13/11/2002 - 8:00
DINHEIRO ? Alguns economistas americanos dizem que uma crise da dívida brasileira é inevitável. O que o sr. acha disso?
MICHAEL MUSSA ? A resposta para essa pergunta ainda está em aberto, não é conhecida neste momento. Embora o Brasil tenha condições de pagar a dívida, não teria condições de sustentar a longo prazo as atuais taxas de juros cobradas do País pelo mercado financeiro internacional. Essas taxas caíram nos últimos dias, mas permanecem num patamar insustentável.
DINHEIRO ? O que pode fazer a diferença?
MUSSA ? A questão chave é saber se o novo governo pode conquistar a confiança do mercado para baixar as taxas, de maneira significativa, nos próximos meses. Não é que a crise seja iminente nos próximos dias ou semanas. Mas se as taxas internacionais não caírem, o governo terá de subir os juros no Brasil e não terá como administrar o problema fiscal. Mas se houver ganho de confiança, como tem ocorrido nos últimos dias, então não há razão para acreditar que o default (calote) seja inevitável.
DINHEIRO ? Por que o sr. sugeriu um empréstimo de mais de US$ 100 bilhões ao Brasil?
MUSSA ? O ponto de vista que defendi no Congresso é que o mercado parece não estar convencido que o Brasil conseguirá evitar a reestruturação da dívida com um superávit das contas públicas abaixo de 4%. As alternativas que existem são algum tipo de reestruturação da dívida interna, o que seria desastroso para o Brasil, ou o fortalecimento da política econômica, com grande apoio internacional.
DINHEIRO ? Como seria esse fortalecimento da política econômica?
MUSSA ? O problema brasileiro é de confiança de mercado. E se é preciso ganhar a confiança, em primeiro lugar o governo deve adotar medidas mais fortes, como aumentar o superávit fiscal primário para 5% do PIB. Em seguida, deve receber forte apoio da comunidade internacional. Por isso, proponho um programa do FMI de aproximadamente US$ 120 bilhões, o equivalente a 20% do PIB, ou um pouco menos, US$ 100 bilhões. É muito dinheiro, mas o tamanho do pacote é proporcional a programas recentes do Fundo, com o Uruguai e a Turquia, e reflete o tamanho da economia brasileira.
DINHEIRO ? E se esse megaempréstimo do FMI não vier?
É possível convencer o mercado internacional a voltar a
financiar o Brasil?
MUSSA ? Eu penso que é mais difícil se o setor oficial não der um forte voto de confiança para as autoridades brasileiras. Mas esse voto de confiança precisa ser ganho com um fortalecimento das políticas econômicas. Essa é a primeira condição para tornar o sentimento do mercado bem mais favorável.
DINHEIRO ? Com a sua experiência no FMI, o sr. acredita que seria possível obter um empréstimo de US$ 100 bilhões, como propõe?
MUSSA ? Penso que US$ 100 bilhões seria difícil. Até o momento, o FMI, o Banco Interamericano e o Banco Mundial prometeram cerca de US$ 50 bilhões no pacote de ajuda ao Brasil. Se houver um importante fortalecimento das políticas econômicas, é possível aumentar esse comprometimento em outros US$ 15 bilhões a
US$ 20 bilhões. É possível em pensar em valores ainda mais altos.
Se isso vai acontecer ou não é difícil saber. Mas é importante levar em conta que não faz sentido o pacote fracassar quando se tem um forte programa econômico com grande financiamento externo.
DINHEIRO ? O sr. atuou no FMI de 1991 a 2001. Como explica o fato de o Brasil ter sofrido cinco crises financeiras em oito anos?
MUSSA ? Em 1997, houve uma crise cambial e ela voltou em 1998 e, de novo, em 1999. Naquela época, o principal problema era a taxa de câmbio que não era sustentável. Agora, a taxa de câmbio é flutuante e o problema é o tamanho da dívida pública brasileira ? sendo que a maior parte é interna. E também o tamanho da dívida externa ? sendo que a maior parte é privada.
DINHEIRO ? A que o sr. atribui o crescimento da dívida?
MUSSA ? A dívida pública cresceu como conseqüência dos esforços para manter a cotação do Real em meados e no final da década de 90. O Brasil usou US$ 35 bilhões em reservas e emitiu títulos de dívida atrelados ao dólar, em 1997, 1998 e no início de 1999. Essas emissões, combinadas com a depreciação do Real, contribuíram para um crescimento da dívida no valor aproximado de 15% do PIB. Outro fator chave foi o gasto fiscal durante o governo Fernando Henrique, especialmente no primeiro mandato. O governo foi altamente indisciplinado, houve explosão de gastos, em particular nos primeiros quatro anos.
DINHEIRO ? O sr. acha que as políticas do FMI para o Brasil foram corretas? Há espaço para mudar as políticas econômicas, como defende Lula?
MUSSA ? Certamente há espaço para mudança na economia. Mas é preciso fazer uma ressalva. O Brasil não teve programas do FMI ao longo dos oito anos do governo Fernando Henrique. Apenas no final de 1998, quando a moeda estava sob grande pressão, começaram os programas. Portanto, não se pode dizer que as políticas do governo eram políticas do FMI. É uma diferença importante em relação à Argentina. O FMI desenvolveu programas na Argentina ao longo de toda a década de 90. Na Argentina, o FMI tem mais responsabilidade por apoiar medidas que não deveriam ter sido apoiadas ou por não se opor a fatos que deveriam sofrer oposição.
DINHEIRO ? O que o sr. pensa das críticas ao modelo econômico do governo Fernando Henrique que seria, segundo os críticos, baseado em medidas liberais do Consenso de Washington?
MUSSA ? Os problemas do Brasil não têm nada a ver com o Consenso de Washington. O Consenso de Washington nunca
disse que era para o País ter grandes déficits fiscais ou manter grandes dívidas públicas, que são as principais origens dos atuais problemas brasileiros e são herança do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso.
DINHEIRO ? E as medidas de liberação da economia, como a abertura para entrada de capital financeiro?
MUSSA ? O Brasil não abriu a economia de maneira marcante. Hoje, a economia está mais aberta do que no passado, mas não está excepcionalmente aberta. Não é como os países asiáticos, onde o excesso de endividamento das empresas privadas e a fragilidade dos bancos explicam a origem da crise. Boa parte desses problemas, alguns podem argumentar, foi encorajada por medidas do Consenso de Washington. Não é o caso do Brasil. No Brasil, a política fiscal não foi eficiente. O governo gastou US$ 60 bilhões da receita da privatização na última década. Foi o problema fiscal, e não a abertura de capital, que causou os problemas brasileiros.
DINHEIRO ? Nos últimos meses, alguns economistas falaram em controle de capitais para conter a saída de dólares do Brasil. O que o sr. pensa disso?
MUSSA ? O Brasil ainda mantém alguns controles sobre fluxo de capitais. Isso não é uma medida que deva ser totalmente rejeitada. O grande perigo é falar em controle de capitais, o que leva as pessoas a levar seus recursos para fora, antes que os limites sejam impostos. Não há muita dúvida que parte da saída de capitais que vimos no Brasil nos últimos meses, tanto de brasileiros quanto de credores externos, ocorreu em conseqüência do medo que os controles pudessem ser decretados. Não é um assunto sobre o qual governo deva falar em voz alta.
DINHEIRO ? Como fica a economia brasileira com a eleição de Lula?
MUSSA ? Com o tempo, a política econômica vai mudar um pouco, para a esquerda. Gastos com programas sociais devem crescer. É possível que ocorram aumentos nos impostos. A questão que vale um milhão é saber como o governo do PT vai lidar com a crise financeira. Ainda está em aberto. Em breve, o novo governo vai anunciar sua equipe econômica, incluindo o presidente do Banco Central. Essa será o ponto de partida para se olhar para frente. As alternativas são relativamente estreitas. E não são muito diferentes para Lula do que seriam para Serra.
DINHEIRO ? Em quanto tempo se poderá ter uma noção da reação do mercado financeiro ao novo governo?
MUSSA ? O período crítico para o Brasil é nos próximos três a quatro meses. Nesse período, o governo Lula se organizará. A pergunta central é se será capaz de anunciar e implementar medidas econômicas para restaurar a confiança do mercado para o nível que permita que esses problemas sejam resolvidos e evite uma reestruturação da dívida ? o que seria muito prejudicial para a economia e para o sistema financeiro brasileiro. Mas esse resultado não é inevitável, ainda tem uma chance razoável de uma política forte, especialmente se for convincentemente implementada e tiver amplo apoio internacional, você atravessa esse episódio com sucesso, embora o sucesso não esteja garantido.