25/11/2009 - 8:00
DINHEIRO – O que a experiência da Natura agrega ao Iedi?
PEDRO PASSOS – O Brasil precisa criar marcas globais. Sempre defendemos a ideia de que as empresas brasileiras devem agregar valor às marcas. Nos últimos anos, o Brasil avançou muito. E as empresas, juntas, precisam tirar proveito desse momento. A Natura não precisa ensinar nada a ninguém. O importante é compartilhar informações e trazer uma visão diferente.
DINHEIRO – Qual é a visão?
PASSOS – As empresas devem aproveitar a boa imagem do Brasil no Exterior para colocar suas marcas em novos mercados. Precisam ousar, buscar parcerias, estabelecer múltiplas fontes de financiamento e assumir boas práticas sociais e ambientais.
DINHEIRO – O que muda no Iedi?
PASSOS – Embora tenha assumido agora a presidência do Iedi, eu já participo do instituto há muitos anos. Tenho profunda admiração pelo posicionamento da entidade, que apresenta uma visão ampla sobre diversos assuntos, com estudos técnicos de qualidade e uma grande vantagem em relação a outras entidades de classe. O Iedi não fala de interesses setoriais, e muito menos de interesses particulares.
DINHEIRO – Mas sempre esteve mais ligado a uma indústria pesada, abordando temas como juros e câmbio. Seu perfil é um pouco diferente, não?
PASSOS – O Iedi historicamente tem defendido os interesses do Brasil. A visão do Iedi nos últimos anos sobre o câmbio é que, no nível atual, ele desfavorece um certo desenvolvimento da indústria. Essa deve ser uma preocupação do País, não só da indústria.
DINHEIRO – O sr. enxerga o Brasil muito focado em commodities?
PASSOS – Não quero aqui satanizar o setor de commodities. É muito bom que o Brasil tenha recursos naturais. Mas precisamos pensar em que tipo de país nós queremos para o futuro. Aquele que exporta soja, petróleo, minério ou que exporta tecnologia, conhecimento e produtos de alto valor agregado? Os Estados Unidos também são grandes exportadores de commodities. Queremos ter mais empresas como Embraer. Se tivermos uma indústria forte e diversificada, teremos um país forte. Então, para proteger essa indústria relevante, existe, sim, uma preocupação que justifica as críticas ao câmbio.
DINHEIRO – Mas o real forte expande o mercado interno brasileiro e favorece empresas de bens de consumo, como a Natura.
PASSOS – A Natura vai melhor quando o Brasil vai bem. Alguns podem pensar que o câmbio atual é bom para o Brasil e o consumo interno. Mas não podemos defender uma situação circunstancial. Nós temos a consciência de que precisamos torcer por um Brasil melhor. Não olhar para a conjuntura de forma individualista. No fim, é a busca de equilíbrio.
DINHEIRO – Fora do tema cambial, quais são os grandes desafios?
PASSOS – Mudanças climáticas, economia de baixo carbono, sustentabilidade. Tornar as empresas brasileiras mais competitivas já é uma agenda do Iedi de muitos anos. Acho que o que se acrescenta agora é como se comportar num cenário de grandes mudanças. Isso não quer dizer que vamos ensinar. Vamos debater.
DINHEIRO – Em relação à economia, qual é sua visão? A crise acabou?
PASSOS – Os números mostram que o pior da crise já está superado. Os Estados Unidos começam a sinalizar uma reação. E os países emergentes, como o Brasil, voltaram a crescer. Só não pode haver excesso de euforia.
DINHEIRO – O sr. enxerga os emergentes liderando o consumo global?
PASSOS – Nossa experiência na Natura comprova a força do consumo das classes emergentes no Brasil. Não será diferente em outros países. Os estímulos para ampliar os mercados consumidores, sem dúvida, beneficiarão economias como as de Brasil, China e Índia. Isso dará mais sustentação ao crescimento mundial. Uma coisa é certa: o mundo trabalhar para suprir o consumo americano, isso não haverá mais. Não quero dizer que os Estados Unidos não têm força para se reinventar, mas vai ser um pouco diferente.
DINHEIRO – Diferente de que forma?
PASSOS – Aposto na hipótese de que os emergentes terão um papel mais relevante no consumo mundial. Temos uma agenda bastante positiva e, se fizermos as coisas certas, poderemos aproveitar uma grande oportunidade.
DINHEIRO – Qual é ela?
PASSOS – Se a gente fizer as coisas de forma responsável, há poucas chances de o Brasil dar errado. O País só precisa investir mais em pesquisa, inovação e tecnologia. O Brasil tem tudo para dar um salto de qualidade, indo além das commodities.
DINHEIRO – Como o sr. avalia a euforia em torno do pré-sal?
PASSOS – É importante e contribui para que o País tenha recursos para financiar o desenvolvimento. Mas não é a solução de todos os problemas. E quem fez um alerta importante foi o Delfim Netto, ao dizer que a era do petróleo não vai acabar por falta de petróleo. Há uma agenda global de inovação na área energética e o Brasil, que tem o etanol mais competitivo do mundo, deve se posicionar como um dos líderes. Eu acho que o Brasil não poderia abrir mão de trilhar esse caminho. O País tem energia de monte. Poderia suprir toda a América Latina. E é também um grande produtor de alimentos. Agora, o Delfim é brilhante na colocação que fez. Não podemos perder o bonde. Deveríamos estar investindo em inovação. Cadê as Embrapas da inovação? Minha área é cosmético, mas sei que o petróleo, no futuro, vai ser destinado a usos mais nobres.
DINHEIRO – E quais são os riscos que o sr. enxerga no horizonte?
PASSOS – O Brasil já saiu da crise e sentiu menos que os outros países. Mas me preocupa um acréscimo dos gastos do governo, e o Brasil não está abrindo espaço para investimento.
DINHEIRO – E como o sr. avalia o papel do BNDES? Ele tem selecionado vencedores?
PASSOS – Eu vejo o BNDES fazendo um trabalho abrangente. Vejo indústrias de todos os setores recorrendo ao banco e tendo acesso a crédito. Durante a crise, o banco desempenhou um papel relevante no apoio às empresas.
DINHEIRO – O governo irá tirar R$ 100 bilhões do Tesouro para emprestar ao banco no ano que vem. E pode emprestar ainda mais. Tem que ter limite?
PASSOS – As empresas não podem depender apenas do BNDES para financiamento de longo prazo. O banco deve ser apenas uma parte integrante das fontes de financiamento. É muito arriscado apostar todas as fichas nos recursos do BNDES e ignorar outros meios de geração de recursos, como o mercado de capitais, que também cresceu muito nos últimos anos. Não há respostas fáceis, mas criar um modelo de financiamento de longo prazo é vital. O Brasil tem um caminho promissor no mercado financeiro. Muitas empresas irão abrir capital para atrair novos recursos. É papel do Iedi ajudar nessas formulações.
DINHEIRO – Houve momentos, antes da crise, que o mercado de capitais financiava mais que o BNDES.
PASSOS – Mas imagine se a gente não tivesse o BNDES em períodos de escassez de crédito como o que a gente passou. Seria pior. Temos que equacionar os financiamentos de longo prazo. Além disso, setores que não eram tão organizados passaram a se organizar para ir ao mercado. Esse é um benefício do mercado de capitais que vai além da questão financeira. É um ganho intangível, na governança.
DINHEIRO – Recentemente, o governo taxou o ingresso de capital estrangeiro na Bovespa, aumentando o IOF. Como o sr. avalia a decisão?
PASSOS – A decisão do governo de olhar para a queda do dólar é correta. Porém, entendemos que o instrumento não pode ser eterno. É mais tratamento de sintoma do que da causa. A ferramenta escolhida foi ineficiente e gerou distorções.
DINHEIRO – Qual seria o caminho?
PASSOS – Teria sido melhor reduzir a taxa de juros. A taxa Selic já caiu muito, mas poderia cair muito mais. Ainda é uma diferença muito grande. Basta comparar a situação brasileira com o quadro internacional, onde os juros são bem menores. Vamos ter que investir também no superávit fiscal e dar estímulo à poupança. Temos uma indústria capaz, não temos pressão inflacionária, então temos chance de trabalhar um pouco mais tranquilos. Em relação aos juros, não tenho competência para dizer qual o ponto certo dos juros, mas avalio que o Henrique Meirelles tem feito um bom trabalho, embora em muitos períodos pudesse caminhar um pouco mais rápido. O Banco Central foi muito conservador.
DINHEIRO – O Brasil já gerou mais de um milhão de empregos em 2009, enquanto o mundo inteiro demite. Será que já não há mais do que reclamar?
PASSOS – O Brasil tem tido um resultado impressionante em termos macroeconômicos, na média geral. Mas ainda precisa gerir melhor os desafios “micro”. Agora precisamos fazer a lição de casa em competitividade, inovação e desenvolvimento. Existem muitos atores, como ministérios, intervindo num processo único. Assim fica difícil obter resultados. Há ainda o Ministério Público atuando contra obras públicas. Isso não é defender o meio ambiente. É congelamento. Precisamos alinhar interesses e buscar o objetivo comum.