17/06/2009 - 7:00
DINHEIRO – O pessimismo do economista Nouriel Roubini perdeu força?
ZEINA LATIF – Perdeu força porque a economia começa a dar sinais de que atingiu o fundo do poço. O cenário Roubini era de um ano com quedas fortes do PIB, sem interrupção. O formato (gráfico) desenhado da economia era em L, ou seja, queda sem recuperação. As discussões agora são de W, U ou V. Nos EUA, o Fed trabalha com cenário em U, com expectativa de melhora no último trimestre. O mercado está indo para esse caminho. Ninguém está esperando arrancada, mas todos reconhecem que existem efeitos defasados.
DINHEIRO – O cenário atual é de euforia?
ZEINA – Parte da euforia foi descartar o cenário ruim. O primeiro aumento das ações foi mais forte e acelerado, por ter deixado de precificar uma recessão mais profunda. Os preços dos ativos ainda estão em patamares que não são elevados. Ainda existem pechinchas na bolsa. A tendência é um ritmo mais lento. O ajuste foi brusco e veloz. Mas tem um lado favorável nessa história: ajustes rápidos limpam a economia. O crédito estagnado no mundo forçou um ajuste muito rápido de empresas e consumidores. A velocidade da queda do consumo americano foi inédita. É assustador empresas pararem a produção para ajustar estoques e demitir rapidamente. Isso provoca medo de uma depressão. Mas agora enxergamos que ajustes desse tipo também têm seu lado positivo, porque a retomada pode ser mais rápida.
DINHEIRO – Já é possível dizer que as incertezas acabaram?
ZEINA – O caminho de melhora não é linear. Não dá para descartar uma realização de lucros em determinados momentos. Faço uma avaliação favorável para determinados mercados, talvez com um ritmo de melhora mais lento. Precificar o crescimento ainda é complicado, porque há os efeitos defasados do crédito. Com a tendência natural de volatilidade, não é um caminho suave. Acredito na tendência de melhora, o pior já passou. O cenário não é em W, ainda que não seja o caso de falarmos em uma retomada de crescimento tranquila.
DINHEIRO – O governo americano, o mais liberal do mundo, transformouse num grande estatizador?
ZEINA – Foi uma situação emergencial e não uma estratégia de longo prazo reavaliar o papel do Estado. Não tem essa profundidade. Pelo perfil político e pela história econômica dos Estados Unidos, eles vão ficar anos tentando limpar essa estatização – que é, claro, entre aspas. Assim que houver sinais de tranquilidade, essa vai ser uma prioridade. Hoje, o debate é sobre quanto se pode melhorar o lado regulatório para minimizar o risco das bolhas.
DINHEIRO – Onde está a próxima bolha?
ZEINA – De tempos em tempos, vamos ver uma bolha. Mas não consigo ver quem seria o candidato à próxima.
DINHEIRO – Ser uma economia relativamente fechada prejudica o Brasil?
ZEINA – Neste momento, foi importante para o Brasil ser mais fechado. As exportações representam 13% do PIB, o que ajudou a blindar o País. Porém, no longo prazo, ser uma economia mais fechada não é uma boa estratégia. Economias abertas ganham em produtividade. Elas têm acesso a tecnologias e insumos mais sofisticados. E, aparentemente, economias abertas terão potencial de crescimento maior.
DINHEIRO – Por que o País saiu bem da crise?
ZEINA – As questões estruturais fizeram uma diferença enorme. Nossa economia não é dependente da dinâmica americana, como a do México, o exemplo mais preocupante da América Latina. E não temos a desvantagem da economia asiática, que é aberta demais. A importância de ter um setor bancário e financeiro sólido ficou clara com o estrago no Leste Europeu. Nosso setor bancário é pouco alavancado. Estamos em um quadro recessivo, mas não dá para dizer que deve ser de recessão o ano todo. Temos colchões importantes.
DINHEIRO – Colchões podem ser traduzidos em crescimento?
ZEINA – Acredito em uma recuperação muito robusta do Brasil no segundo semestre. O mercado espera queda de 0,5% do PIB. Estou calculando um crescimento de 0,5% no ano. Isso significa uma aceleração muito forte daqui para a frente. Mas é importante não ficar preso a essa história de que estamos melhores que os outros países. Incomoda comparar nossa política fiscal com a do resto do mundo. Reduzimos a meta de superávit primário, os nossos gastos têm crescido. Hoje, ninguém está olhando para a questão fiscal do Brasil. E esse é o grande desafio: reduzir a carga tributária e melhorar a qualidade da nossa política fiscal.
DINHEIRO – Esse debate pode acontecer após o final dessa crise?
ZEINA – O meu receio dessa blindagem é a acomodação. Nossa política fiscal tem sido expansionista de baixa qualidade. Não é investimento públit
DINHEIRO – Teremos novamente um crescimento do tipo voo de galinha?
ZEINA – O voo de galinha era para um país com a macroeconomia frágil. Não acredito que o governo deixe de cumprir metas de superávit primário ou que haja problemas de solvência no setor público. Não acredito em volta preocupante da inflação. São páginas viradas no Brasil. Há manutenção da relação entre a dívida e o PIB neste momento e a tendência de longo prazo é de queda. O que precisa ser questionado é a qualidade da política fiscal e quanto o País precisa crescer.
DINHEIRO – Por que a taxa de investimento é baixa?
ZEINA – Não tenho dúvida de que é pela política fiscal. Não há mistério. Nosso Estado é inchado e gasta mal. Não tem grandes desafios pela frente. Acho curioso o debate que se faz com o câmbio abaixo de R$ 2, como se essa fosse a grande agenda do Brasil. E fica um debate enorme se o Banco Central pode cortar para 9% ou 8% a taxa Selic, como se esse fosse o segundo grande debate. Existem outros desafios mais importantes. Eu gostaria de ver a classe política e os empresários discutindo a redução da carga tributária, a melhora do gasto público, o investimento em infraestrutura. Fazer avanços no quadro regulatório. São fatores que podem acelerar o investimento privado. Vejo políticos e empresários ainda discutindo a Selic ou o câmbio como se fossem esses os motivos de o Brasil não crescer 7% ao ano de forma sustentável. Não é isso.
DINHEIRO – É um projeto que o presidente Lula deveria liderar?
ZEINA – Deve ser um esforço conjunto entre o governo, as elites e os empresários. Esse esforço mostraria o amadurecimento do País, que consegue dar esse salto. O Brasil conseguiu consolidar a macroeconomia. Esta é a grande contribuição do presidente Lula. O ex-presidente Fernando Henrique construiu e o Lula deu prosseguimento ao reforçar o Banco Central autônomo, que pode gerir a política econômica de forma adequada, acumular reservas, melhorar o perfil da dívida pública.
DINHEIRO – As reformas, seja a tributária, seja a fiscal ou previdenciária, ajudariam nesse crescimento?
ZEINA – O grau de distorção para alguns mercados é tão grande que pequenas medidas fazem diferença. Nem falo em ampla reforma tributária porque não combina com um país que tem eleição a cada dois anos, muito menos com nosso sistema político. A história mostra que o impacto foi importante nos momentos em que foram feitos pequenos ajustes. Resolvemos distorções, por exemplo, no mercado imobiliário. A reforma não foi tão ampla, mas foram colocadas garantias para os participantes. Mesmo que o movimento seja lento, é importante enfrentar essa agenda e parar de discutir câmbio e Selic.
DINHEIRO – A taxa básica de juros atrai mais capital estrangeiro?
ZEINA – Existem movimentos de arbitragem nos mercados, operações de curto prazo. Mas o diferencial de juros está longe de ser o principal motivo do fortalecimento da moeda brasileira. Ele tem a ver com o ciclo de commodities e com o grau de aversão a risco do mercado internacional. O diferencial de juros tem um papel secundário. Agora estamos vendo a apreciação do real, mas é porque o dólar está enfraquecendo. O real tem mais volatilidade que as demais moedas. É a liquidez da moeda. Quando vivia um processo de alta no câmbio, o Brasil estava apanhando mais que o resto do mundo. Agora que está apreciando, a valorização está mais acelerada também. Devolveu o exagero lá de trás.
DINHEIRO – O que o investidor estrangeiro vê no Brasil?
ZEINA – Os fundamentos sólidos. Quando a poeira abaixa, o investidor consegue discernir e diferenciar os países. Provavelmente, o Brasil vai crescer mais que o restante do mundo, vai se recuperar mais rapidamente. A política fiscal poderia ser melhor, mas não traz problemas no momento. As metas do governo são elogiadas e a questão regulatória serviu de exemplo global, inclusive para o Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, aparecer como figura importante na discussão de um novo desenho de regras do mundo. A eleição presidencial em 2010 não deve afugentar o investidor.
DINHEIRO – Nem a discussão sobre o terceiro mandato?
ZEINA – Acho que não é nem um desejo do Lula. Não acho que vai acontecer. No limite, há um descolamento razoável entre a política e os mercados. Em 2002, a eleição contaminou a economia e os investimentos porque a macroeconomia não estava garantida. Era o medo do retrocesso. Hoje, essa questão está resolvida. A sociedade valoriza inflação baixa e política econômica responsável.
DINHEIRO – A CPI da Petrobras afasta o investidor estrangeiro?
ZEINA – A CPI vai chatear um pouquinho, mas não a ponto de atrapalhar a rentabilidade da Petrobras. Não deve ser motivo de preocupação para o investidor.