27/09/2006 - 7:00
DINHEIRO ? Por que o País vive seu caminho da servidão?
RODRIGO LOURES ? O nosso maior problema é a falta de uma agenda de desenvolvimento. Há muito tempo estamos voltados a uma agenda de curto prazo, apenas. Não temos mais planejamento nem estratégia de longo prazo.
DINHEIRO ? E por quê?
LOURES ? Porque falta clima. Numa sociedade de massas, as coisas só acontecem se estiverem na mídia, uma vez que os meios de comunicação têm o poder de influenciar a vontade coletiva. E hoje no Brasil, com tantos escândalos, a mídia também tem sido dominada por questões do cotidiano, do imediato e do curto prazo.
DINHEIRO ? Estamos perdendo o bonde?
LOURES ? Claro. O mundo é hoje cada vez mais complexo e os países que estão avançando são aqueles com vontades claras, com projetos nacionais e com forças organizadas. Nós, ao contrário, estamos nos transformando numa economia passiva, a reboque do resto do mundo.
DINHEIRO ? Quais os exemplos dos países que estão na vanguarda?
LOURES ? A Índia é um bom exemplo. O líder do país, o primeiro-ministro Manmohan Singh, é mais do que uma pessoa com visão estratégica. Ele é um economista com um preparo que lhe permitiu organizar claramente o seu país, tanto do ponto de vista econômico quanto político. E isso deu sentido ao desenvolvimento.
DINHEIRO ? Enquanto a Índia cresce 8% ao ano, o Brasil sofre para conseguir 3%. Isso o surpreende?
LOURES ? De forma alguma. O nosso resultado é fruto das nossas escolhas. O Brasil é hoje um país que não tem vontade de crescer. Não é possível crescer sem investimentos e sem estímulos na boa direção do progresso. E, aqui, pior do que não ter a vontade de crescer é ter a intenção deliberada de conter a atividade econômica. Daí, a servidão consentida.
DINHEIRO ? Quais são os grandes fatores inibidores?
LOURES ? Nunca uma economia ficou exposta tanto tempo a uma taxa de juros tão elevada quanto a brasileira. Não existe paralelo no mundo. E, por conta dessa taxa de juros elevada, passamos a ter um aumento da carga tributária em níveis impraticáveis. Hoje, ela está em quase 40% do PIB. E essa é uma política perversa, uma vez que juros e tributos são irmãos siameses.
DINHEIRO ? Mas essa não é a conta a se pagar pela estabilidade de preços?
LOURES ? Essa é a miopia básica: a de que a inflação só pode ser contida com juros altos. Todos os países que estão dando certo tratam de controlar as pressões de demanda expandindo a oferta e aumentando os investimentos.
DINHEIRO ? E a questão do câmbio?
LOURES ? Ele tem nos afetado de forma extremamente negativa, uma vez que a indústria exportadora já perdeu toda a competitividade no Brasil. Além disso, a indústria local tem sofrido uma concorrência desleal dos importados. Com esse câmbio, têm acontecido coisas inacreditáveis. No Paraná, nós estamos importando milho do Paraguai.
DINHEIRO ? Isso é inédito?
LOURES ? Claro que sim. Hoje, toda a nossa indústria avícola compra milho de um país vizinho. E veja que nós somos um dos Estados mais fortes do agronegócio brasileiro. O milho do Paraguai custa R$ 12 a saca e o nosso custa R$ 14. Com isso, os fazendeiros estão quebrando. E também já começamos a importar compensados.
DINHEIRO ? Há um processo de desindustrialização?
LOURES ? Com toda a certeza. Os estudos comprovam que a indústria está perdendo participação no PIB e os empregos migram para atividades que remuneram menos o trabalhador. Outro dia eu até me lembrei da promessa de campanha do Lula. Ele pode até ter criado dez milhões de empregos. Só que foi na China e não aqui. Caímos numa verdadeira arapuca.
DINHEIRO ? Como assim?
LOURES ? A armadilha das nossas vantagens comparativas, como o minério e o agronegócio, que criaram um superávit de US$ 45 bilhões. Por conta disso, o câmbio se valorizou em excesso, o que tem fragilizado todos os outros setores da economia. Tem faltado equilíbrio na nossa política econômica.
DINHEIRO ? O que poderia ser feito?
LOURES ? As vantagens comparativas deveriam ser usadas para fortalecer outros setores. Ninguém pode ignorar a importância da indústria de alimentos, do vestuário, de calçados, dos móveis e de muitos outros setores.
DINHEIRO ? O Brasil sofre a chamada doença holandesa, em que o valor das commodities enfraquece todo o resto?
LOURES ? Sim, e isso tem sido agravado por erros na política monetária e na política fiscal. O governo foi muito rápido para tirar os tributos nas aplicações financeiras internacionais, mas foi extremamente tímido para desonerar investimentos e as micro e pequenas empresas.
DINHEIRO ? Mas o objetivo da política econômica parece ser chegar ao investment grade dos mercados financeiros.
LOURES ? E é esse o grande erro. O que desequilibra a nossa economia é o foco equivocado. Parece que só o viés financeiro interessa aos formuladores da política econômica.
DINHEIRO ? Vamos falar do Paraná. A indústria caiu 3,5% em 12 meses. Por que um desempenho tão ruim?
LOURES ? O Paraná é talvez o Estado brasileiro com maior presença no comércio internacional, em proporção do PIB. Nossa agricultura e nossa indústria são voltadas, em grande parte, à exportação. Com esse câmbio, fomos muito castigados. Lá, nós temos um grande pólo de caminhões, máquinas agrícolas e bens de capital também muito voltado ao agronegócio, outro setor que vem passando por uma crise brutal. Foi uma infeliz combinação.
DINHEIRO ? O sr. vê sinais de melhora?
LOURES ? Não dá para dissociar o Paraná do Brasil. É o País que tem que começar a andar. Para isso, temos que mudar a política e criar uma meta de crescimento, que não pode ser inferior a 5% ao ano. E isso depende de termos a indústria avançando 7% ao ano, o que só ocorrerá com uma taxa de juros alinhada com a do resto do mundo e com uma carga fiscal competitiva.
DINHEIRO ? Isso está no horizonte de um segundo governo Lula ou de um eventual governo Geraldo Alckmin?
LOURES ? A minha aposta é que o empresariado irá se mobilizar em torno de uma agenda de desenvolvimento do Brasil. Só nas estradas, o País perde R$ 78 bilhões com os buracos e os roubos de cargas. Por conta do modelo atual, ficamos fazendo economias aqui e acolá, que geram prejuízos muito maiores.
DINHEIRO ? Quem é melhor para colocar essa agenda em prática?
LOURES ? Mais importante que o presidente A ou o presidente B é a nossa capacidade de mobilização. A sociedade é que deve assumir o papel de protagonista. O próximo governo, qualquer que seja, terá de assumir um compromisso de ganho de produtividade no setor público. Se isso não acontecer, não nos viabilizaremos como nação. Precisamos de uma reforma do Estado e de um choque de gestão.
DINHEIRO ? No Paraná, o governador Roberto Requião foi acusado de quebrar contratos. Como o sr. vê a questão?
LOURES ? O governador usou o argumento de que alguns contratos tiveram uma origem espúria. Sendo assim, esses contratos seriam altamente danosos ao erário público e ao consumidor. Por conta disso, poderiam ser renegociados. E eu concordo com a tese dele. Caso contrário, poderíamos estar eternizando injustiças.
DINHEIRO ? Isso vale para os pedágios?
LOURES ? Vale para tudo. E outro ponto importante é que esses contratos não foram quebrados; eles foram contestados na Justiça sob o argumento de que eram abusivos.
DINHEIRO ? Na Copel, empresa de energia paranaense, o Requião reviu o contrato com a El Paso e reduziu tarifas.
LOURES ? Os resultados mostram que ele estava correto não só no caso da Copel, mas também na Sanepar, a empresa de saneamento. O Requião, na verdade, dá uma contribuição importante ao País na medida em que não se subordina às injustiças. Eventualmente, podem existir alguns excessos, mas isso não invalida a sua contribuição.
DINHEIRO ? E no caso do Porto de Paranaguá, onde houve um veto à exportação de transgênicos?
LOURES ? Lá, existe uma discussão conceitual. A questão é: o porto funciona melhor privatizado ou gerido pelo Estado? Eu penso que o melhor é que continue nas mãos do setor público. Mas, sabendo que o Estado é deficiente na área gerencial, cabe a nós, empresários, dar contribuições para corrigir essas falhas.
DINHEIRO ? Mas e os transgênicos?
LOURES ? A Fiep não se posicionou, uma vez que o assunto se refere ao agronegócio. Nós acompanhamos a posição da federação da agricultura, que foi contrária. Mas, do ponto de vista conceitual, eu diria que é cedo para saber. Há muita discussão no Exterior sobre esse tema e muitos países têm levantado restrições aos alimentos transgênicos.
DINHEIRO ? Como anda a indústria automobilística no Paraná?
LOURES ? Como em todo o País, ela sofre com a questão do câmbio. Mas, do ponto de vista relativo, ela vai bem. Está em curso uma transferência de produção da fábrica da Volkswagen de São Bernardo do Campo, em São Paulo, para a de São José dos Pinhais, no Paraná. Lá, os custos são menores e a produtividade é boa.
DINHEIRO ? O Brasil poderá competir com a China?
LOURES ? Sim, desde que nós mudemos nossa política econômica e nossa atitude em relação ao desenvolvimento. O Brasil não está estagnado. Ele está num plano inclinado, andando para trás. O que irá determinar o sucesso das nações é a capacidade de gerar inovação e conhecimento.
DINHEIRO ? E como estamos nesse campo?
LOURES ? Muito mal. As empresas investem pouco em pesquisa e desenvolvimento e falta articulação às várias agências do governo que atuam nessa área. O Brasil precisa sair desse estado de letargia. E rápido.