagas sumiram. Em seguida, pedimos ao governo a abertura de uma investigação contra a prática de dumping. A proposta demorou a ser analisada. Depois de concluído o processo de investigação, o governo impôs uma tarifa definitiva. Agora, cada par de sapato chinês paga tarifa de US$ 13,85, contra US$ 12,47 de antes. Parece pouco, mas faz muita diferença. O Brasil fez muito bem em sobretaxar a China.
 

DINHEIRO ? Mas por que demorou tanto?

CARDOSO ? Porque, quando houve a crise, o consumo de calçados no Brasil não caiu. Mesmo no auge da crise, no final de 2008, comparado com 2007, o consumo de calçados no Brasil crescia ao redor de 3%. Mas houve uma invasão muito grande de calçados importados, principalmente no segmento de calçados esportivos. Grandes marcas internacionais, que têm um modelo de operação distinto do nosso  e não possuem fábricas próprias, terceirizam a produção. Quando houve a crise, essas empresas se viram às voltas com um estoque monstruoso e passaram a fazer uma liquidação global ? e os países destinatários foram aqueles que ainda se abastecem, predominantemente, da sua própria indústria. O Brasil é um exemplo disso, assim como a Argentina e o México.
 

DINHEIRO ? Se a medida de defesa tivesse vindo antes, empregos teriam sido preservados? 

CARDOSO ? É difícil saber. Veio tarde, sim. Mas antes tarde do que nunca. Foi uma medida muito complexa, um dos processos mais complexos da defesa comercial do Brasil. Esse processo tem mais de 40 mil páginas, tomou um ano e dois meses de investigação. Não tivemos a mesma sorte de setores como o automotivo, a construção civil e o de móveis, que foram ajudados por diversos incentivos fiscais. Mas não adianta reclamar do que já passou. 
 

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“Em três meses, o polo de Franca recuperou quatro mil vagas das oito mil fechadas na crise”

 

DINHEIRO ? Por que a China foi o único alvo das restrições, já que muitos outros países produzem muitos calçados também?

CARDOSO ? Por vários motivos. As condições de trabalho deles são incomparáveis às condições de trabalho no Brasil. O câmbio é artificialmente desvalorizado e existem subsídios à exportação, além de uma série de outras coisas. Quando veio a crise, por exemplo, a China concedia um incentivo à exportação de 8% a 10%. Ou seja, o governo dava um benefício equivalente a 10% do valor das suas exportações. O mesmo percentual do calçado vale para roupa, confecção, tecidos, brinquedos, etc. Quando veio a crise, eles ampliaram, no final de 2008, o subsídio para 12%. Em março de 2009, aumentaram para 15%, incentivo que vigora até hoje. Essas condições de trabalho, câmbio centralizado, juros subsidiados e subsídios da exportação colocam a produção deles em um nível de custo que é impossível enfrentar o mercado brasileiro.
 

DINHEIRO ? O Brasil ajudou a salvar a indústria calçadista de fora, principalmente da Europa e Estados Unidos?

CARDOSO ? Não diria salvar, porque o consumo no País é pequeno em comparação a outros mercados. A questão é que as grandes marcas passaram a destinar a esses países quantidades enormes de calçados, que foram vendidos por preços de liquidação. Este fato até que contraria a teoria econômica. Quando o dólar sobe, as importações caem. Na crise, o dólar subiu de R$ 1,70 para R$ 2,40, e as importações de sapatos aceleraram no Brasil.  E o setor foi muito afetado.
 

DINHEIRO ? Já se recuperou?

CARDOSO ? Dos 42 mil postos de trabalho que o setor perdeu, já recuperamos cerca de 25 mil. Acho que a tendência é continuar nesse ritmo de crescimento. O mercado de consumo interno está muito forte. Muitos projetos de investimentos que já estavam engatilhados e foram suspensos pela crise começam a ser destravados. Sou muito otimista com o crescimento do mercado. A cidade de Franca, grande polo produtor, criou no primeiro trimestre mais de quatro mil postos de trabalho. Eles perderam na crise cerca de oito mil postos de trabalho.
 

DINHEIRO ? Se o mercado interno está tão bom, por que a Vulcabras tem investido forte em outros mercados?

CARDOSO ? Temos um plano consistente de internacionalização. Estamos há quase três anos na Argentina. O mercado lá é muito bom. O consumo per capita de calçados na Argentina é muito próximo ao do Brasil, cerca de três pares por pessoa por ano. Mas na Argentina não se consome chinelo. No Brasil, chinelos são uma parte grande do consumo, o que reduz o preço médio do produto.
 

DINHEIRO ? Os problemas no mercado argentino não atrapalham?

CARDOSO ? A Argentina não estava em crise há dois anos, como não acho que esteja hoje. Os países não quebram. As empresas quebram. Produtos de boa qualidade, de boa relação custo-benefício, sempre terão acesso a uma parte desse mercado. Nós estamos satisfeitos com a Argentina. Somos hoje um dos líderes de mercado. Atuávamos lá antes da compra da Azaleia, só com a marca Reebok. Tornamos a Reebok uma das marcas líderes de mercado, e dois anos atrás lançamos lá a Olympikus, que é a maior marca de calçados esportivos da América Latina. 

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“O Olympikus, uma marca brasileira, vende mais que Nike e Adidas juntas” Tênis da marca Adidas em loja de calçados esportivos

 

DINHEIRO ? Além da Argentina, para onde os investimentos caminham?

CARDOSO ? Sem dúvida, para o Nordeste. A Vulcabras foi uma das pioneiras a ir para aquela região nos anos 80. Em seguida, as fábricas de calçados começaram a ir também pela vantagem do custo da mão de obra e pelos incentivos fiscais. E, a partir daí, a indústria foi se instalando lá e se consolidou. Hoje, um terço da produção de calçados no Brasil está no Nordeste, e um terço dos empregados também. Outro terço está no Sul, e o resto está por todo o Brasil, com uma concentração grande em São Paulo e Minas Gerais.
 

DINHEIRO ? A marca Olympikus tem crescido muito no mercado brasileiro. Já compete com as gigantes Nike e Adidas?

CARDOSO ? Não só compete de igual para igual em termos tecnológicos como já vendemos mais tênis do que Nike e Adidas juntas no mercado brasileiro, em unidades. Vendemos mais de 15 milhões de pares de tênis por ano. Por isso, garanto que estamos na frente. As duas marcas são excelentes em estratégias de mercado, tecnologia e vendas, mas concorremos em condições iguais.
 

DINHEIRO ? Qual a receita para superar duas gigantes globais?

CARDOSO ? O segredo eu não posso contar. Custa caro esse segredo. Mas o nosso modelo de negócio é muito diferente do modelo deles. Eles trabalham basicamente com a importação de calçados, não necessariamente calçados próprios. Nós somos muito mais rápidos do que eles em desenvolver produtos e fazer isso de acordo com o gosto do consumidor brasileiro. Somos principalmente mais rápidos em reabastecer o mercado com aquilo que o consumidor precisa. E isso é um diferencial muito grande em logística.
 

DINHEIRO ? Então Nike e Adidas estão errando no mercado brasileiro?

CARDOSO ? Elas insistem em fazer seus calçados na China, que são muito baratos. Nós temos um modelo de negócios completamente diferente. Somos uma empresa que faz todo o calçado, desenvolve sistemas de produção, produz e comercializa. A Nike faz apenas uma parte, talvez a maior parte do desenvolvimento dos calçados. Por isso ela precisa comprar para depois abastecer as suas vendas. Em resumo, são modelos diferentes de negócios. Aqui no Brasil, nosso modelo de produção nos faz ter mais sucesso.
 

DINHEIRO ? Estamos próximos da Copa do Mundo da África, e o País já se prepara para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Como a Vulcabras enxerga esses grandes eventos?

CARDOSO ? Em anos de Copa e Olimpíadas, as vendas de materiais esportivos crescem muito, entre 7% e 10%. Para 2010 nós estamos apostando muito no esporte, fazendo um investimento publicitário bastante importante. Compramos uma das cotas da Rede Globo para a Copa do Mundo, num pacote de investimentos que supera R$ 100 milhões. Estamos prevendo um bom crescimento dos negócios com a marca Olympikus. Nós somos patrocinadores do Comitê Olímpico Brasileiro e das seleções de vôlei masculina e feminina há mais de dez anos. Somos patrocinadores do Flamengo, no Brasil, com a marca Olympikus, do Racing e do Lanus, na Argentina, também com a marca Olympikus. E temos no Brasil ainda o São Paulo, o Inter e o Cruzeiro, que nós patrocinamos com a marca Reebok.

 

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