13/04/2012 - 6:00
DINHEIRO ? O Brasil é hoje o quarto maior mercado mundial de automóveis e deve se tornar o terceiro até 2016. Como o sr. vê esse movimento?
FREDÉRIC BANZET ? O Brasil é um dos lugares do planeta onde o mercado mais cresce, ao lado de outros emergentes como China, Índia e Rússia. Já a Europa deve crescer a níveis muito baixos nos próximos anos. Somado a isso, também é mais interessante produzir os veículos nos próprios mercados compradores, porque é muito caro transportá-los através do oceano. Assim, a tendência é de que as fábricas migrem cada vez mais para os mercados emergentes. Além disso, o fato de conseguirmos desenvolver projetos de automóveis que são adequados tanto para o mercado europeu quanto para o chinês, por exemplo, reforça essa flexibilidade e amortiza os custos.
DINHEIRO ? Essa movimentação não acaba prejudicando os países europeus, como a própria França?
BANZET ? Não acho que essa tendência seja prejudicial. O grande problema da Europa não é que os emergentes crescem muito, é que ela própria cresce pouco. Existe hoje capacidade instalada para a produção de 18 milhões de carros por ano no continente, mas as vendas estão em 15 milhões e devem cair ainda mais.
DINHEIRO ? Quando o mercado mundial deverá voltar a mostrar sinais de uma reação mais consistente?
BANZET ? É muito difícil avaliar isso. Há um laço muito estreito entre a evolução do mercado e o crescimento das economias. E pelo menos para os próximos cinco anos não estamos vendo projeções animadoras, especialmente para os países situados no sul da Europa, como Espanha, Portugal e Grécia. Itália e França ainda não têm uma tendência definida. Há muitas incertezas em relação ao ritmo de retomada. Por enquanto, ainda estamos no fundo do poço.
DINHEIRO ? Neste cenário de crise, qual a estratégia por trás da aliança entre a PSA e a General Motors?
BANZET ? O acordo tem duas vertentes. Uma é técnica, baseada na criação de uma plataforma básica comum para a produção dos dois grupos, gerando um grande aumento de escala. O primeiro carro fabricado a partir dessa plataforma vai chegar ao mercado em 2016. O desafio é reproduzir com a GM o compartilhamento que já mantemos entre Citroën e Peugeot. O Citroën C4 e o Peugeot 308, por exemplo, têm origem em uma plataforma mecânica similar, mas são produtos finais bem diferentes. A segunda vertente é o compartilhamento de compras, ou seja, ambas as empresa vão adquirir materiais, matérias-primas e peças em conjunto. Seremos a maior compradora da indústria automobilística mundial.
DINHEIRO ? A Citroën e a Peugeot são concorrentes diretas no Brasil. Elas não roubam mercado uma da outra?
BANZET ? Toda a estratégia do grupo PSA se baseia em compartilhar o máximo de elementos, de fábricas a métodos comerciais. O que é separado são nossas redes de distribuição e vendas. Com isso, tentamos deixar explícito para o consumidor o DNA de nossas marcas. A Peugeot, mais esportiva; a Citroën, mais luxuosa. Com o posicionamento diferente, temos
clientelas distintas.
Operário trabalha na montagem de automóvel na cidade de Qingdao, na China.
DINHEIRO ? Os carros franceses não tinham uma boa imagem no Brasil há alguns anos. O design era visto como ultrapassado, a desvalorização era alta e a assistência técnica, sofrível. Como reverter essa situação?
BANZET ? Muitas vezes, os lançamentos no Brasil eram muito defasados em relação aos modelos vendidos na Europa. Mas isso mudou. A melhor prova é o aumento da venda dos carros franceses no Brasil. Juntando todas as marcas, temos 11% do mercado. Trabalhamos muito a questão da qualidade e durabilidade dos nossos carros. Nossas pesquisas mostram que estamos no mesmo nível de satisfação do cliente das marcas alemãs, por exemplo. O desenvolvimento da rede de concessionárias também ajudou a acabar com a demora na chegada das peças e na manutenção dos carros.
DINHEIRO ? Como competir com a chegada dos carros chineses, de baixo custo, ao mercado brasileiro?
BANZET ? As montadoras chinesas têm uma vantagem comparativa em custo. Então, nós, na Europa, precisamos encontrar uma resposta a esse problema. Uma possibilidade é o aumento da gama de produtos. Por exemplo, nossa nova linha DS atende a uma faixa de médio custo, mas traz um grau de sofisticação que poucos conseguem alcançar: conforto, segurança, tecnologia e bem-estar dentro do carro. Essa deve ser a resposta dos europeus.
DINHEIRO ? Alguns analistas dizem que os chineses vão dominar o segmento de carros de entrada, os mais baratos. O sr. concorda?
BANZET ? As exigências governamentais de equipamentos ainda não são tão elevadas no Brasil quanto em outros países, o que o torna um alvo ideal para as chinesas, que têm processos de fabricação e qualidade menos sofisticados. Isso tende a mudar ao longo do tempo porque a regulamentação brasileira deve aumentar seus níveis de exigência, especialmente no que tange à segurança e às emissões de gases.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a elevação do IPI para automóveis importados?
BANZET ? Entendo perfeitamente que haja uma vontade do governo em defender a economia e a indústria do País. Mas medidas como essa podem levar a uma alteração profunda do mercado. As coisas podem ficar complicadas, se não houver clareza sobre o ambiente em que devemos trabalhar. Seria muito ruim se a decisão de fabricar ou não um carro no Brasil, por exemplo, passasse a depender da influência de medidas desse tipo, em vez da situação do mercado. Afinal, é mais fácil investir quando há uma transparência maior nas regras. Além disso, é um grande desperdício uma taxa que impeça o acesso do consumidor brasileiro a uma série de produtos de alta tecnologia.
Frentista se prepara para abastecer em São Paulo.
DINHEIRO ? No passado, o mercado brasileiro se tornou tão fechado que aos carros nacionais foram chamados de carroças pelo ex-presidente Fernando Collor. Isso pode acontecer de novo?
BANZET ? Acho que não. Temos em vigor hoje no Brasil um mercado clássico, definido pela renda do consumidor. Durante muito tempo, houve mesmo muita diferença entre mercados maduros e aqueles dos países em desenvolvimento. Mas o aumento da renda e a melhora da distribuição também ajudaram a mudar esse quadro. Hoje já é possível fazer com que modelos projetados para os EUA e a Europa entrem normalmente no Brasil. O que resta é adaptar os motores para que eles também funcionem com o etanol. Portanto, dificilmente voltaremos ao tempo das carroças.
DINHEIRO ? Para o futuro, uma das principais apostas das montadoras é o carro elétrico. Qual é o potencial real desse tipo de automóvel?
BANZET ? Na Europa, esse mercado está se desenvolvendo de modo mais lento do que nós gostaríamos. Nossos estudos mostram que o carro elétrico deverá ser voltado unicamente para o uso urbano. Além disso, seu custo de utilização ainda é relativamente caro. Assim, pelo menos 80% do mercado será dominado pelos modelos com combustíveis fósseis. Isso torna urgente desenvolver soluções que permitam a esses carros respeitar mais o meio ambiente.
DINHEIRO ? Qual a importância do etanol nesse panorama?
BANZET ? A expansão do etanol ainda depende fundamentalmente de sua relação com o preço da gasolina. Quanto ela está cara, as pessoas correm para o etanol, mas voltam para ela quando o preço baixa. Para piorar, também existe a questão da distribuição. Na Europa, por exemplo, o único país com capacidade satisfatória de receber etanol e distribuí-lo para os postos é a Suécia. A União Europeia tentou ampliar o uso da mistura do etanol na gasolina, mas não funcionou por causa de problemas na distribuição.
DINHEIRO ? Como será o carro do futuro? O que vai mudar em relação aos modelos atuais?
BANZET ? O respeito ao meio ambiente é um fator que vai pautar cada vez mais a indústria. Os compromissos em reduzir as emissões de gás carbônico estão cada vez maiores. Isso vai afetar os materiais que são utilizados para fabricar os carros. Quanto mais leve, menos gás ele emite. Também vai afetar a engenharia, buscando reduzir o atrito das rodas e dos componentes móveis do motor, além de tentar tornar a aerodinâmica mais eficiente. Os modelos devem se tornar cada vez mais compactos, mas ao mesmo tempo oferecer mais qualidade. E tudo isso deverá ser feito sem ampliar o preço final dos carros. Não é uma tarefa simples.