19/06/2002 - 7:00
DINHEIRO ? Quais as primeiras perguntas dos investidores quando o encontram?
Ian Dubugras ? A primeira é sobre as chances do Brasil na Copa
do Mundo de Futebol. Deixando a brincadeira de lado, eles perguntam sobre a questão política e como será o próximo governo. E, segundo, como fica a questão da dívida pública diante de toda essa instabilidade.
DINHEIRO ? E quando o sr. responde, eles não se assustam?
Dubugras ? A dívida de 55% do PIB está dentro do aceitável. O Tratado de Maastricht fala de uma relação de até 60%. Eles querem realmente saber se ela está sob controle.
DINHEIRO ? O que realmente assusta o mercado?
Dubugras ? Há uma combinação de fatores, inclusive a atuação do Banco Central recentemente. Mas a base é a incerteza em relação ao cenário eleitoral e o rumo da política econômica na próxima administração. A conjunção desses dois fatores está provocando a volatilidade, mas a questão eleitoral é predominante.
DINHEIRO ? A marcação dos títulos a mercado não foi um
fator de agitação?
Dubugras ? Foi, mas a medida foi de extrema importância. Pode-se discutir se ela deveria ser adotada hoje, há cinco meses ou há um ano, mas seu mérito é indiscutível. Que tinha de ser feito, não há dúvida. Se houvesse mais volatilidade, o problema se agravaria, pois alguém deveria pagar a conta da diferença entre o valor de face do título e o valor de mercado. E, nesses casos, quem paga é o último que sai, ou seja o pequeno investidor.
DINHEIRO ? O momento foi adequado?
Dubugras ? Quanto antes fosse feito, melhor. Daqui a seis meses seria melhor? Ou daqui a um ano? Ou deixar para o próximo governo? Nós, do Bank of America, sempre marcamos a mercado e não tivemos perdas nesse processo.
DINHEIRO ? O que gera essa ansiedade?
Dubugras ? Há vários fatores que são passíveis de revisão num próximo governo. A principal é a questão fiscal. Não se sabe, por exemplo, se o próximo governo manterá ou não o compromisso com o ajuste fiscal. A esperança é que sim, para que se mantenha superávits e, assim, a relação entre dívida e PIB. Outra área que pode haver mudanças é a política monetária. Qual será a política de quem estiver à frente do Banco Central? Qual será o regime? O egime de metas de inflação será mantido?
DINHEIRO ? Você não citou a renegociação da dívida.
Dubugras ? Se você tem esses dois pontos atendidos, a questão da dívida pública interna e externa fica automaticamente equacionada. É claro que, se a questão fiscal não for devidamente tratada, poderá haver problemas. Se os candidatos quiserem trazer calma ao mercado, eles podem deixar claro o que pensam a respeito desses temas.
DINHEIRO ? Existe um real temor de calote na dívida?
Dubugras ? O governo tem todas as condições de evitar uma catástrofe no que se refere à dívida pública. Não só o governo atual, mas também o futuro governo, seja ele qual for. Com as condições concretas existentes hoje, eles terão todos os elementos para evitar qualquer desastre.
DINHEIRO ? Estamos a seis meses da eleição, as convenções não aconteceram, a campanha na televisão não começou e a economia fica instável em função de pesquisas eleitorais. Isso não é sinal de que a economia não tem uma base tão sólida como o governo tem divulgado?
Dubugras ? Os desafios são grandes, sim. Na questão da dívida, há um problema no perfil dela, no prazo médio de vencimento dessa dívida. Ele melhorou muito, mas está longe do ideal. Houve momentos em que a dívida era rolada no mercado de overnight. O que o governo e os candidatos podem tirar de lição dessas turbulências é que se trata de um sinal de que há muito o que fazer. Hoje a dívida interna, que é a que causa mais apreensão, atinge cerca de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões. Metade dela é ligada a papéis pós-fixados. Quando sobe a taxa de juros básica, a Selic, há um custo ainda maior. Outra parte da dívida, cerca de 30%, é vinculada ao câmbio. Quando o real se desvaloriza, como aconteceu nas últimas semanas, há custo fiscal também.
DINHEIRO ? O superávit fiscal obtido nos últimos anos
é consistente?
Dubugras ? É outra questão delicada. A qualidade do ajuste
fiscal pode ser melhorada e, por isso, a reforma tributária tornou-se uma necessidade.
DINHEIRO ? Nas últimas semanas,
o governo encurtou o prazo de
resgate de seus títulos. Não se
criou uma bomba-relógio para o próximo governo?
Dubugras ? Sim, houve encurtamento
do prazo e isso provocou uma volatilidade e fuga do dinheiro para outros investimentos. O que houve não foi fuga de capital, mas sim fuga da volatilidade. A poupança interna do País foi preservada.
DINHEIRO ? Mas o próximo governo não ficará com o mico de resolver
o problema do prazo mais estreito para a dívida?
Dubugras ? Não. Se o próximo governo demonstrar que tem política econômica consistente, ele terá todas as condições de voltar a alongar o prazo da dívida. O encurtamento é temporário. É uma ponte até a definição do quadro político. Conforme a incerteza diminua, o mercado voltará a aceitar prazos mais longos.
DINHEIRO ? Pode haver fuga de capitais?
Dubugras ? Não vejo nada na realidade que indique isso neste momento. Hoje o movimento acontece em função de uma busca por ativos menos voláteis. Para evitar esse tipo de situação, os candidatos têm de deixar claro o mais rápido possível o que pretendem da política econômica, quem serão os membros de sua equipe econômica, quem será o ministro da Fazenda, quem será o presidente do Banco Central, qual sua política monetária, qual sua política fiscal.
DINHEIRO ? Mas isso ficará para o próximo governo…
Dubugras ? Talvez não. Tudo depende da evolução do quadro político. Antes disso, quanto mais os candidatos transmitirem aos mercados seus planos sobre a economia, mais provável será a conquista de tranqüilidade por parte dos investidores. É necessário que os candidatos tenham mais transparência em suas propostas.
DINHEIRO ? Mas os assessores do PT, líder nas pesquisas, têm dado entrevistas sobre questões econômicas. Os investidores não estão satisfeitos com o que ouvem?
Dubugras ? Ainda estamos num estágio preliminar, falta tempo para as eleições. As convenções ainda não foram realizadas e as chapas ainda não estão compostas. Então o que temos é um rascunho do que os partidos estão pensando…
DINHEIRO ? Candidatos mais à esquerda, como Lula e Ciro Gomes, assustam realmente os investidores?
Dubugras ? O que podemos ver (e os investidores sabem disso) é que, na prática, candidatos de esquerda podem ter uma política econômica mais próxima do centro do que a retórica da campanha eleitoral sugere. Tony Blair, na Inglaterra, é apenas um nome que comprova isso. Há muito emocionalismo nas análises da conjuntura atual. É como se o governo quisesse algo e pronto. As coisas não são tão simples. Há, por exemplo, a composição política do próximo Congresso, que terá uma influência decisiva na atuação do próximo governo, seja qual for o candidato eleito. Hoje, com a estrutura político-partidária que temos, nenhum governo será hegemônico no Congresso se não houver negociação e composição.
DINHEIRO ? O que o próximo governo deve fazer de cara
para evitar sobressaltos?
Dubugras ? Olha, eu não vejo uma situação de emergência, em que, logo no primeiro dia, o governo tenha de tomar uma medida dramática, como foi o caso do Collor com o congelamento. É mais um processo. O primeiro passo é buscar uma ampla negociação no Congresso para criar uma base de governabilidade. Isso já mostrará que o governo está de acordo com as regras do jogo e tem disposição para ouvir sugestões e aceitá-las. Mais: isso também dará o sinal de que o governo levará adiante as reformas necessárias.
DINHEIRO ? E do ponto de vista econômico?
Dubugras ? Dois grandes desafios. Um: as contas externas. Temos um déficit em conta corrente de US$ 4 bilhões que é financiável ainda, mas nos deixa sensíveis na dependência do capital externo. Dois: aumentar a competitividade de nossas exportações. Nesse ponto, há muito a ser feito, de médio prazo como a questão da tributação, a longíssimo prazo como a questão da educação. Estamos caminhando para um superávit de US$ 5 bilhões, mas isso se deve muito à compressão das importações. No momento em que o País voltar a crescer, as importações aumentam. Então é necessário incrementar as exportações para compensar isso.
DINHEIRO ? A conjuntura mundial não dá muita perspectiva para o aumento significativo das exportações…
Dubugras ? Parece possível que num espaço curto de tempo a economia mundial volte a crescer. Isso ajuda no aumento das exportações e no aumento do preço das commodities, que ainda
são importantes na pauta de nossas exportações. Outro fator é o câmbio e hoje temos uma taxa competitiva.
DINHEIRO ? Há o risco de o Brasil se tornar uma Argentina?
Dubugras ? As situações econômica e política são muito diferentes. O Brasil tem todas as condições de não se tornar uma Argentina, embora o risco sempre exista. Em primeiro lugar, a dívida é primordialmente doméstica, que dá um grau de administração maior para a dívida. Na Argentina, a dívida externa era maior, pois era
toda dolarizada. No Brasil, o câmbio flutuante é uma realidade e funciona há mais de dois anos. A Argentina ainda está procurando
o regime cambial que vai adotar. Dias atrás, o presidente argentino Duhalde até falou em uma volta ao câmbio fixo. O Brasil também desfruta da credibilidade adquirida por sua política monetária.
E, muito importante, é que a base industrial dos dois países é incomparável, com uma grande vantagem para o Brasil.
DINHEIRO ? Voltando às perguntas dos investidores. O que vocês respondem sobre a seleção brasileira na Copa?
Dubugras ? Que o coração manda continuar torcendo.