Câmara recebeu ordem do STF para redistribuir os 513 assentos existentes entre os estados conforme a população. Deputados de estados que perderiam querem outra solução: criar mais assentos.A Câmara dos Deputados poderá crescer partir de 2027 e somar mais 18 deputados federais aos seus atuais 513. A ampliação já foi aprovada pela própria Câmara e deve ser avaliada nesta quarta-feira (25/06) pelo Senado.

Além de instalar mais 18 assentos no plenário, será necessário criar mais 18 gabinetes e contratar funcionários de apoio para esses deputados extras. O custo da ampliação é estimado em R$ 64,6 milhões por ano.

Isso está na pauta porque o Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou que a Câmara atualize a redistribuição de suas cadeiras entre os estados, conforme a população de cada um apurada pelo Censo de 2022.

No Congresso, é papel da Câmara representar o povo – por isso o número de deputados varia de acordo com a população de cada estado. Já ao Senado cabe representar os estados, e lá cada um tem o mesmo número de três senadores.

A Constituição prevê que a distribuição dos deputados entre os estados deve ser ajustada periodicamente de acordo com a evolução da população, mas isso nunca foi feito desde 1993.

O Pará entrou com uma ação no STF, argumentando que teria direito a mais quatro deputados federais, e a corte então determinou à Câmara que atualizasse a distribuição das cadeiras. Se isso não for feito até a próxima segunda-feira, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fazer.

Em vez de redistribuir, ampliar?

Se a Câmara cumprisse a decisão do STF, sete estados perderiam cadeiras e outros sete ganhariam, segundo projeção do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) baseada no Censo de 2022.

O deputado Pezenti (MDB-SC) apresentou um projeto de lei complementar para fazer esse ajuste, e também para que a atualização passasse a ser automática, sempre no ano anterior às eleições.

Santa Catarina, estado de Pezenti, seria um dos estados beneficiados devido ao aumento de sua população, e ganharia mais quatro deputados, assim como o Pará. O Amazonas ganharia mais dois, e Ceará, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso ganhariam mais um cada.

Mas representantes dos estados que perderiam cadeiras reclamaram. E tiveram uma ideia: em vez de redistribuir as 513 cadeiras existentes, a Câmara deveria ser ampliada e dar mais assentos aos estados que tiveram crescimento populacional.

A deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, apresentou um projeto de lei nesse sentido. Seu estado, Rio de Janeiro, seria um dos afetados pela redistribuição e perderia quatro deputados. Rio Grande do Sul, Piauí, Paraíba e Bahia perderiam dois cada um, e Pernambuco e Alagoas, um cada um.

Esse projeto tramitou pela Câmara com o apoio do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos), que é da Paraíba, um dos estados perdedores na redistribuição. Um texto substitutivo foi aprovado em 6 de maio e será agora analisado pelo Senado. Se aprovado pelos senadores, segue para sanção presidencial.

O deputado Damião Feliciano (União-PB), relator do projeto na Câmara, afirmou que ele corrige as distorções decorrentes de variações populacionais, sem reduzir a representatividade dos estados que perderiam deputados, “de forma equilibrada, sem comprometer o equilíbrio político e a correlação de forças regionais”.

Uma preocupação dos defensores da ampliação é que, com menos deputados, os estados perdedores receberiam também menos emendas parlamentares, que vêm ocupando espaço cada vez mais significativo do orçamento público.

Custo também para os estados

A ampliação da Câmara teria impacto também nas Assembleias Legislativas dos estados, pois o número de deputados estaduais varia de acordo com o número de deputados federais.

Para estados com até 12 deputados federais, o número de deputados estaduais é o triplo da bancada na Câmara. A partir desse teto, o número de deputados estaduais é de 36 mais o quanto a bancada na Câmara passa de 12.

O cálculo de impacto financeiro feito pela Câmara para o projeto que cria 18 novos cargos de deputados federais não inclui o custo da criação de novas vagas de deputados estaduais. Estima-se que o projeto levaria à criação de 30 novas vagas, com custo de mais de R$ 76 milhões por ano para os estados, segundo um levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Quais são as críticas

A proposta de ampliar o número de deputados federais, apresentada enquanto Congresso e governo federal estão envolvidos em diversas disputas sobre como buscar equilíbrio fiscal, não foi bem recebida pela maior parte dos brasileiros.

Segundo uma pesquisa Datafolha realizada nos dias 10 e 11 de junho, 76% são contra o aumento do número de deputados federais de 513 para 531. Outros 20% apoiam a ampliação, enquanto 2% não sabem e 1% se diz indiferente.

O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) classificou a ampliação da Câmara como “um retrocesso institucional e um verdadeiro desrespeito com a sociedade civil e com o bem público”.

Em nota divulgada na terça-feira, a entidade disse que “a proposta é casuística, inoportuna e imoral, especialmente diante do cenário com tantas desigualdades sociais, de desafios econômicos, com a crise de representatividade que o país enfrenta, e da insatisfação da população com a atuação do Congresso Nacional”.

O autor do projeto que apenas redistribuía as 513 vagas existentes, deputado Pezenti (MDB-SC), declarou que criar mais vagas era “um tapa na cara do brasileiro”. “Para que estados ganhem o que têm direito, outros estados têm que perder. Isso é justiça”, afirmou.

Outro deputado que se manifestou contra a ampliação foi Kim Kataguiri (União-SP), que tentou obstruir, sem sucesso, a votação do projeto. “A Constituição manda redistribuir as cadeiras, não manda aumentar o número de parlamentares. É aquela velha história do Brasil patrimonialista que, em vez de enfrentar os seus problemas, faz uma acomodação de interesses, que é para ninguém perder e todo mundo continuar vivendo na mediocridade”, afirmou Kataguiri.

Representação já tem distorções hoje

Em seu discurso no plenário da Câmara, Kataguiri lembrou ainda que a ampliação também acentuaria distorções já existentes na representação da população de cada estado – pois deputados de estados menos populosos já representam hoje menos pessoas do que deputados dos mais populosos.

Isso ocorre pois a Constituição prevê um mínimo de oito e um máximo de 70 deputados por estado. Esses limites foram adotados para evitar a predominância na Câmara de estados muito populosos.

Se não houvesse esses limites, São Paulo, estado mais populoso, deveria ter 111 deputados federais, ao passo que Roraima, Amapá em Acre, em vez de oito, deveriam ter dois deputados cada um. Um cálculo feito pela Câmara em 2018 estimou que cada deputado de São Paulo representava 650 mil pessoas, enquanto que cada deputado de Roraima representava 72 mil.

Alemanha limitou crescimento do Bundestag em 2023

Um debate semelhante ocorreu recentemente na Alemanha, onde o Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) vinha há 20 anos crescendo a cada eleição e chegou a ter 736 assentos em 2021, à época o maior Parlamento eleito democraticamente do mundo.

Esse crescimento dinâmico ocorria para compensar uma característica do sistema distrital misto adotado no país, no qual cada eleitor dá dois votos: o primeiro a um deputado para representar seu distrito, e o segundo para seu partido de preferência.

O número de assentos do Parlamento é dividido entre as legendas segundo a proporção de votos nos partidos. Até 2021, se um partido tivesse ganhado mais distritos do que essa divisão proporcionava, eram criados assentos extras para garantir que todos os deputados eleitos pelos distritos estivessem representados. Em seguida, para garantir que a representação final fosse fiel à distribuição dos votos nos partidos, eram criados mais assentos para equilibrar a composição.

Esse sistema funcionava bem quando os dois maiores partidos alemães, a União Democrata Cristã (CDU) e o Partido Social-Democrata (SPD), dominavam a cena política do país. No entanto, o fortalecimento recente de partidos menores favoreceu a criação de mais assentos extras.

Em 2021, isso levou à criação de 138 assentos extras, com grande impacto orçamentário. Segundo a agência de notícias Bloomberg, o custo de manter o Bundestag subiu cerca de 25% de 2020 para 2024, para 1,24 bilhão de euros, e a pressão por uma reforma para limitar o crescimento do Bundestag ficou mais forte.

Em 2023, uma reforma eleitoral limitou o número de assentos do Bundestag a 630. Ficou estabelecido que a distribuição seguirá apenas a proporção de votos nos partidos. Se uma legenda ganha mais distritos do que essa proporção oferece, alguns de seus candidatos ficarão sem assentos. Essa regra passou a valer nas eleições de fevereiro de 2025.

No novo sistema, a Alemanha tem um deputado federal a cada 132 mil habitantes. Nos Estados Unidos, que têm 435 deputados federais, a proporção é de um a cada 785 mil habitantes. O Brasil tem hoje um deputado federal a cada 414,4 mil habitantes. Se o projeto que amplia a Câmara for aprovado, a proporção cairá para um deputado a cada 400 mil brasileiros.