DINHEIRO ? O Serpro vai implantar o Expresso V3, um sistema de e-mail, webcam e webconferência, em todos os órgãos do governo federal. Como isso muda a segurança da comunicação do governo?
MARCOS MAZONI ? O sistema retira do nosso ambiente de comunicação esses softwares que podem trazer algum risco de segurança. Mais especificamente produtos ligados aos fabricantes americanos, que, ao obedecer à legislação do seu país de origem, são obrigados a permitir esses back doors, essas portas dos fundos, para uso do governo dos Estados Unidos, se forem solicitados. Isso faz com que tenhamos muita vulnerabilidade. A determinação da presidenta Dilma é para que todo o governo use os nossos serviços, desenvolvidos a partir de soft­ware livre, com conhecimento dominado por brasileiros.

 

 

 

DINHEIRO ? Como será esse e-mail?

MAZONI ? Será um webmail, com um visual parecido com o e-mail do Google. Nos equipamentos oficiais haverá a opção da criptografia. Em outros equipamentos, como smartphones, isso ­não será possível, mas ainda assim o sistema é seguro, porque o túnel é criptografado. 

 

 

 

DINHEIRO ? Isso aconteceu por causa das denúncias de espionagem ?

MAZONI ? Sim, é por isso. Há uma preocupação adicional com essa vigilância. E há outro aspecto extremamente positivo, que é o reconhecimento da nossa capacidade intelectual de prover essas soluções. O Brasil não é dependente dessas empresas de tecnologia. O Brasil não depende nem da Microsoft nem do Google. Não precisa se submeter à espionagem para isso. Temos capacidade para prover essas soluções. É um padrão de complexidade que nós dominamos.

 

 

 

DINHEIRO ? E por que essa capacidade nunca foi utilizada pelo governo?

MAZONI ? Nós temos uma demanda muito grande de soluções, de produtos que não existem no mercado e precisam ser desenvolvidos, como renegociação de dívida e modernização de portos. O e-mail, como já é oferecido por outras empresas, acabou ficando para depois. Alguns órgãos já utilizam o nosso sistema, mas o número de usuários ainda é pequeno, cerca de 70 mil pessoas. Pela questão cultural, muitos optaram por soluções proprietárias de empresas como Microsoft e Google. Agora, temos a determinação da presidenta, o que vai fazer com que essa migração aconteça.

 

 

 

DINHEIRO ? Não havia uma certa ingenuidade no governo quanto à vulnerabilidade dos sistemas de e-mails contratados dessas empresas americanas?

MAZONI ? Acho que havia uma ingenuidade na sociedade mundial, com exceção de alguns países, como a Alemanha, que desde a Segunda Guerra usa soluções abertas, justamente para não ficar dependente de nenhuma empresa. Mesmo os Estados Unidos, onde estão sediadas essas empresas, tiveram muitos problemas na Guerra do Golfo com a comunicação com os aliados ingleses e os espanhóis. Essa não era uma questão premente para nós. Mas a sociedade está mudando e, atualmente, as invasões são cibernéticas e não mais físicas.

 

 

 

DINHEIRO ? A presidenta Dilma vem usando o Gmail e o Outlook em suas comunicações pela internet. O presidente americano, Barack Obama, quando foi eleito, teve de deixar de usar o seu Blackberry, e só voltou a usá-lo depois que foi desenvolvido um sistema seguro. O Brasil não se deu conta da falta de segurança? Ninguém disse à presidenta Dilma que esses e-mails eram vulneráveis?

MAZONI ? O problema não é a segurança do sistema, mas o fato de o servidor estar nos Estados Unidos e, portanto, sujeito às leis americanas. Então, o acesso pode ser feito pela via jurídica. A preocupação do Serpro com segurança é muito grande, porque nós cuidamos do sigilo fiscal dos brasileiros. A ferramenta que gera o Imposto de Renda foi desenvolvida por nós. Por isso, desenvolvemos os nossos próprios sistemas, a nossa nuvem. Essa preocupação com a segurança é natural para nós, mas não é tão natural para pessoas de outras áreas. De um modo geral, as pessoas têm uma grande preocupação com segurança física e acham que os produtos de software são inofensivos. Agora, estamos descobrindo que não são inofensivos, que essas possibilidades estão embutidas.

 

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A presidenta Dilma Rousseff, que foi espionada pelo governo de Barack Obama

 

DINHEIRO ? Qual é o faturamento do Serpro e quanto ele pode crescer?

MAZONI ? Faturamos R$ 2 bilhões no ano passado, e devemos ter um acréscimo em torno de R$ 600 milhões no próximo ano, em função desse contrato com a Presidência. Mesmo sendo uma empresa pública, temos contratos com os órgãos de governo e recebemos pagamentos pelos serviços. É uma ampliação proporcional ao investimento que teremos de fazer para aumentar nossa capacidade de processamento e armazenamento dos e-mails.

 

 

 

DINHEIRO ? Quanto a empresa investe em tecnologia?

MAZONI ? Investimos R$ 200 milhões por ano, mas no próximo ano o valor será superior a R$ 300 milhões, porque estamos montando um quarto datacenter, em São Paulo, a um custo de R$ 250 milhões. Já temos três centros, em Brasília, 

São Paulo e no Rio de Janeiro.

 

 

 

DINHEIRO ? Quanto foi o investimento em nuvem?

MAZONI ? Para colocar a nuvem do Serpro no ar, no mês passado, investimos R$ 10 milhões. É um investimento pequeno, porque nós usamos software livre e todo o conhecimento é do pessoal do Serpro. Temos 11 mil funcionários e 11 centros de desenvolvimento em todo o País, cada um deles com uma especialidade diferente.

 

 

 

DINHEIRO ? Onde o serviço de e-mail será hospedado?

MAZONI ? Totalmente no Brasil, nos centros de dados que já temos. A comunicação por internet na Esplanada dos Ministérios será feita por fibra ótica, através da infovia administrada pelo Serpro. A Telebras vai prover os serviços de longa distância. Quando contratamos operadoras, só contratamos os circuitos, usamos os nossos próprios roteadores. Toda a rede e o tráfego são administrados por nós.

 

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Agência dos Correios, em Brasília

 

DINHEIRO ? Se este sistema já estivesse em funcionamento, ele teria evitado os casos de espionagem que vimos?

MAZONI ? Sim. Agora teremos controle sobre todo o processo.

 

 

 

DINHEIRO ? Além dos órgãos diretos do governo, vocês vão atender também empresas estatais, ou mistas, como a Petrobras?

MAZONI ? A determinação da presidenta é que o conjunto do governo se dirija a uma solução aberta, como o Expresso V3. Alguns órgãos do governo têm a sua própria área de tecnologia de informação. Eles podem fazer download do produto e implantar, com suas equipes.

 

 

 

DINHEIRO ? O sistema está disponível também para empresas privadas?

MAZONI ? Qualquer empresa pode baixar os códigos-fonte sem pagar nada por isso. Inclusive uma empresa de TI pode oferecer o Expresso V3 a seus clientes. Ela não pode cobrar licença, mas pode cobrar pelo serviço de instalação e manutenção. Como se trata de um produto aberto, ele é mais seguro porque não existem autorizações prévias, tudo é autorizado no momento da instalação. É inclusive mais seguro quanto a vírus, porque as modificações feitas por cada usuário impedem que o vírus se dissemine.

 

 

 

DINHEIRO ? O Serpro pode se transformar numa Microsoft brasileira?

MAZONI ? Não é nosso objetivo. Já somos a maior empresa estatal de TI da América Latina. Nosso objetivo é continuar trabalhando para o governo. Já temos clientes como a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o Ministério do Meio Ambiente, ICMBio, Ministério do Planejamento, e temos o Expresso na Autoridade Olímpica e na Receita.

 

 

 

DINHEIRO ? E agora o universo será ampliado para todos os funcionários?

MAZONI ? Sim, serão cerca de três milhões até junho de 2014.

 

 

 

DINHEIRO ? Quanto o governo gasta hoje com pagamento de licenças para empresas como Microsoft e quanto vai economizar?

MAZONI ? Num primeiro momento o governo pode economizar cerca de R$ 50 milhões. Em 2010, último dado disponível, o governo poupou R$ 350 milhões com o não pagamento das licenças. Somente os portais do governo, no sistema Linux, resultaram numa economia de R$ 15 milhões com as licenças iniciais, que precisam ser renovadas todos os anos.

 

 

 

DINHEIRO ? Como é o contrato do Serpro com os Correios?

MAZONI ? Estamos desenvolvendo um projeto para desmaterializar as correspondências. Os clientes terão uma conta exclusiva para receber boletos e contas, como a caixa de mensagem, que está hoje nos sites dos bancos. Outro projeto, que foi pedido agora pelo governo, é o de um e-mail gratuito, para o público em geral, que será oferecido pelos Correios, utilizando a tecnologia Expresso V3.

 

 

 

DINHEIRO ? O Serpro administra todo o sistema da Receita Federal. Vocês já tiveram alguma invasão?

MAZONI ? Nunca. Tivemos tentativas de derrubar o sistema, especialmente próximo ao prazo de entrega das declarações, mas nunca foram bem-sucedidas. Nós rastreamos tudo e bloqueamos.

 

 

 

DINHEIRO ? Haverá mudanças em 2014?

MAZONI ? Todo ano temos inovações no Imposto de Renda. Em 2013, lançamos a possibilidade de fazer declarações pelo tablet. Agora vamos permitir o uso também de smartphones e começar a trabalhar com informações pré-editadas. A declaração virá pronta e o contribuinte só precisa confirmar se está tudo certo e enviar para a Receita. Ou corrigir, se houver algo errado. É assim que funciona no Chile. Vamos cruzar as informações disponíveis em cerca de 30 bancos de dados do governo.