15/04/2016 - 20:00
A grande defasagem da infraestrutura no Brasil esbarra, cada vez mais, em entraves causados pela recessão econômica. Embora programas tenham sido criados pelo governo federal para desengavetar antigos projetos, como reformas em aeroportos e portos, assim com a expansão da malha ferroviária, as licitações perderam fôlego por falta de concorrência. Com as investigações da Operação Lava Jato a todo vapor, as principais construtoras do País estão sem capital para encarar grandes projetos. O momento histórico, no entanto, pode ser o ponto da virada do desenvolvimento infraestrutura brasileira, segundo o inglês James Stewart, presidente global de infraestrutura da KPMG. Formado em química pela tradicional universidade de Oxford, na Inglaterra, e à frente de uma das principais áreas da KPMG desde 2011, Stewart analisa que o governo brasileiro não terá alternativa a não ser reestruturar estratégias para atrair capital estrangeiro, facilitar a entrada de empresas internacionais no País e ficar menos dependente do financiamento do BNDES. Em entrevista à DINHEIRO durante sua rápida passagem pelo Brasil, o especialista afirma que, mesmo em períodos conturbados, o Brasil nunca sairá da lista dos investidores internacionais, especialmente pelo seu potencial econômico.
DINHEIRO – Os escândalos de corrupção e a Operação Lava Jato têm impacto no setor de infraestrutura no Brasil?
JAMES STEWART – Sim, eles prejudicam a imagem. Mas essa é uma questão estranha, porque as pessoas também admiram o Brasil pelo fato de o País estar preocupado em investigar e punir os casos de corrupção enquanto vários outros países ignoram os casos de corrupção. Claro, esses escândalos acabam impactando e fazem com que alguns investidores deixem de aportar no País no curto prazo. Porém, se olharmos no longo prazo, nós acreditamos que isso será um catalisador no mercado, assim como um dos pontos para encorajar os fornecedores internacionais. A corrupção é como uma destruição maciça: ela tem tirado de cena muitos investidores que focam em infraestrutura e enfraquecem os contratos de licitação. Um dos principais problemas é que, definitivamente, deixará as empresas envolvidas mais fracas pelo ocorrido, principalmente em termos de gestão, nas questões relativas a pagamento e de como fazer negócios. No entanto, esse será o ponto de virada para a infraestrutura brasileira. Acreditamos que, no longo prazo, não se tratará mais de “o que”vai ser feito, mas de “quando” a infraestrutura brasileira avançará.
DINHEIRO – Mas o sr. acredita que a crise política reduzirá os investimentos no Brasil?
STEWART – O Brasil sempre estará na lista dos investidores, pelo potencial do PIB, pela riqueza de recursos naturais e pelo tamanho da população. Aqueles com visão de médio e longo prazos serão os primeiros a olhar para o País e os que analisam no curto prazo ficarão receosos. Para os europeus e americanos, por exemplo, o Brasil está menos atraente neste momento, já que eles consideram os escândalos de corrupção assustadores. Os investimentos viriam dos asiáticos, que avaliam mais no longo prazo. Não podemos esquecer de colocar o Brasil dentro do contexto mundial. É uma frase horrível, mas o não normal é o novo normal. O que eu quero dizer é que vemos vários países tirando vantagens dessas situações macroeconômicas. Vimos chineses investindo em infraestrutura, há o banco dos BRICS e os japoneses investindo em países como Índia. Acreditamos que as questões geopolíticas acabam influenciando a maneira como os provedores de infraestrutura agem no mundo.
DINHEIRO – Comparado a outros países, como está o avanço do Brasil em infraestrutura?
STEWART – Atualmente, o País ocupa a 77ª posição em nosso ranking de desenvolvimento de infraestrutura, cuja análise avalia o desempenho de 140 países. Ele está atrás de um número significativo de países. No entanto, eu classifico o Brasil de uma maneira diferente. Não podemos comparar o País com outros emergentes da Ásia e da África, afinal, estamos falando da nona economia mundial. Apesar do grande potencial que ainda há para ser explorado e dos avanços que o País precisa fazer, eu classifico o Brasil como uma das maiores áreas de investimento globais. Há muito a se fazer na área de transportes urbano para diminuir o congestionamento. As cidades brasileiras, por exemplo, continuam sofrendo muito em termos de trânsito. Os investimentos estão chegando próximos ao ideal, mas ainda falta muito para colocar em prática todo o potencial que o País possui.
DINHEIRO – Essas análises enxergam os vários países que existem dentro do Brasil?
STEWART – Isso é verdade. Normalmente quando eu digo Brasil, eu me refiro a São Paulo, ao Rio de Janeiro e a Brasília. Há muitos investimentos nessas cidades. O aeroporto de Brasília ficou muito bom após a rodada de concessão. Mas viajar entre as cidades e os estados ainda é muito difícil e caro. As estradas estaduais precisam de investimento, assim como os aeroportos, as rodovias e as ferrovias. Isso impactaria a logística do País, também.
DINHEIRO – Por que é tão difícil destravar investimentos desse porte?
STEWART – A maneira como enxergamos o mercado brasileiro é que os investimentos têm sido entregues pelo mercado doméstico. Então, o BNDES fornece os investimentos e as empresas brasileiras entram com a engenharia, a técnica e a operação da obra. E isso passou por algumas mudanças, já que abriram o mercado para que companhias internacionais também aportem recursos. O que vemos hoje é uma situação em que os resultados não são mais os mesmos. Embora as empresas brasileiras de engenharia tenham uma enorme capacidade, lidamos com um País onde a economia não está tão boa como há três anos. Com a economia atravessando um período conturbado, o acesso ao crédito fica restrito. Por outro lado, investimentos em aeroportos, rodovias, portos, ferrovias ainda são muito necessários. Por isso, esse é o começo de uma nova fase de desenvolvimento em termos de infraestrutura e construção no Brasil. Se o País quiser ter avanços em sua infraestrutura e economia, algumas mudanças precisarão ser feitas. Principalmente no que diz respeito à participação de empresas internacionais, para que elas consigam atuar ao lado das nacionais.
DINHEIRO – Quais seriam essas mudanças?
STEWART – A primeira é suavizar e ampliar as regras de restrições de companhias para atrair mais estrangeiras. O governo tem tomado decisões que consideramos um pouco difíceis para que isso ocorra. Há, também, a necessidade de certos ajustes no mercado local para também torná-lo mais atrativo. O primeiro seria em relação à manifestação de interesse. Atualmente, o governo pede para que o mercado privado elabore os projetos. Depois, seleciona os melhores e faz o processo de licitação entre eles. Esse modelo é incomum para companhias internacionais, que não entendem e não têm conhecimento prévio do mercado brasileiro para competir de igual para igual com as empresas domésticas. Desse modo, os investidores internacionais preferem que o setor público formule o projeto e inicie uma licitação entre as companhias do setor privado para encontrar o melhor competidor.
DINHEIRO – Os modelos de concessão precisam ser revistos?
STEWART – Sim. Não podemos esquecer que o BNDES é responsável por cerca de 40% do financiamento desses projetos. Ocorre que muitas das construções em infraestrutura usam o modelo de concessões, ao invés de usarem parcerias entre o poder público e privado (PPP). No resto do mundo, não há essa distinção. No Brasil, isso tem sido feito pelos financiamentos do BNDES e as empresas dependem dessas contribuições para concorrer às licitações. O mercado é totalmente dominado pelo BNDES e, mais uma vez, favorece o mercado doméstico, já que as companhias internacionais não têm relações com o banco e não conhecem muito bem como ele atua. Se você quer aumentar seu mercado e a demanda, não pode se limitar à capacidade do BNDES. Há uma enorme necessidade de atrair outros investidores. Então, o mercado deve estar aberto.
DINHEIRO – O que precisa ser feito para haver mais PPPs no Brasil, como há no Reino Unido, por exemplo?
STEWART – Uma mudança de atitude e regulatória, para que vejam que a PPP é positiva. Um projeto com parte de contribuição do governo e outra do setor privado é bom, mas é pouco aceito no Brasil. Assim, para encorajar mais parcerias entre o setor público e o privado será necessário alterar as regras e as leis. Quando eu me refiro em mudança de atitude e de regras, é para que o governo acredite que PPP é um algo bom e não voltado para a privatização de uma obra ou de um projeto. Outro ponto que faz com que o tema não entre em pauta é pelo fato de a metade do projeto ser pago pelo governo e a outra metade pelo setor privado, o que exigiria um grande fôlego econômico. Eles precisam considerar que o aporte inicial pode ser grande, mas o retorno é benéfico à economia. Aliás, não será bom apenas pelos fatores econômicos. Também traria enormes impactos sociais. Uma nova linha de metrô, por exemplo, trará alívio no trânsito e abrangerá mais pessoas, incentivando o transporte coletivo.
DINHEIRO – Há estimativas de quanto a economia brasileira perde por não ter investido em infraestrutura?
STEWART – A Standard & Poor’s, uma das principais agências de classificação de risco, fez um estudo que avalia o quanto investimentos em infraestrutura impactariam no crescimento econômico. No resultado, tanto o Reino Unido como o Brasil tiveram uma pontuação muito alta, que teriam um impacto de 2,5% no PIB. Claro que não é o mesmo impacto para todos os países. Na França e na Alemanha, ele seria menor, pois já estão mais desenvolvidos nesse quesito. Alguns, porém, têm mais beneficio e espaço para desenvolver, e isso leva tempo.
DINHEIRO – Mas o País está no caminho para aproveitar esse ganho de 2,5% no PIB?
STEWART – Sim. Há pesquisas que mostram que se investirmos em infraestrutura, os benefícios econômicos gerados são excelentes. No entanto, há uma enorme fixação pelos impactos econômicos e acabamos subestimando os impactos sociais e, até mesmo, ao meio ambiente. Investir em São Paulo, por exemplo, ajuda a reduzir o trânsito e isso terá um efeito significativo na economia do Brasil. Quando falamos dos impactos sociais, nos referimos a vários pontos, como saúde, educação, justiça e habitação popular. Todos esses aspectos devem ser vistos no longo prazo. É preciso haver um balanço nos investimentos que serão realizados em obras sociais, assim como é necessário entender que aportar em projetos que trarão impactos sociais é um ganho para os dois lados. Na Índia e na África, existem projetos para facilitar o trânsito, assim como o de casas populares. Isso gera emprego e permite condições melhores para pessoas que vivem em lugares afastados, que passarão a ter acesso à educação, saúde, trazendo uma enorme transformação social.
DINHEIRO – Quando o Brasil avançará em projetos como esses?
STEWART – Para o Brasil conseguir alcançar esse tipo de desenvolvimento, que une os impactos sociais aos econômicos, dependerá da velocidade de recuperação de sua economia. Porém, alguns benefícios já estão acontecendo, mas os resultados sólidos vão levar em média vinte anos. O efeito médio terá impacto direto se houver um fácil acesso das pessoas ao mercado de trabalho. Não pode haver, porém, interrupções de investimentos. Eles devem ser graduais para haver resultados.