DINHEIRO – Que avaliação o sr. faz do pacote habitacional lançado pelo governo?
WILSON AMARAL O pacote é excelente. Quando começou a discussão, a pergunta era: o que o governo precisa fazer para viabilizar a compra de imóveis? Como tornar o sistema mais acessível? Não é uma questão só de produzir casas baratas. Se eu tenho uma casa que é vendida a R$ 70 mil, posso inventar uma tecnologia inovadora que faz com que o preço dela caia para R$ 50 mil. Ainda assim, a pessoa não iria comprar. Quando vendo um bem, tenho dificuldade para conseguir até mesmo 10% de entrada. Ou seja, o problema é de financiamento e é justamente esse ponto que o governo ataca. Daí a ideia de financiar 100% do imóvel ou um percentual muito próximo a isso.

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Credito:

DINHEIRO – Mas a questão também não diz respeito ao valor da prestação? Se o País tem um problema de renda, como fazer para que as prestações caibam no orçamento das pessoas?
AMARALExistiam muitos entraves que aumentavam o valor da prestação. Por exemplo, gastamos horas discutindo a questão do custo de seguro dos financiamentos. O valor era alto demais para os de baixa renda. Não fazia sentido pagar às vezes até 30% do valor da parcela, dependendo da idade, a título de seguro. Não é assim no mundo. Foram feitos inúmeros estudos e, no final, houve uma redução significativa desse valor. Se você tira R$ 100 da prestação, são milhares de novos compradores que entram no sistema. O governo também reduziu os custos cartoriais, depois de consultar representantes do setor. Isso não vem para nós, vai direto para o bolso do cliente. A diferença do pacote é essa. Ele beneficia essencialmente os compradores. Por isso, a chance de funcionar é muito grande.

DINHEIRO – Qual será o impacto do pacote para o setor da construção?
AMARALSerá grande. O nosso veículo do setor de baixa renda é a Tenda. Já percebemos uma mudança sensível na temperatura dos negócios. Antes do anúncio do pacote, a Tenda registrava em média 20 ligações por dia de pessoas interessadas em nossos imóveis. Na semana do anúncio do pacote, registramos, em três horas, cerca de três mil ligações. Não estamos criando demanda. Estamos criando uma forma de atender à demanda, que já está pronta.

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Credito:

DINHEIRO – O setor já começou a sentir os reflexos do pacote?
AMARALSe tudo funcionar bem, haverá um reflexo principalmente no segundo semestre. Mas acredito que o ano de 2010 será profundamente impactado, inclusive com uma forte geração de emprego. Sem o pacote, havia o sério risco de o desemprego atingir a construção no final de 2009, quando começarão a ser entregues as obras que foram vendidas no auge do crescimento, há dois anos. Você precisa tomar uma medida agora para garantir que a curva de construção, que cresceu exponencialmente em 2007 e 2008, continue evoluindo na mesma intensidade.

robson regato/ag. istoé

DINHEIRO – O pacote contempla principalmente os de baixa renda. O correto não seria estendê-lo para a classe média?
AMARALO pacote pega uma boa faixa de renda. Ele abrange de zero até dez salários mínimos, o que dá mais de 90% da população. É muita coisa. Os problemas de financiamento para as classes acima de dez salários mínimos não têm nada a ver com os problemas da baixa renda. Na verdade, a grande carência habitacional do Brasil está justamente na base. Isso explica porque ela é o grande foco do governo e das empresas do setor.

DINHEIRO – O presidente Lula afirmou que o pacote tem potencial para a construção de um milhão de casas. Esse número é possível?
AMARALEm 2008, foram concedidos cerca de 400 mil financiamentos imobiliários no Brasil, para imóveis novos e usados, abrangendo todas as classes. O pacote tem potencial para fazer esse número crescer muito, mas ainda é cedo para prever exatamente quanto. A pergunta que se deve fazer, e que o governo e todos nós fizemos, é como conceder um milhão de créditos.

DINHEIRO – Há muito tempo se diz que o mercado brasileiro é um dos mais promissores do mundo, se não for o mais promissor. Isso é fato?
AMARALPara responder a essa questão, é preciso analisar a demografia brasileira. O Brasil tem um déficit de 7,2 milhões de moradias. A cada ano, mais ou menos 1,7 milhão de novas famílias são formadas. Ou seja, além do déficit histórico, você precisa suprir essa necessidade anual de 1,7 milhão de novas moradias para atender quem acaba de constituir família. É uma demanda brutal, certamente uma das maiores do mundo. Por isso, quando se fala em um milhão de moradias que o pacote vai gerar, não se está exagerando. É um número agressivo, mas o Brasil precisa muito mais do que isso. Como já foi dito, o fundamental é ajustar a questão do financiamento. O resto está pronto. É a demanda forte de um lado, estimulada pela demografia brasileira, e de outro lado as empresas, que têm uma capacidade de resposta muito boa. Nós sabemos que, por mais competente que uma empresa possa ser ao produzir casas para a baixa renda, se não tiver um sistema de financiamento adequado, não há empresa que seja capaz de desenvolver este mercado. Precisa ter a participação do governo. O presidente Lula entendeu isso. É assim que funciona no mundo.

DINHEIRO – O setor já vinha crescendo muito nos últimos anos.
AMARALSim, estávamos crescendo numa velocidade muito grande, sempre acima de dois dígitos por ano. Em parte, isso se deve à abertura de capital das principais empresas do setor, o que permitiu a captação de dinheiro do Exterior. Em 2004, a Gafisa era uma empresa de 200 milhões em lançamentos. Em 2008, esse valor chegou a R$ 4 bilhões. É algo impressionante.

DINHEIRO – A Gafisa foi afetada pela crise financeira global?
AMARALDo ponto de vista de vendas e lançamento, foi um ano até setembro e outro totalmente diferente de outubro a dezembro. Se não fosse essa mudança, o volume de lançamentos que tínhamos preparado seria absurdo. Em termos de vendas, registramos no último trimestre de 2008 uma pequena queda. Digamos que empreendimentos que vendiam cinco unidades por mês passaram a vender duas. A crise fez com que revisássemos todos os nossos projetos. Aqueles que não tinham uma velocidade adequada de venda, foram abortados. Mesmo assim, os projetos cancelados foram muito poucos, cinco ou seis, no máximo. Se você falasse comigo em dezembro, eu diria que o mundo estava prestes a acabar, que o ano de 2009 seria trágico. Hoje isso mudou. Já se começa a ver que os mercados estão voltando a crescer, os prognósticos melhoraram muito.

DINHEIRO – Como vai ser 2009?
AMARAL É difícil prever como será. O que posso dizer é que não vai ser a tragédia que imaginávamos até pouco tempo atrás. Não teremos quedas significativas. Com o pacote, o segundo semestre tende inclusive a ser bom, com muitas contratações. Aliás, o setor da construção civil criou emprego em janeiro e fevereiro, enquanto muita gente cortou vagas. A forma mais fácil de criar emprego é no nosso setor, que tem um papel importante para a inclusão social. Atualmente, estamos tocando a produção a plena força. Nossa produção está no nível mais alto da história da empresa. Não dá para reclamar.

DINHEIRO – A Tenda, que é focada nas classes de renda mais baixa, deve ter um desempenho melhor que o da Gafisa?
AMARALO pacote vai pegar a Tenda, que está muito focada no mercado de baixa renda. Para se ter uma ideia, mais de 80% de seu mix são imóveis avaliados em até R$ 130 mil. Essa turma é menos suscetível à crise. O pessoal que estava comprando casa em 2007 e 2008 foi mais afetado. É o sujeito que lê jornal, que sabe o que está acontecendo no mundo. Os 500 mil investidores que a bolsa criou nos últimos anos são os que sofrem agora com a crise. Eles estavam ganhando dinheiro e de uma hora para outra viram as ações despencarem 60%. Obviamente, essa pessoa é mais sensível na hora de comprar um imóvel. Na baixa renda, o que temos observado é uma enorme disposição em comprar o imóvel.

DINHEIRO – A Gafisa pensa em fazer aquisições em 2009? O mercado dizia que a MRV estava nos planos.
AMARALSempre que encontro as pessoas da MRV, elas brincam comigo: “Parece que nós fomos vendidos para você de novo.” Não existe nada com a MRV, isso é boataria. A Gafisa tem uma visão estratégica na hora de adquirir uma empresa. Compramos a Tenda porque queríamos entrar nas classes mais baixas. Essa é nossa política.

DINHEIRO – A crise mudou a estratégia da empresa?
AMARALNão mudou nada. Temos a mesma estratégia adotada em 2005. Ela está baseada em três pontos centrais: foco 100% no mercado residencial, presença nacional e atendimento a todas as faixas de renda. Por isso mergulhamos fundo nesse pacote.

DINHEIRO – Nessa estratégia não está prevista a inserção internacional?
AMARALNão. Se você conversar com qualquer um que atue nesse ramo ou com um investidor global, ele dirá que o Brasil é o lugar onde quer estar nos próximos 20 anos. Não há como não concentrar forças no mercado brasileiro. Há um ano e meio fomos convidados a fazer um projeto em Dubai. Estourou a crise e sabe o que aconteceu? Todos os projetos de Dubai foram cancelados. Eu prefiro um país que cria 1,7 milhão de famílias por ano, que vem passando por um grande processo de desenvolvimento, que é hoje um player global. Esse País é o Brasil.