A guerra civil na Síria já matou mais de 250 mil pessoas desde março de 2011. Os conflitos desabrigaram 11 milhões de sírios e o número de refugiados saltou de 10 mil, há quatro anos, para 4 milhões atualmente. Este é o mais importante embate militar em curso, com envolvimento das maiores potências militares do planeta, como Estados Unidos e Rússia. O Brasil, ao menos em se tratando de ações concretas do Itamaraty, não se mostra interessado em escolher lados. Parcerias comerciais na área militar, no entanto, estão jogando o País para o centro do combate.

Contratos recentes firmados por empresas brasileiras com russos, americanos e libaneses estão levando aviões, radares e tanques de guerra made in Brazil para o front. Até mesmo em lados opostos, dependendo de como a guerra evoluir. Se tudo correr como planejado, a Mectron, fabricante de radares e sistemas para mísseis de São José dos Campos (SP), deve equipar os caças YAK-130, fabricados pela russa Rostec, com o radar SCP-01. A Rússia tem um contrato firmado com a Síria para o fornecimento de 36 jatos YAK-130, de ataque leve, para seu exército.

As primeiras unidades deveriam ter sido entregues este ano. Mas foram suspensas devido a um embargo instituído contra o governo do presidente sírio Bashar al-Assad. A conclusão do negócio com a Mectron depende da compra, pelo Brasil, de uma série de equipamentos russos, incluindo um sistema de vigilância para a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. As conversas estão adiantadas. Brasil e Rússia, país que recentemente enviou tropas para a Síria, vêm estreitando relações. Em setembro, o governo brasileiro concordou em instalar no País uma terceira base de monitoramento do sistema de satélite Glonass, alternativa russa ao americano GPS.

Empresas brasileiras ainda estão participando diretamente da renovação do exército libanês, considerado um dos mais fracos da região. Desde o ano passado, o Líbano enfrenta intensa atividade de grupos jihadistas, tanto da Al Qaeda quanto do Estado Islâmico, em sua fronteira com a Síria. A italiana Iveco fechou a venda de 80 veículos blindados aos libaneses, por € 30 milhões. Entre eles, 10 unidades do VBTP-MR, o Guarani, viatura blindada de transporte pessoal desenvolvida para o exército brasileiro e produzida na fábrica da companhia em Sete Lagoas (MG).

Já a Embraer, por meio de sua parceira americana Sierra Nevada, equipará a força aérea do Líbano com seu aclamado Super Tucano, avião turboélice de ataque leve e treinamento. A aeronave também está sendo vendida para o Afeganistão, via Estados Unidos. O valor dos contratos, em geral, é sigiloso. No caso da Embraer, a venda dos Super Tucanos para os EUA custou US$ 427 milhões, incluindo serviços. Procurada, a Iveco não se pronunciou. A venda de armamentos brasileiros a exércitos envolvidos no principal conflito armado do mundo acontece em um momento em que a política externa brasileira se mostra pouco eficiente.

“Não há erros nem negligência, mas há certo abandono, por parte do governo, das relações com o Oriente Médio”, afirma Jorge Morteam, professor de relações internacionais da faculdade FAAP. No início dos anos 2000, o Brasil intensificou as relações com a região. A balança comercial passou de cerca de US$ 2 bilhões, em 2002, para mais de US$ 10 bilhões, no ano passado. Nos últimos dois anos, no entanto, esse processo desacelerou. O comércio entre brasileiros e árabes ficou estável. Para Diego Coelho, professor da faculdade ESPM, é natural que o governo tenha se retirado um pouco das conversas.

“A pauta, agora, depende muito mais das empresas”, diz Coelho. “Estamos saindo do ciclo das commodities para entrar em um mais complexo, o de produtos industrializados.” O problema está no fato de que aliados do Brasil, apesar de lutarem contra um inimigo comum na região, o Estado Islâmico, têm divergências a respeito do futuro da Síria. A Rússia e o Irã apoiam al-Assad. Americanos e israelenses querem que o ditador seja deposto.

Há o risco de o conflito evoluir para uma guerra entre rebeldes sírios, apoiados por americanos e israelenses, e o exército de al-Assad, com suporte russo e iraniano. Nesse caso, armamentos brasileiros estariam dos dois lados. Isso, na verdade, não é uma novidade. Na Guerra do Golfo, em 1990, tanques da extinta Engesa foram usados pelas forças iraquianas de Saddam Hussein e também pelo Kuait. O Brasil foi um grande parceiro do Iraque nos anos 1970 e 1980, até seu rompimento com os Estados Unidos.