21/12/2005 - 8:00
Marcos Pontes, de 43 anos, o primeiro astronauta brasileiro: “Temos que aproveitar os frutos dessa viagem para a projeção das nossas empresas no cenário internacional”
O armário ainda está lá. Intacto, preservado como relíquia de museu, é o símbolo de uma das batalhas centrais travadas entre a União Soviética e os Estados Unidos nos duros tempos da Guerra Fria: a corrida espacial. No nicho, instalado no Centro de Treinamento da Roskosmos, a Agência Espacial Russa, nos arredores de Moscou, Yuri Gagarin, o primeiro homem a alcançar o espaço, em 12 de abril de 1961, guardava os seus pertences. Os objetos pessoais do cosmonauta que descobriu a cor da Terra continuam ali, cultuados como um altar.
Viagem: Pontes, entre Lula e Putin, embarcará em 22 de março de 2006 e ficará 10 dias na Soyuz
A poucos metros de distância, um outro armário passa despercebido pelos russos, mas representa um marco na história do Brasil. É o local onde o tenente-coronel paulista Marcos Pontes, de 43 anos, o primeiro astronauta brasileiro, guarda as esperanças do País, principalmente da indústria aeroespacial. ?Levarei a bandeira nacional ao espaço?, disse Pontes à DINHEIRO. ?Temos
que aproveitar os frutos dessa viagem para a projeção de nossas empresas no cenário internacional?. O que está em jogo é um
mercado que, só em lançamentos de
satélites, representará US$ 10 bilhões nos próximos oito anos.
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A viagem ao espaço está marcada para o dia 22 de março de 2006 e foi batizada pela Agência Espacial Brasileira de ?Missão Centenário?, numa referência aos 100 anos do vôo de Santos Dumont a bordo do 14-Bis, em 1906. Pontes ficará 10 dias em órbita. Para levá-lo ao espaço na nave Soyuz, os russos cobraram US$ 10 milhões e assinaram um acordo de cooperação com o governo brasileiro. A empreitada fará de Pontes uma espécie de garoto-propaganda da indústria aeroespacial. ?Ganharemos visibilidade no mercado internacional?, diz Sérgio Gaudenzi, presidente da Agência Espacial Brasileira, a AEB. Além disso, a viagem servirá como laboratório para universidades e empresas. Pontes levará 15 kg de experimentos até a Estação Espacial Internacional, consórcio científico multinacional. Estudará, em um ambiente de microgravidade, óleos lubrificantes, nanotecnologia, biologia e outras áreas, em um impulso magnífico para a economia do País. A lista de experimentos será divulgada, na próxima terça-feira, 20. Há uma grande expectativa sobre quais serão os projetos escolhidos, mas acredita-se que empresas como Petrobras e Embraer estejam entre as credenciadas. A evolução tecnológica mostra que a corrida ao espaço trouxe vários benefícios à humanidade e, diga-se de passagem, bilhões de dólares para os países que investiram no setor. Materiais como velcro, teflon, forno de microondas, sistemas de telemetria, telecomunicações e medicamentos surgiram das pesquisas espaciais e hoje são usados na Terra (leia quadro à pág. 75). ?Cada dólar investido em um programa espacial retorna multiplicado por quinze?, diz o coronel Wander Almodovar Golsetto, diretor do Instituto de Aeronáutica e Espaço.
John Glenn: O senador e ex-cosmonauta é o ídolo de Pontes
Os investimentos no Programa Espacial do Brasil, porém, quase minguaram. Em 1997, quando foi anunciada a ida do primeiro astronauta brasileiro ao espaço, a verba da AEB não chegava a US$ 30 milhões. No ano seguinte, quando o País divulgou que participaria da construção da Estação Espacial Internacional, ela subiu para US$ 130 milhões. Mas, em 1999, o dinheiro caiu para US$ 10 milhões. ?Quase encerramos o projeto?, diz Gaudenzi, da AEB. Desde o ano passado, a verba passou para US$ 100 milhões. Vale ressaltar, para uma breve comparação, que a verba da NASA, em 2005, foi de US$ 16,5 bilhões, 165 vezes superior. Para 2006, a AEB espera conseguir US$ 200 milhões. Parte desse dinheiro será usado na reconstrução da Base de Alcântara, no Maranhão, que deverá consumir R$ 650 milhões em cinco anos.
Em 2003, o Veículo Lançador de Satélites, o VLS-1, explodiu causando a morte de 21 cientistas e engenheiros e atrasou os planos da AEB de ter a missão completa. Ou seja, um conjunto de lançador, satélite e centro de lançamento 100% nacionais. Isso faria o Brasil entrar no seleto grupo de 12 países que dominam essa tecnologia. Com uma vantagem: Alcântara tem uma localização geográfica privilegiada. Ela está na altura da linha do Equador. O diferencial é que a velocidade de rotação da Terra nessa região auxilia o impulso dos lançadores e favorece a economia do combustível usado nos foguetes. Alcântara também tem baixa densidade demográfica e é cercada pelo mar, o que reduz os riscos de acidentes e diminui o preço do seguro. Desse modo, cada lançamento custaria US$ 28 milhões, 30% a menos que o preço internacional. Estima-se que o Brasil possa faturar US$ 200 milhões ao ano com esse negócio.
Milhões 10 US$ foi o valor pago pelo governo brasileiro para Pontes viajar na Soyuz (foto)
Na outra ponta, a AEB coordena junto às empresas do setor o fornecimento de peças para a Estação Espacial Internacional. O projeto prevê a doação de equipamentos no valor de US$ 8 milhões. A quantia chega a ser ínfima perto dos US$ 95 bilhões que serão investidos na estação. A entrada do País nesse projeto é, na verdade, outra tacada de marketing. ?A indústria nacional será carimbada com o aval da NASA e da Agência Espacial Européia?, diz Gaudenzi. E isso é crucial para o País. Um estudo preparado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, a OCDE, mostra que o setor aeroespacial é o que agrega o maior valor tecnológico e, consequentemente, traz mais divisas às nações detentoras do conhecimento. Enquanto o quilo de grãos exportados vale, em média, US$ 0,30, o quilo de um satélite tem um valor de US$ 50 mil. ?A viagem de Pontes abrirá o mercado para o País?, diz Walter Bartels, presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil. Diante de tanta responsabilidade, Pontes mostra controle e humildade. ?Continuarei a ser o que sempre fui?, diz o astronauta. ?Brasileiro, bauruense e filho de Vergílio e Zuleika Navarro Pontes?. Esqueceu-se, por modéstia, de dizer que se tornará herói em um País habituado a cultuar apenas jogadores de futebol.
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O programa nacional A verba da Agência Espacial Brasileira deverá dobrar em 2006. Isso prova a importância estratégica do projeto |
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2005: US$ 100 milhões |
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2006: R$ 200 milhões* |
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