Não faltam apostos para descrever o italiano Lapo Elkann: milionário, empresário, colecionador de carros, modelo da Gucci, solteiro cobiçado e um dos herdeiros do Grupo Fiat. Tem mais: ele é filho da condessa italiana Margherita de Pahlen e neto do lendário Gianni Agnelli, o maior empresário italiano do pós-guerra, morto em 2003. Juntas, as empresas comandadas pelo seu avô, entre elas a Fiat, a Ferrari e o time de futebol Juventus, de Turim, formam um império que faturou mais de US$ 80 bilhões em 2013. A sofisticada apresentação de Lapo, 37 anos, contrasta com seu estilo acessível e empreendedor.

Apesar do visual extravagante – como manda o figurino italiano –, o empresário é extremamente cordial e desapegado de suas origens nobres quando se trata de conduzir seus negócios. “Estou feliz por estar aqui”, disse à DINHEIRO o empresário. Lapo – ele prefere ser chamado pelo primeiro nome – desembarcou em São Paulo, na primeira semana de novembro, para inaugurar o escritório local da sua grife, a Italia Independent, criada em 2007 e que faturou € 25 milhões no ano passado. Lapo estava com uma bota ortopédica e uma cinta cervical devido a um acidente de moto que sofreu há dois meses, mas não se mostrou incomodado com uma entrevista de quase uma hora, antes de embarcar rumo a Londres.

“Tenho uma história de vida bastante agitada”, diz, em inglês, com um leve sotaque italiano. “Passei as últimas semanas viajando para firmar parcerias e promover minha marca.” O empresário nasceu cosmopolita. Em sua infância, morou em Londres, Paris e no Rio de Janeiro – razão pela qual é um poliglota e arranha um português. Em 2001, tornou-se assessor de Henry Kissinger, o homem que à frente do Departamento de Estado costurou o acordo de cessar-fogo entre os Estados Unidos e o Vietnã, nos anos de 1970. Em 2003, Lapo tornou-se diretor de marcas do Grupo Fiat.

“Nessa época, meu avô, Gianni, estava doente, com câncer”, diz. Naquele posto, coordenou campanhas importantes, como a reinvenção dos clássicos Punto e 500. Lapo não gosta de falar sobre as razões de sua saída da Fiat. Segundo ele, estava na hora de mudar. “Estava passando por um momento difícil na carreira”, diz. Questionado sobre o que se seriam essas dificuldades, ele desconversa. “Não gosto de falar de problemas, porque, uma vez que você resolve um, sempre aparece outro.” Dono de uma personalidade cativante e expansiva, Lapo, um típico metrossexual de cabelo e roupas impecáveis, teria de tudo para ser um bom diretor de comunicação do grupo familiar.

Conta-se que Agnelli não poupava elogios ao neto em relação ao seu cargo na Fiat. No entanto, o próprio avô não via muitas perspectivas de crescimento – o todo-poderoso da Fiat não cogitava promover Lapo a CEO do grupo, por exemplo, em grande parte por causa das confusões em que o neto se metia. Foi por isso que, muitas vezes, o empresário ocupou capas de jornais e revistas de fofocas. Certa vez, há oito anos, quase morreu de overdose no apartamento de um amigo. A época das polêmicas em que se envolvia, no entanto, ficou para trás. “Agora estou trabalhando duro na Italia Independent”, diz.

Segundo ele, a comprovação desse empenho está nos números da empresa, que tem crescido na casa dos 30% nos últimos dois anos e deve fechar 2014 com receitas próximas a € 32 milhões, nada mal para um negócio que começou em 2007, a partir de uma ideia rabiscada no papel por Lapo e seu melhor amigo, Andrea Tessitore – que ainda o acompanha em viagens pelo mundo, junto com seu outro parceiro, Giovanni Accongiagioco. “Desde aquele dia, nunca mais paramos de trabalhar”, diz Tessitore. A decisão de trazer sua grife ao País se justifica. O setor óptico brasileiro passou de um faturamento de R$ 8 bilhões, em 2006, para R$ 22 bilhões em 2013.

Para conquistar um lugar ao sol no concorrido mercado brasileiro, a grife aposta na propaganda espontânea gerada por celebridades como Rihanna, Elton John, Milla Jovovich, Anne Hathaway e até pelo craque Neymar. A vinda de Lapo e seus sócios ao Brasil marcou o início das vendas de seus óculos no País. “Não tinha como não estarmos no Brasil. Trata-se de um dos cinco maiores mercados de produtos ópticos do mundo”, diz Accongiagioco. A estratégia da marca, por aqui, foi de se associar a distribuidores locais e formar uma equipe de vendas exclusivas – razão pela qual uma quarta sócia entrou na jogada. A executiva brasileira Carla Adami, que tem experiência prévia no setor, vai comandar as operações nacionais da grife italiana.

“Eu gosto muito de trabalhar com Lapo porque ele valoriza muito seus funcionários”, diz. Para criar produtos fashion, Lapo se inspira em sua história – permeada pelas incontáveis viagens mundo afora e pelo conhecimento anterior do mundo dos automóveis. “Da época em que vivi aqui, durante seis anos, adquiri meu gosto pelas cores, pela energia e pela paixão de viver do brasileiro”, diz. “A indústria automobilística também é fonte de inspiração, pois dela tirei materiais inovadores para a fabricação de óculos, como fibra de carbono.” O slogan estampado nas paredes da loja-conceito da Italia Independent, em Milão, diz “ser independente é escrever todo dia sua própria história”, em italiano. Lapo, a cada dia, parece escrever um capítulo novo da sua “storia” num ritmo frenético. “Meu maior defeito é sempre querer mais.”

—-

O herdeiro da Fiat não está sozinho

O mercado brasileiro seduziu também a Safilo, segunda maior fabricante de óculos do mundo e dona de marcas como Dior e Gucci

Por Fabrício Bernardes

No mês retrasado, a Safilo, segunda maior fabricante de óculos do mundo, realizou uma festa que movimentou a alta sociedade italiana. Às margens de um dos rios mais importantes de Veneza, o Grande Canal, a empresa italiana celebrou seus 80 anos no luxuoso Palazzo Venier dei Leoni, que abriga o museu de arte contemporânea Guggenheim. Na comemoração, os convidados – em sua maioria atores, pintores e designers famosos – puderam experimentar a coleção mais recente da grife, criada especialmente para a ocasião. Inspiradas nos excêntricos óculos que a colecionadora americana de arte Peggy Guggenheim usava, as peças têm o formato das asas de uma borboleta.

Algumas semanas após o evento, a CEO da Safilo, Luisa Delgado, desembarcou na capital paulista para definir planos de expansão no País. “O Brasil representa 65% do nosso faturamento na América Latina”, diz. A Safilo, que faturou € 1,17 bilhão em 2013 e espera crescer 6% no ano que vem, tem em seu eu portfólio marcas como Alexander McQueen, Dior, Gucci, Pierre Cardin, Polaroid, entre outras. Mas a que mais faz sucesso por aqui é a Carrera, grife originalmente austríaca, adquirida em 1996 pela Safilo. Conhecida por patrocinar eventos como Fórmula 1 e associar-se a designers conceituados como Jimmy Choo, a marca aposta no “luxo acessível”, como define Luisa.

“A Carrera é fashion e esportiva ao mesmo tempo”, diz a empresária. A companhia também pretende criar produtos exclusivos para o mercado local. “O Brasil tem muito apelo turístico e as marcas criadas aqui têm de tudo para se tornarem sucesso de vendas no exterior”, diz Luisa. A Bossa Nova, estilo musical que traduz muitas vezes a beleza natural das paisagens do País, é um forte candidato à inspiração de novos produtos para o portfólio da empresa. Um mercado que inspirou adaptações locais da Safilo é o asiático. Mas a razão de criar um design especial em seus produtos para os chineses e japoneses é anatômica.

“O rosto do asiático demanda óculos com hastes mais firmes e largas”, diz Luisa. Por isso, a empresa lançou produtos no estilo “asian fit” (ajuste asiático, em tradução livre). Esse tipo de coleção também é vendido no mercado brasileiro, onde a demanda é garantida pelas colônias de imigrantes do Oriente. Outra parte essencial do negócio da Safilo é o escoamento de suas mercadorias. Os produtos da grife, que está presente em 130 países, têm de viajar milhares de quilômetros para chegar aos seus mais de 80 mil distribuidores. Atualmente, a Safilo tem quatro fábricas – na Itália, na Eslovênia, na China e nos Estados Unidos.

Por isso, há um grande cuidado da empresa de disponibilizar suas diferentes marcas para cada loja apropriada. “A Safilo tem o desafio de gerenciar grifes muito diferentes entre si, como Alexander McQueen e Polaroid”, diz Amnon Armoni, professor da FAAP especializado em luxo. “Mas, considerando o crescimento da empresa nos últimos anos, a Safilo tem feito isso muito bem.” Há uma tendência, segundo o professor, de que as companhias nesse mercado concentrem marcas bastante diferentes entre si em seus portfólios. A Luxottica, líder do setor e principal concorrente da Safilo, por exemplo, licencia produtos com posicionamento premium, de luxo e de lifestyle, como Ray Ban, Vogue e Oakley, respectivamente.

Para se diferenciar da concorrência, a Safilo aposta na tradição da sua marca, que começou como uma pequena casa de criação de óculos em 1878, em Pieve Di Cadore, na Itália. Posteriormente, em 1934, o negócio foi adquirido pelo empresário americano Guglielmo Tabacchi, que o batizou de Safilo. “Somos os criadores de óculos mais antigos do mundo, ainda em funcionamento”, diz a CEO Luisa. Muitos dos processos de produção na empresa ainda são artesanais. “Adicionamos tecnologia à tradição no nosso know-how”, afirma.