DINHEIRO – O Brasil pode se tornar um centro financeiro para as empresas latino-americanas, que hoje buscam recursos em Nova York e Londres?

BRENNAN – No longo prazo, é provável, mas desde que o Brasil tome uma atitude mais determinada, que crie um ímpeto favorável à integração regional, como o Mercosul e o banco soberano. Na Europa, Londres é um centro financeiro histórico. Frankfurt e Paris passaram a ter mais relevância somente após a criação da União Europeia.

DINHEIRO – Isso é provável, mas é necessário?

BRENNAN – Sim, mas não o Brasil como o único centro. A América Latina tem tamanho, população e atividade econômica para comportar dois centros financeiros. México e Brasil, naturalmente. No lado andino, é difícil decidir. O Chile é muito pequeno. O país ideal para o centro andino seria a Colômbia. A Colômbia é o país do futuro. Não tanto como Brasil e México, mas é algo novo para quem procura investir na região. Em cinco a dez anos, terá muito destaque.

DINHEIRO – A Colômbia poderia superar o problema das drogas em tão pouco tempo?

BRENNAN – Praticamente já superou. O problema com as Farc (guerrilha) é localizado. Já foram desmobilizadas as organizações paramilitares de direita.

DINHEIRO – Como vê o Brasil no cenário de crise atual?

BRENNAN – O Brasil tem um papel de extrema importância. É um grande País do ponto de vista econômico, muito relevante no conceito dos BRICs (grupo que também inclui Rússia, Índia e China). É o País mais importante a falar em nome dos países em desenvolvimento.

DINHEIRO – Este é um mérito do presidente Lula?

BRENNAN – O presidente Lula não é um economista, mas tem enorme bom senso. O problema da economia atualmente é que faltou bom senso. É correta a ideia de Lula de deixar os mercados operarem sob uma regulamentação baseada no que é bom para o País. Não se pode ter um mercado totalmente livre nem totalmente controlado pelo Estado.

Tem que haver equilíbrio. Nesse ponto, Lula tem sido um bom presidente. Consegue manter equilíbrio entre a ação do mercado e a do Estado, deixando cada um fazer o que sabe fazer melhor. O Estado, por exemplo, tem os programas de ajuda aos pobres, que têm sido muito bem-sucedidos.

DINHEIRO – A popularidade de Lula caiu, embora continue muito alta, acima de 70% de aprovação. O sr. vê algum risco de o governo, diante das eleições de 2010, relaxar demais a austeridade fiscal?

BRENNAN – A maioria dos políticos gostaria de ter a popularidade de Lula. É muito importante para o Brasil garantir a continuidade das políticas atuais, quem quer que seja o próximo presidente. Os programas econômicos e sociais podem ser continuados apesar desta crise. Deveriam ser continuados por causa da crise.

Não há motivos para o Brasil ser subjugado pelas demandas econômicas do resto do mundo. Lula foi muito assertivo no G-20 sobre isso. Os problemas que enfrentamos agora foram criados pelo mundo desenvolvido e agora é a hora de os países desenvolvidos ouvirem os países em desenvolvimento sobre os próximos passos. Tenho certeza de que as mudanças no FMI irão refletir as ideias do Brasil, da China e da Índia

DINHEIRO – Não é irônico que o Brasil desta vez esteja emprestando dinheiro ao FMI, em vez de tomar emprestado?

BRENNAN – É uma ironia feliz. O Brasil atingiu um patamar, é um tributo à America Latina. Pela primeira vez na história os latino-americanos atingiram uma posição na vida econômica internacional que é estável, produtiva e tem futuro.

DINHEIRO – Como vê a Venezuela e a Bolívia?

BRENNAN – Esses países são a exceção. Há dois tipos de políticos na América Latina atual. Um deles comanda uma economia equilibrada, talvez mais voltada para a centro-esquerda do que para a centro-direita, como Chile, Brasil, México, Uruguai.

A Colômbia é de centro-direita e está saindo de seus problemas. Os políticos de países que tomam outra rota, como a Venezuela e a Bolívia, são produtos da história. A Venezuela produziu o Chávez por causa dos governos desastrosos que o precederam, com êxodo maciço de dinheiro para Miami. O problema é que Chávez está no poder há muito tempo. Talvez ele tenha sido necessário para promover uma grande mudança, mas deveria ter adotado gradualmente as políticas econômicas de países como Brasil e México. A Bolívia tem uma população indígena enorme e era inevitável que tivesse um presidente indígena. Ele (Evo Morales) tornou-se um grande propositor de justiça socialista.

DINHEIRO – E a Argentina, como a vê atualmente?

BRENNAN – Que pena! Após o final da Segunda Guerra Mundial, a Argentina era a quinto país mais rico do mundo em reservas naturais, com uma economia forte, uma população educada. Era um sucesso. O populismo, com o peronismo, virou moda e tornou-se um hábito. O maior problema para a Argentina é romper com esse hábito de pôr no poder governos que não funcionam, liderados por presidentes que não servem bem ao país. Quem foi o melhor presidente da Argentina desde 1945? É uma tragédia. Como se diz em espanhol: “Hay que parar de chupar” e começar a retribuir ao país.

DINHEIRO – O que o Brasil precisa fazer para atrair investimentos nesse ambiente de crise?

BRENNAN – O Brasil e a América Latina têm que fazer duas perguntas simples: onde está o dinheiro e como fazemos para conseguir uma parte dele? A primeira pergunta é muito importante, pois os bancos não têm mais a habilidade de investir. Não há crédito. Há três soluções possíveis, que podem ser usadas em conjunto.

Muitos fundos de investimento que sofreram com essa crise ficaram menores, mas se reconstituíram e agora têm prazos muito mais longos, com dois ou três anos sem resgates. Nos próximos meses, esses fundos terão mais dinheiro para investir. Em segundo lugar, há os fundos soberanos, com US$ 3 trilhões a US$ 4 trilhões. O da China tem US$ 2 trilhões.

Os noruegueses, os países do Golfo, Catar, Abu Dhabi e a Arábia Saudita têm os seus. Imagina o que seria se somente 5% deste dinheiro fosse investido na América Latina. A terceira fonte são os fundos institucionais, o BID, a Corporación Andina de Fomento, o FMI e o Banco Mundial.

O Brasil deveria buscar dinheiro de longo prazo para desenvolver sua infraestrutura. Os programas do Brasil, do México e da Colômbia demandam de US$ 100 bilhões a US$ 150 bilhões nos próximos três a cinco anos. São programas absolutamente essenciais para esses países.

DINHEIRO – Por que?

BRENNAN – Um país precisa de infraestrutura. Ela cria empregos. Se os projetos forem bem organizados, eles proporcionam aos investidores um razoável retorno de longo prazo. O Brasil pode atrair recursos do Oriente Médio, da Índia e da China. Os países do Oriente Médio investiriam aqui se tivessem garantias de que o País iria cuidar de seus interesses, particularmente no que diz respeito à comida.

Os grandes aumentos de preços dos alimentos no ano passado chocaram muita gente. Os sauditas, com a maior população do Golfo Pérsico, procuram fornecedores de alimentos permanentes. O mesmo acontece com a Índia. A Índia tem uma indústria farmacêutica forte e a América Latina é um grande mercado consumidor. A China é diferente, sempre investe no que for de seu interesse.

O empréstimo de US$ 10 bilhões para a Petrobras tem por objetivo o fornecimento de petróleo por dez anos. Os chineses são mais duros, dão muito mais dinheiro, mas querem muito mais em retorno.

DINHEIRO – A Inglaterra vai pedir dinheiro ao FMI?

BRENNAN – Não acredito, a menos que alguém me dê evidências do contrário. O Reino Unido, como todos os países desenvolvidos ocidentais, está numa situação séria. Resgatar o sistema bancário é vital. Não só para o comércio, mas para reforçar a posição de Londres como centro financeiro.

Temos que liderar as discussões financeiras internacionais sobre uma saída para esta crise. Os países ricos estão encrencados, mas os países pobres estão muito mais. O que quer que façamos, não podemos esquecer os pobres. O primeiro- ministro Gordon Brown fez questão de enfatizar isso no G-20.

DINHEIRO – Brown leva o Lula muito a sério, não?

BRENNAN – É uma combinação muito útil e feliz. O meu primeiro-ministro tem muita experiência e o presidente Lula tem muito bom senso e ideias muito boas para o que é bom para a população.

DINHEIRO – Os europeus se uniram contra a crise, mas tomaram medidas individuais que irritaram uns aos outros, como o seguro de depósito ampliado na Alemanha, por exemplo.

BRENNAN – A União Europeia é uma união econômica, não um Estado com sede em Bruxelas. Em tempos de crise, cada um naturalmente vai procurar proteger seus interesses. Temos atitudes diferentes na Alemanha, na França, na Espanha e no Reino Unido. Todos têm a mesma ideia básica de estimular a economia, reformar o sistema bancário e tentar manter o desemprego baixo. Cada um tem uma ênfase diferente sobre a melhor maneira de fazer isso.