05/06/2002 - 7:00
DINHEIRO ? Como as empresas que são clientes de seu escritório foram afetadas pela crise na Argentina?
JOSÉ PINHEIRO NETO ? Ainda não sentimos um reflexo negativo muito forte. Estatisticamente, os problemas de inadimplência estão mais concentrados nos Estados do Sul, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde se encontra um número maior de empresas que exportam para a Argentina. O que mudou para os nossos clientes foram os efeitos da diminuição da atividade da economia. Mas isso não se deve só à Argentina, mas à diminuição da atividade econômica nos Estados Unidos, que teve um impacto muito maior sobre os nossos clientes.
DINHEIRO ? Por que o Brasil conseguiu restringir os efeitos da crise argentina?
PINHEIRO NETO ? É triste ver um país que tinha tudo para
ser bom, cheio de recursos como trigo e petróleo, deixar de funcionar. O Brasil tem a sorte de melhora no mesmo período
em que a Argentina enfrenta essa crise. Do nosso lado, temos um período de oito, dez anos, em que houve preocupação de criar uma base sólida na economia, com o controle do déficit público e da inflação. Estamos numa situação bem melhor até porque o conceito do País hoje não é o mesmo. Nos últimos tempos, começamos a aprender o valor de certas qualidades. No passado, chegamos ao ponto de vender mercadorias e embalarmos pedras para tapear o cliente. Essa fase passou.
DINHEIRO ? O Brasil melhorou?
PINHEIRO NETO ? O Brasil ficou mais
sério. Já tem bastante gente que aprendeu que ser sério é bom, que fazer força no caminho escolhido pode até valer a pena. Temos essas vantagens. Você percebe que se for sério e convencer o outro de sua seriedade, você tem uma bruta vantagem. Quanto maior você fica menos besta pode ser. Há uma certa hora que não dá mais toda essa história de caixa dois, de conversar, desconversar… tudo isso vai acabando. Hoje tem muita gente que nem admite falar em caixa dois. O Brasil melhorou muito.
DINHEIRO ? Como os seus clientes
estão lidando com o clima de nervosismo com as eleições?
PINHEIRO NETO ? A grande preocupação é com a incerteza do futuro. Qualquer que seja o presidente que venhamos a ter, uma vez definida qual é a política que ele vai adotar, quais os nomes que vão compor o ministério, uma vez que se tiver clareza de tudo isso, vamos voltar a uma vida normal. Podem ocorrer excessos? Podem ser tomadas medidas que sejam danosas à economia, de um lado ou de outro? Podem, mas não serão tão negativas a ponto de fazer com que o País afunde.
DINHEIRO ? Qual é o medo dos investidores?
PINHEIRO NETO ? O medo deles se chama Lula. Eles têm medo do Lula como presidente. Mas seja o Lula ou quem for, o novo presidente estará sujeito às mesmas restrições que o cargo impõe. Tem certos limites, quer queira ou não, você terá sempre. E o Lula também. E se ele virar presidente e não souber das limitações, terá mais trabalho do que os outros que já conhecem as restrições. Vai ser mais duro para aprender, se já não souber dos limites, mas vai aprender. Pode haver alguma turbulência até a eleição ou nos dois ou três meses seguintes. Depois vão olhar para trás e dizer: o que foi isso mesmo que aconteceu? Passou, acabou. Nós somos muito maiores do que pensamos.
DINHEIRO ? A crise da Argentina e as eleições provocaram uma diminuição do interesse por fusões e aquisições no Brasil?
PINHEIRO NETO ? Houve uma queda do volume de fusões e aquisições no mundo inteiro. Estamos falando dos EUA, da Europa e, certamente, do Brasil. O volume de negócios no Brasil é menor do que o que tivemos em 2001 e certamente menor do que o que tivemos em 2000. Mas não diria que isso é reflexo de Argentina nem das eleições, embora sejam motivos de preocupação. É um reflexo da economia mundial. É preciso levar em conta também que nos anos anteriores, ocorreram muitos investimentos na época da privatização. No ano passado, já se tinha uma indicação que os investimentos iam cair. Agora, o volume diminuiu, mas o interesse continua e as empresas que estão aqui instaladas, nenhuma delas vai deixar o País.
DINHEIRO ? Quais setores os negócios estão mais aquecidos?
PINHEIRO NETO ? Diminuíram os investimentos em telefonia, até porque os principais investimentos já foram realizados. Mas existe muita atividade de reorganização não só em telefonia, mas também em energia. São setores em que também há muita atividade financeira, de captação de recursos no exterior, emissão de papéis e substituição de dívidas. Entre os bancos, houve movimentação muito forte no passado. Mas não é que o setor tenha parado. Ainda existem negócios acontecendo. Um setor em que há muita movimentação é o da área de petróleo e gás. Existem muitos projetos envolvendo gasodutos, oleodutos, plataformas de perfuração de petróleo. Pela atividade no nosso escritório, podemos concluir que existem muitos negócios em torno da Petrobras.
DINHEIRO ? O escritório é um termômetro razoavelmente eficiente das tendências da economia. Em que áreas tem havido maior demanda pelos serviços dos advogados?
PINHEIRO NETO ? O segmento em que o País ainda tem muito espaço para crescer, e com relativa rapidez, é o comércio exterior. Podemos notar pela atividade do nosso escritório. Sempre atuamos em questões ligadas à importação, dumping e tributação de comércio exterior. Mas quando o assunto era ligado a questões de outros países, nós, assim como os outros escritórios de advocacia, recorríamos a escritórios estrangeiros. Nos últimos anos, a importância que as exportações ganharam e o aumento das barreiras aos produtos brasileiros nos levaram a investir na ampliação da área internacional. É uma medida que exigiu uma enorme preparação nos últimos quatro ou cinco anos. Montamos parcerias importantes com escritórios estrangeiros. Achamos que haverá também um número cada vez maior de parcerias de escritórios brasileiros com o governo federal. A questão comercial se tornou prioritária e o governo tem questões jurídicas a serem tratadas, como as causas na OMC.
DINHEIRO ? Em que novas áreas o escritório está atuando?
PINHEIRO NETO ? O País está ficando mais eficiente, mais profissional e isso se reflete sobre a nossa atividade. Estão sendo criados fóruns específicos, onde os assuntos são tratados tecnicamente. Com a mudança do modelo, em que o Estado diminuiu sua intervenção na economia, surgiram as agências regulatórias como as de telefonia e de energia. É uma área grande que deve crescer. Outro exemplo é o Cade. Um dos primeiros processos que fizemos no Cade há duas ou três décadas, demorou cinco anos para ir de nenhum lugar para lugar nenhum. Hoje, os assuntos são tratados tecnicamente. Houve um ganho de eficiência que se reflete num aumento de questões específicas, como as ambientais e sociais. Há 20 anos, um dos nossos sócios, Antônio Monteiro, fez um curso de direito ambiental numa universidade americana e muitas pessoas questionaram a validade de se estudar essa área. Hoje, temos um grupo de atuação ambiental fortíssimo, com mais de 20 advogados. Outro campo que está sendo aberto é o da arbitragem e que tende a crescer rapidamente.
DINHEIRO ? As empresas estão mais dispostas a chegar
a um entendimento pela arbitragem, sem a participação
da Justiça?
PINHEIRO NETO ? As empresas estrangeiras sempre
cogitaram da arbitragem. Não se pode adotar a prática em
todos os contratos, mas é difícil haver negociação em que não se discuta a possibilidade da arbitragem. Agora, as empresas brasileiras também estão adotando essa prática com mais freqüência. É uma saída, em parte, para evitar a morosidade da Justiça e, em parte, para adequar o processo ao caso específico, às necessidades das partes. Entre as empresas brasileiras, não temos essa tradição. Mas a nova lei de arbitragem começou a viabilizar essa mudança e agora ela tende a crescer.
DINHEIRO ? A reforma tributária vai ser realizada?
PINHEIRO NETO ? Quando se fala em reforma tributária, não se pode deixar de levar em conta as transformações promovidas pela Constituição de 1988. Houve redistribuição das receitas entre o governo federal, Estados e municípios, sem a transferência proporcional dos gastos. Isso gerou a estrutura tributária complexa que temos hoje e precisa ser resolvida, mas envolve uma discussão política muito difícil e que, até agora, não se conseguiu fazer. Mas terá que ser feita para desonerar os negócios.
DINHEIRO ? Como se pode viabilizar a reforma?
PINHEIRO NETO ? Para que ela aconteça é importante que se saiba dizer não. Quando ninguém tem coragem de dizer não, as coisas não acontecem. Todo mundo pensa que se gritar bastante, as coisas não serão feitas. É preciso lembrar que estamos num período em que é o governo que faz a lei e, por isso, tem muito poder. Se alguém aprova a lei, fala-se que está subserviente ao governo, se votar contra é impatriota. É preciso poder dizer não.
DINHEIRO ? Muitos advogados estão preocupados com o avanço dos escritórios estrangeiros. Como o sr. vê a concorrência dos escritórios de advocacia estrangeiros?
PINHEIRO NETO ? A Clemência Wolthers, uma das sócias do escritório, é decididamente contrária a esses avanços dos estrangeiros. Eu não concordo. É um negócio que deve crescer, quer você queira ou não. Não adianta dizer que é contra. É a mesma coisa que estar no mar e dizer que é contra as ondas. O que importa é que eles tenham os mesmos limites a que eu estou sujeito. É necessário que haja igualdade de condições. Os estrangeiros precisam comportar-se bem, melhor do que todos os advogados brasileiros. Eles têm que ter um comportamento exemplar.
DINHEIRO ? Qual é a sua avaliação dos 60 anos do escritório?
PINHEIRO NETO ? Apesar de ser um elogio em conta própria, devo contar que acho que fiz alguma mudança. Me lembro que, um ano antes de abrir o escritório, eu descia a Praça da Sé, vindo do Palácio da Justiça, no centro de São Paulo, quando meu pai apontou para alguns advogados que andavam por ali e disse: eles não são boa coisa. Na época, a imagem dos advogados não era nada boa. Consegui fazer uma mudança. Hoje se fala dos advogados em outro tom, de outra forma. Um advogado é alguém parecido com qualquer outra pessoa, com a mesma honestidade, inteligência e atitude progressista de qualquer um. Essa contribuição eu sei que eu dei.