05/12/2007 - 8:00
“Não acredito que os EUA vão entrar em recessão. O FED vai reduzir muito os juros”O presidente do FED, Ben Bernanke
“Desde Armínio Fraga, o grau de acerto do Banco Central tem sido enorme” Armínio Fraga presidiu o BC de 1999 a 2003
DINHEIRO – Os mercados financeiros estão nervosos com a possibilidade de recessão nos EUA em 2008. É hora de o investidor botar as barbas de molho?
ALFREDO SETUBAL – Não. A economia mundial vai continuar crescendo. A China e a Índia vão continuar puxando o crescimento mundial. Não acredito que os EUA vão entrar em recessão. O FED (banco central) vai reduzir muito a taxa de juros. Mas a economia poderá entrar num período de baixo crescimento.
DINHEIRO – A América Latina vai sofrer com esse desaquecimento?
SETUBAL – Um pouco, mas não muito. A economia americana perdeu peso no cenário global. Nos últimos cinco anos, a economia mundial evoluiu ao ritmo de 5% ao ano, em média. Agora, vai crescer 3,5% a 4%. Ainda é uma taxa vigorosa. Nesse cenário, o preço das commodities não vai cair muito, o que é uma boa notícia para o Brasil e os outros países emergentes. E a taxa de juros vai cair mais no mundo inteiro. Pode chegar a 3% nos EUA, o que deve sustentar um pouco o crescimento por lá.
DINHEIRO – O risco político na América Latina não está ficando muito alto?
SETUBAL – Há dois, três países sob influência do Hugo Chávez. Enquanto o Brasil continuar com política de livre mercado, democracia e imprensa livre, terá muito mais influência nos outros países do que a Venezuela.
DINHEIRO – O sr. não vê um cenário de maior aversão ao risco em 2008? Algumas empresas brasileiras adiaram emissões de ações e papéis.
SETUBAL – O cenário para o Brasil é bom. A inflação está razoavelmente sob controle, na faixa dos 4,5% ao ano. O mais provável é a economia brasileira crescer em torno de 5% ao ano nos próximos anos. É abaixo da média dos emergentes, de 7% ao ano. Mas é suficiente para gerar um bom crescimento dos lucros das empresas. A bolsa brasileira não está muito cara. A relação preço/lucro (PL) projetada para 2008 está em torno de 12, em média. Nos países emergentes, é 14. E nos desenvolvidos, 16.
DINHEIRO – Isso quer dizer que a bolsa tem fôlego para subir mais em 2008?
SETUBAL – Não sei se vai subir. Mas tem fôlego para isso. Só pelo crescimento dos lucros das empresas, as ações têm potencial para crescer 15% a 20% em 2008. Se o risco-país cair para a faixa dos 150 pontos básicos, a bolsa pode crescer mais 30%.
DINHEIRO – Nos IPO’s, os estrangeiros têm ficado com 70% das ações. Aos brasileiros, sobra somente 30%. Por que isso acontece?
SETUBAL – A demanda por papéis de empresas brasileiras é grande no mercado internacional. E a maior parte das operações é liderada por bancos estrangeiros, que preferem vender lá fora, onde ganham mais.
DINHEIRO – Isso não deixa o investidor brasileiro vulnerável demais ao humor dos estrangeiros?
SETUBAL – Hoje, quem precifica as ações brasileiras são os mercados internacionais. A cotação da Vale do Rio Doce é dada pelos parâmetros do setor. Itaú e Bradesco têm preços melhores porque a economia está em expansão e o mercado de crédito está crescendo, mas as cotações não descolam muito das do Citibank e do HSBC. Se houver um boom na bolsa e ocorrer distorções de preços causadas pela demanda dos investidores locais, os estrangeiros vão vender. Se as ações caírem muito aqui, eles entram comprando.
DINHEIRO – Já não está havendo uma perigosa euforia local com a bolsa?
SETUBAL – O mercado está passando por um momento de euforia, sim. Mas a economia brasileira nunca esteve tão bem. O Brasil nunca esteve tão bem: crescimento econômico, inflação baixa, democracia funcionando e livre imprensa. A conjugação desses quatro fatores nunca ocorreu no Brasil. E o mundo crescendo a 5%. É uma situação diferente das euforias do passado.
DINHEIRO – Desta vez, o investidor está preparado para correr riscos?
SETUBAL – Sim, o investidor tem hoje um volume de informações muito maior. E o engraxate não está entrando na bolsa. A governança corporativa melhorou muito. O clima aventureiro do mercado de capitais ficou para trás. Há mais qualidade nas decisões. O processo de certificação que a Anbid tem promovido elevou muito o nível dos gerentes das instituições financeiras. Foram certificadas 120 mil pessoas. Elas estudaram, fizeram as provas e estão mais bem preparadas para atender o investidor. Os bancos criaram call centers. Vamos investir mais no site de educação financeira da Anbid. E estamos discutindo a certificação dos gestores de investimento e dos especialistas em investimentos.
DINHEIRO – A discussão sobre o terceiro mandato do presidente Lula não pode atrapalhar o cenário positivo para o Brasil?
SETUBAL – Algumas coisas podem atrapalhar: a discussão política, a CPMF. Se o Congresso não aprovar a CPMF, terá de haver aumento de impostos para compensar. O nível de despesas do governo está aumentando muito. São fatores de risco ainda sob controle. Há um certo grau de deterioração fiscal, mas as contas brasileiras ainda estão longe de ser um problema. Se a tendência de aumentar despesas continuar e a CPMF não for mantida, pode haver desequilíbrio fiscal.
DINHEIRO – Seria melhor manter a CPMF?
SETUBAL – A CPMF deveria ter uma lei definitiva. Mas isso não interessa ao Congresso, que a faz de quatro em quatro anos para poder negociar seus interesses regionais, pessoais, partidários. Em vez de aprovar a renovação por 20 anos, deveríamos reduzir a alíquota gradualmente todo ano. Não precisa acabar, deixa 0,1%, que é bom para a fiscalização. Hoje, o nível de retorno dos impostos para o cidadão é baixo. Tem algo errado: gasta-se muito e mal. Isso precisa mudar.
DINHEIRO – Como avalia a gestão do ministro Guido Mantega (Fazenda), mais focada no crescimento?
SETUBAL – O segundo mandato do presidente Fernando Henrique foi muito travado, monetarista. E o primeiro mandato do presidente Lula manteve essas políticas por causa das crises internas e externas. A estabilidade econômica está bastante consolidada. Ninguém mais fala que inflação gera crescimento. O Brasil pode e deve pensar em uma agenda de desenvolvimento. O problema é que esse desenvolvimento não está em processo estruturado. A economia está crescendo em cima do consumo, do aumento do crédito para as pessoas físicas. Não há um planejamento do setor privado, nem do setor público, sobre os setores que devem crescer. O Brasil ainda tem uma mentalidade de que todos os setores têm que ser viáveis. Não é verdade. Há alguns que não são competitivos e não vão sobreviver à competição chinesa. O governo está atuando mais taticamente do que estrategicamente. Não temos política industrial. Não tínhamos e continuamos sem.
DINHEIRO – O ministro Miguel Jorge (Desenvolvimento) não está desenvolvendo essa política industrial?
SETUBAL – Não vejo. Ainda tem uma mentalidade de salvar setores, dar benefícios aos que são prejudicados pelo câmbio. Não tem jeito. O problema do câmbio só vai piorar. Se os novos poços de petróleo forem tudo o que estão dizendo, o Brasil vai começar a exportar petróleo. Quem vai comprar os dólares que vão entrar? Não dá para salvar todo mundo. Se salvar um, prejudica o outro. É a vida, não tem jeito.
DINHEIRO – O dólar está despencando no Exterior e no Brasil. Vai continuar assim?
SETUBAL – Esses dois fenômenos vão continuar. O ajuste da economia americana vai demorar. Este ano, as exportações americanas vão crescer 18% e as importações, 5%. O déficit comercial vai reduzir, mas, até ficar pequeno, demora alguns anos. E o real vai continuar a se valorizar. Tem gente que fala em R$ 1 por dólar. Eu não acredito. Mas o fluxo de dólares para o Brasil é muito grande. Tem as exportações, as necessidades de investimentos das empresas, os investimentos que virão quando o País virar investment grade.
DINHEIRO – O Banco Central conduz bem a política cambial?
SETUBAL – Desde Armínio Fraga, o grau de acerto do Banco Central é enorme. Ele criou a política de câmbio flutuante, as metas de inflação. E o Henrique Meirelles tem sido muito bem-sucedido. Foi criticado por não ter reduzido mais rápido os juros. Mas a conjuntura atual mostra que ele acertou. Se tivesse baixado mais rápido, não sei se estaríamos na situação de hoje. Não houve explosão de crescimento. O crédito está aumentando em ritmo rápido, mas com um certo controle e sem crises de inadimplência. E há autonomia no BC. Existe um debate político em torno dos juros, mas não há interferência no Copom. O presidente Lula se manifesta, os ministros também. Mas o Copom é livre para resolver.
DINHEIRO – A consolidação do mercado bancário vai prosseguir?
SETUBAL – O mercado brasileiro ainda é menos concentrado que o mexicano, o argentino, o chileno. Aqui, a concentração vai continuar. Vários bancos médios abriram capital e podem juntar forças.
DINHEIRO – O Itaú perdeu a segunda posição do ranking privado para o Santander, que comprou o Real. Isso incomoda?
SETUBAL – Não. Não sei se o Itaú perdeu. Quando dois bancos se unem, um mais um não é igual a dois. Tem muita sobreposição, redução de crédito. Isso vai aparecer depois, se eles se juntarem. Se olharmos somente os ativos bancários, o Itaú é o maior banco do País. É maior que o Bradesco e maior que a soma do Santander e o Real. Estamos bem posicionados.
DINHEIRO – Se o governo quer forçar os bancos privados a reduzir tarifas e spreads, o BB e a Caixa não deveriam fazer isso antes?
SETUBAL – Sim. Mas, no fundo, eles precisam ser lucrativos, pois o orçamento do governo não permite grandes alocações de capital e eles vivem do reinvestimento dos lucros. Se fizerem uma política de crédito mais agressiva, os clientes ruins irão para lá. Nas tarifas é diferente, o risco é outro. Poderiam cobrar menos.