O economista carioca Ilan Goldfajn, 46 anos, tem uma trajetória acadêmica e profissional respeitável. Mestre em economia pela PUC do Rio de Janeiro e Ph.D. pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), ele trabalhou no Fundo Monetário Internacional, foi diretor de política monetária do Banco Central (BC) e, mais tarde, sócio da Gávea Investimentos ao lado de Armínio Fraga, seu chefe no BC. Atualmente, Goldfajn é responsável pela análise econômica do Itaú BBA, o maior banco de investimentos do Brasil. Seu trabalho é esquadrinhar diariamente os números econômicos brasileiros e internacionais para avaliar os riscos corridos pelos empresários e investidores. Em sua avaliação, o ano de 2015 será difícil. O principal risco para os investidores, a perda do grau de investimento pelo Brasil, parece estar afastado, mas há pouco espaço para ir além disso e avançar nas reformas necessárias para destravar a economia. Goldfajn conversou com DINHEIRO dias antes do Natal na sede do banco, na zona sul de São Paulo.

DINHEIRO – Vamos começar com a pergunta que está na cabeça de todos os investidores: qual é a probabilidade de o Brasil perder o grau de investimento em 2015?
ILAN GOLDFAJN – 
Acredito que seja uma probabilidade pequena. Ela caiu bastante, basicamente porque o governo indicou uma equipe econômica ortodoxa. A indicação do Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda mostra isso. Além da carreira acadêmica e da experiência de governo, ele tem uma excelente reputação, no mercado e junto às agências de classificação de risco. Em suas primeiras declarações, ele afirmou que vai entregar um superávit primário equivalente a 1,2% do Produto Interno Bruto, em 2015, e de 2% em 2016, e o mercado deve acreditar nisso. Ele tem credibilidade.

DINHEIRO – Uma dúvida na cabeça do mercado é se a presidenta Dilma Rousseff vai dar a Levy a autonomia necessária para fazer os ajustes. Qual é a sua avaliação? 
GOLDFAJN – 
Tenho a impressão que sim. Com Levy na Fazenda, Nelson Barbosa no Ministério do Planejamento e Alexandre Tombini no BC, o governo montou uma equipe que tem tanto a capacidade técnica e política quanto a convicção de que é necessário fazer um ajuste fiscal. Isso não é uma coincidência, não se dá por acaso: eu acho que o governo tem a percepção de que o cenário de perda do grau de investimento é muito ruim. O governo poderia ter escolhido uma pessoa menos afinada com o ajuste e mais afinada com tudo isso que está aí. Ao não fazer isso, o governo indica que pelo menos essa consequência foi entendida. Mas nós temos de estar conscientes dos limites à atuação da nova equipe.

DINHEIRO – Quais são esses limites?
GOLDFAJN – 
A equipe terá a capacidade de tomar as medidas necessárias na política monetária e na política fiscal, mas essa atuação será limitada. Ela vai conseguir fazer isso, mas não muito mais do que isso. Eu chamo esse cenário de cenário de ajustes mínimos. Você faz o mínimo necessário na área fiscal para evitar a perda do rating, mas não vai além disso, porque não tem nem as condições nem a convicção do governo para isso.

DINHEIRO – Quais são suas expectativas para a área fiscal?
GOLDFAJN –
 Embora venhamos a conhecer as medidas só após a posse dos ministros, alguns detalhes da reforma já estão se delineando, como o retorno do IPI dos automóveis para 7%, o fim da desoneração na linha branca, eventualmente um retorno da Cide sobre os combustíveis. Também estão se desenhando alguns cortes de gastos que, com o aumento de impostos, deverão levar o superávit primário a 1% do PIB. Mas haverá pontos de conflito. Por exemplo, é bastante provável que o Levy tenha a autonomia para indicar os secretários no Ministério. Já o comando do BNDES e dos bancos públicos ainda deve seguir sob indicações da presidenta. Esses bancos devem continuar como instrumentos de política econômica, e essa política tende a ser expansionista.

DINHEIRO – Aí há um ponto de conflito em potencial.
GOLDFAJN – 
Com certeza, haverá conflito entre os bancos pedindo mais dinheiro para continuar fazendo suas políticas e o Ministério cortando gastos para fazer o ajuste fiscal. Acho que o Ministério vai ter a autonomia suficiente para reduzir os aportes, mas essa redução não será resolvida tranquilamente. Esse é um cenário bastante provável. A equipe econômica poderá fazer os ajustes na área fiscal, mas outras reformas, igualmente necessárias, devem continuar fora da sua alçada, como a tributária. Pensemos na legislação tributária estadual. Se cada Estado tem sua alíquota e opera com regras distintas, as empresas precisam ter um exército de advogados e contadores. Isso pode fazer sentido do ponto de vista individual da empresa, que busca melhorar suas margens de lucro, mas, em termos nacionais é um desperdício gigantesco. O problema é que essas reformas não são muito visíveis e, provavelmente, o Ministério terá pouca influência sobre elas.

DINHEIRO – E em relação ao cenário macroeconômico, qual é o seu prognóstico para a inflação?
GOLDFAJN – 
A inflação está alta, e ainda vai demorar para cair, devido principalmente a dois vetores. Um deles é o dólar. A taxa de câmbio avançou de R$ 2,20, em abril, para perto de R$ 2,70, no fim do ano, o que representa uma alta de mais de 22%, e não vai recuar no curto prazo. Esse aumento de preços de produtos importados e de produtos nacionais precificados em dólar será repassado para a economia. O repasse pode não ser feito de uma só vez, pode acontecer gradualmente ao longo do ano, mas virá. Outro ponto é a correção dos preços de serviços regulados pelo governo. O dos combustíveis, com a volta da Cide, o da eletricidade, as tarifas de transporte coletivo nas grandes cidades. Não há milagre, os preços estão represados e será preciso reajustá-los. E isso pressiona a inflação.

DINHEIRO – Há um risco de a inflação superar consistentemente o teto da meta?
GOLDFAJN –
 Não, porque a inflação de serviços está recuando um pouco. Os preços dos serviços, desde o trabalho dos encanadores até os cortes de cabelo, que vinham subindo ao redor de 9% ao ano no período recente, agora estão sendo reajustados mais devagar, ao redor de 8% ou mesmo 7% ao ano, devido ao próprio desaquecimento da economia. Se as cotações das commodities, que já estão caindo, mantiverem essa trajetória de queda, isso será mais um ponto a favor de uma inflação dentro da meta. Ainda não no centro dela, mas pelo menos dentro dos seus limites.

DINHEIRO – Como explicar essa valorização do dólar e a queda nas cotações das commodities, que são denominadas em dólar?
GOLDFAJN –
 Esse movimento do câmbio ocorre devido a um ajuste entre as grandes economias mundiais. De um lado, nós temos a China desacelerando seu crescimento e a Europa ainda patinando. Do outro, a economia americana vai bem, obrigado. O crescimento dos Estados Unidos atrai capitais de outros países em busca de oportunidades de investimento, e isso eleva a demanda por dólares. Todas as taxas de câmbio, especialmente dos países emergentes, perderam valor em relação ao dólar nos últimos meses, e o Brasil não foi uma exceção. E isso deve continuar, a moeda americana vai continuar se fortalecendo porque a economia dos Estados Unidos deverá continuar crescendo mais do que as dos demais países, inclusive os países emergentes. Esse movimento vai puxar a depreciação do câmbio no Brasil e nos outros países também.

DINHEIRO – O crescimento econômico americano, mesmo isolado, é capaz de beneficiar o Brasil?
GOLDFAJN –
 Sem dúvida. O crescimento dos Estados Unidos está de vento em popa, mesmo sem exibir aquela exuberância irracional de há alguns anos. As coisas vão indo de maneira equilibrada, todos os meses a economia americana cria mais empregos, o desemprego cai lentamente mês a mês. Isso é uma boa notícia para o mundo, o motor econômico americano é potente e já revelou ser capaz de puxar o resto da economia mundial através de suas importações, especialmente da China. A China, por sua vez, importa produtos básicos do restante do mundo, e é assim que a economia brasileira vai voltar a crescer. Infeliz­mente, não será algo que veremos em 2015. Esse processo será lento, pois primeiro é preciso recuperar o crescimento chinês para que só então esse aquecimento chegue ao Brasil. Há uma defasagem até essa recuperação ser notada por aqui.

DINHEIRO – E as commodities?
GOLDFAJN – 
Ainda haverá muita volatilidade, porque o mercado é o mercado e há muita especulação com os preços. As cotações estão caindo, e a princípio nada indica que elas vão se estabilizar por aqui. No entanto, ainda há uma grande demanda por commodities no mundo. A China cresce menos, mas cresce. A Índia é um mercado enorme e ainda há muita gente que deverá migrar do campo para as cidades, o que também deve elevar a demanda. Acho que aquele ciclo longo de alta de preços, o chamado superciclo, ainda não acabou.

DINHEIRO – Sua avaliação parece ser bastante positiva. Quais riscos o sr. está vendo para 2015?
GOLDFAJN – 
O principal risco é o racionamento de energia, que é uma possibilidade concreta se as chuvas não forem suficientes. Se chover, tudo bem. Se não chover, pela nossa conta, os racionamentos de água e de energia deverão custar um crescimento de 0,5 ponto percentual na economia, o que é um número significativo. Não é algo desprezível. Outro risco é o de os investimentos não voltarem. O investimento das empresas, a chamada Formação Bruta de Capital Fixo, recuou cerca de 8% em 2014, em relação a 2013. Temos de ver se isso volta a crescer, quando e quanto volta. Se apenas parar de cair, isso representa um crescimento de 1% a 1,5% na economia.

DINHEIRO – Dado o perfil do Itaú BBA, o sr. tem uma interlocução frequente com os empresários. Qual é a dificuldade para a volta dos investimentos?
GOLDFAJN –
 Não está fácil ganhar a confiança dos empresários. Você tem questões no âmbito político que estão envolvendo os corações e as mentes. Notícias como a não publicação do balanço da Petrobras assustam. Não é uma situação fácil e vai demorar para a confiança ser restabelecida.