Governo Lula elabora resposta ao lado de outras nações e estuda recorrer à Carta da ONU. Mas especialistas apontam que medida tem apelo político, mas provavelmente terá pouco efeito prático.Para além de uma disputa comercial tradicional, as tarifas de 50% que o governo de Donald Trump aplicou sobre produtos brasileiros carregam forte apelo político, que alinha interesses de setores bolsonaristas no Brasil com uma estratégia econômica agressiva do governo dos Estados Unidos.

Em busca de uma solução, o governo Lula busca uma atuação multilateral e, por isso, convocou uma reunião ministerial para preparar uma resposta na ONU, ao lado de Índia, China e Rússia, segundo o portal UOL.

De acordo com especialistas ouvidos pela DW Brasil, a medida carrega forte apelo político. E só. O Brasil poderia tentar recorrer à Carta da ONU, que estabelece que qualquer forma de coerção entre Estados deve ser precedida de tentativa de resolução pacífica e depender de autorização do Conselho de Segurança.

O desprezo do governo Trump para com organizações multilaterais, no entanto, freiam qualquer reação comercial do Brasil na organização – restando apenas o componente político ao país.

“Não é preciso formular perguntas para se dar conta da inutilidade de recorrer à ONU contra um governo truculento que não respeita nenhuma norma jurídica nem o Direito Internacional e muito menos a Carta das Nações Unidas”, diz Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil junto à ONU nos Estados Unidos e e ex-ministro da Fazenda.

O que diz a ONU

A Carta da ONU prevê, em três artigos, possibilidades de argumentação contrárias às tarifas unilaterais norte-americanas.

De forma resumida, o artigo 2.4 da Carta proíbe o uso da força nas relações internacionais contra integridade territorial ou independência política.

Já o artigo 33 trata dela possibilidade de uma resolução pacífica de controvérsias e o 42 prevê que medidas de força não militares devem ser aprovadas pelo Conselho de Segurança, incluindo sanções econômicas.

Efeitos

Há duas instâncias em que o Brasil poderá argumentar seus pontos contrários acerca das tarifas. O primeiro seria a Assembleia Geral, principal órgão de formulação de políticas da organização. Já a segunda seria o Conselho de Segurança, principal órgão responsável pela manutenção da paz mundial.

Na Assembleia Geral, o Brasil poderia suscitar o tema politicamente e buscar resoluções condenando medidas coercitivas unilaterais.

Há precedentes nas resoluções, como sobre o embargo norte-americano contra Cuba, que, apesar de não trazer solução prática, escancaram as medidas unilaterais dos Estados Unidos no mundo.

“A consulta pode eventualmente evoluir para um grupo especial, para um procedimento de painel e ter um detalhamento dessa discussão. Acho que isso é do interesse do Brasil”, diz José Augusto Fontoura Costa, professor e doutor em Direito Internacional pela USP.

As decisões da assembleia, contudo, não são juridicamente vinculantes, apesar do valor político.

Portanto, de acordo com o advogado Tiago Conde Teixeira, o Brasil até teria legitimidade formal para levantar a questão na ONU, alegando que as tarifas representam coerção econômica contrária ao espírito da Carta, mas a conexão jurídica com o artigo o uso da força é frágil, o que reduz ainda mais o alcance de uma condenação do governo Trump.

“É possível apenas como pressão política ou em busca de apoio em resoluções da Assembleia Geral, mas juridicamente, o enquadramento como violação ao artigo 2.4, é pouco provável”, diz.

Já em relação a autorização prévia do Conselho de Segurança para que os Estados Unidos aplicassem tarifas como modo de pressão, o Brasil poderia requerer análise formal, sabendo, contudo, que não teria qualquer resultado concreto.

“Os Estados Unidos são membro permanente do Conselho de Segurança e vetariam qualquer resolução a respeito”, afirma Ricupero.

OMC pode ser a solução?

Para o Ricupero, o foro adequado dada a natureza das medidas hostis que sejam tarifas é mesmo a Organização Mundial de Comércio (OMC), como fez o Brasil neste mês. “Só que, mais uma vez, o recurso tem apenas valor moral e jurídico”, analisa.

O problema é que, após o Brasil acionar os Estados Únicos no órgão, o governo Trump afirmou que as tarifas são questão de segurança nacional e, como os tribunais da OMC estão paralisados por iniciativa norte-americana, não terá uma decisão tão rápida ou que será respeitada.

“Não se tratam de tarifas postas em razão de segurança nacional. Você não vai destruir os Estados Unidos com sacas de café ou coisa parecida, é uma alegação, obviamente, sem qualquer sentido, mas é a alegação que o governo Trump tem feito, tanto internamente para se livrar do controle do Congresso”, diz Costa.

Para ele, até agora o governo Lula tem dado prioridade a uma agenda comercial, e não política. Por isso, apesar aparentemente estar sem escapatória, o Brasil não deveria ir à ONU, mantendo as discussões na OMC.

“Minha aposta é que o Brasil não vai buscar isso nas Nações Unidas, e não vai fazer isso particularmente em razão do fato de, hoje, priorizar a agenda comercial em relação à agenda política, e particularmente porque essas sanções americanas, de uma certa maneira, têm dado no campo político interno um efeito contrário àquele que poderia”, afirma.