17/05/2013 - 6:07
DINHEIRO ? O sr. escreveu um livro sobre o empresário Antônio Ermírio de Moraes, comandante de um grupo extremamente bem-sucedido, num momento em que o setor industrial brasileiro está fragilizado. O que diferenciou Antônio Ermírio de seus pares?
PASTORE ? A veia dele para a tecnologia era algo impressionante. Porque foi treinado na melhor escola de metalurgia do mundo, na Colorado School of Mines, nos Estados Unidos. Seu pai e seus irmãos também estudaram lá. Antônio Ermírio era um superengenheiro, com uma competência de criação incrível. Quando começou a atuar nas empresas do grupo, conectou-se imediatamente com o melhor, com as últimas novidades que existiam na Alemanha, na Dinamarca, nos Estados Unidos, na França. E as 96 empresas da família mantêm essa filosofia até hoje. Uma coisa impressionante.
DINHEIRO ? Ele investia mesmo quando o País estava em crise?
PASTORE ? Toda vez que o Brasil entrava em recessão, Antônio Ermírio dizia para outros industriais: nós não podemos parar, temos de aumentar a produção, ou não conseguiremos combater a inflação, e precisamos exportar! E o pessoal respondia: ?Pô, Antônio, mas na recessão?? Pois era nesses períodos que ele mais investia em tecnologia. Quando o País saía da recessão, as empresas da Votorantim estavam sempre na frente. Fez isso em alumínio, no níquel, no ferro, no cimento, em tudo.
DINHEIRO ? Mas o Brasil tem outros integrantes da elite empresarial formados lá fora que não foram tão bem-sucedidos.
PASTORE ? Quem? A família Matarazzo, talvez? Não foi como a família dele. O pai de Antônio Ermírio, o senador José Ermírio de Moraes, os irmãos e seus filhos tiveram uma formação científica, se tornando uma geração de criadores e cientistas. Não há outra família como essa no País. O material acadêmico de Antônio Ermírio é algo fantástico. Produzia papers de inovação impressionantes. Tudo com nota A. Os Pignatari (da Companhia Brasileira de Cobre) foram importantes, mas não tiveram formação similar. Os Villares tiveram de fato uma boa formação, na Suíça. Ou, ainda, a família de José Mindlin, do Grupo Metal Leve. Mas dá para contar em apenas uma mão os empresários que tiveram uma formação como a de Antônio Ermírio.
DINHEIRO ? Essa formação fez diferença?
PASTORE ? Fez toda a diferença. Seu avô materno era um filho de sapateiro, que só foi para a escola aos 14 anos (depois se tornou um grande empresário e dono de uma das maiores fortunas do País). Do lado paterno também não havia grande instrução. Mas a avó paterna, dona Chiquinha, do interior do Pernambuco, enfrentando Lampião no início do século 20, teve uma ideia. ?Vou mandar meu filho (José, pai de Antônio Ermírio) estudar nos Estados Unidos?. Isso quando os garotos daquela região iam, quando muito, estudar no Recife. Dona Chiquinha, no meio da Caatinga, teve esse ímpeto. E mandou o filho para a melhor escola de metalurgia. Ele voltou como uma pessoa potente. Encontrou dona Helena, acabou casando, e tocou um projeto de ciência. Tudo com capital nacional.
DINHEIRO ? Antônio Ermírio provocava debates nacionais, inclusive antecipando problemas, como o do apagão de 2001. Ele tinha um olhar social acentuado?
PASTORE ? Sem dúvida. Se o Brasil tivesse muitos Antônios Ermírios estaria muito melhor hoje, estaria muito mais longe. Se pegar as grandes iniciativas em qualificação no Brasil, ele esteve por trás. A rede Senai e Senac, por exemplo. Construiu e equipou uma quantidade enorme de unidades. Na Embrapa, no Instituto de Pesquisa Tecnológica, no Instituto Agronômico de Campinas. Falava em tecnologia, era com ele.
Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, grande
empreendedor do século 19
DINHEIRO ? Uma vez Antônio Ermírio contou que havia passado a lua de mel com a sua mulher na Europa, mas aproveitou o período para visitar algumas fábricas. Um workaholic incorrigível, não ?
PASTORE ? Até hoje ele diz para a Maria Regina, sua mulher: ?Estou te devendo essa lua de mel, mas nós vamos fazer?…
DINHEIRO ? E por que o sr. decidiu escrever esse livro?
PASTORE ? As gerações vão se sucedendo e perdendo a memória. Os mais jovens não o conhecem como eu ou você o conhecemos. No século 19 houve o Barão de Mauá, muito bem registrado pelo escritor e sociólogo Jorge Caldeira, no livro Mauá, empresário do Império. E eu pensei que deveria relatar a obra desse empresário dos séculos 20 e 21. E que, além de tudo, tem uma veia social de grosso calibre, que Mauá não tinha. O que Antônio Ermírio investiu em saúde, educação e pesquisa, não está escrito. E tudo do próprio bolso. De três anos para cá, quando estava começando a ficar doente, conversei com a família. Expliquei que a sua obra precisava ficar registrada para que os jovens leiam, se inspirem e saibam como era a administração das empresas, das obras sociais. Por qual razão combateu o programa nuclear brasileiro, por que era contra subsídios e contrário às multinacionais que só vinham para cá explorar, sem oferecer nada em troca. É um empresário que torceu e viveu pelo Brasil a vida inteira. Até hoje.
DINHEIRO ? Quais valores de Antônio Ermírio na gestão da Votorantim foram decisivos?
PASTORE ? Não é uma receita de bolo, mas seu espírito workaholic era transmitido para todo mundo do grupo. Ele e os diretores trabalhavam aos sábados. Dava o exemplo, chegando antes das 7, saindo depois das 8 da noite. E adotou no grupo um estilo de trabalhar voltado para os funcionários, que veio desde o seu avô sapateiro, de cuidar do lado humano do time. Oferecer educação, crédito, bolsas de estudo, etc. O grau de comprometimento que vinha em troca era extraordinário. Raramente teve que enfrentar greves. Algumas vezes, quando os sindicalistas chegavam a negociar com os diretores de alguma unidade, e não conseguiam o que queriam, pediam para falar com o dono. E ele falava! Ou seja, alguém que cuidava de 96 empresas, ia lá e tratava diretamente com sindicalistas. Tudo que o diretor havia negado, ele dava. E era extremamente disciplinado à frente das empresas. Juntando ciência, tecnologia, trabalho duro e comprometimento do grupo, pode-se explicar grande parte da pujança de suas empresas.
O então presidente Lula e Antônio Ermírio, em visita à Companhia Brasileira de Alumínio, em 2007
DINHEIRO ? Como foi seu lado família?
PASTORE ? Para ser franco, a família guarda um certo ressentimento. Pois com esse ritmo alucinante, de trabalhar 14 a 15 horas por dia, não sobrava tempo. Mas todos têm grande admiração e carinho, e sabem que ele não fez isso por maldade, foi por um projeto maior.
DINHEIRO ? O sr. escreve no livro que Antônio Ermírio sofre de Alzheimer. Como ele está?
PASTORE ? Oscila entre a lucidez e a ausência. Quando está mais lúcido, a gente nota que fica mais angustiado. Quando perde a consciência, não se sabe se é para o bem ou para mal, pois a angústia, pelo menos, vai embora nesse momento. Fisicamente, ele está perfeito. Eu o visito sempre, duas ou três vezes por semana, mantenho algumas conversas com ele, falando mais sobre o passado. Mas está diminuindo. Ele não acompanha o presente, essa doença não deixa. É muito triste.
DINHEIRO ? Das últimas análises que ele fez do País, o que foi mais importante?
PASTORE ? Em 2008, eu o lembrei que ele havia antecipado a crise financeira daquele ano. Em artigos escritos nos anos 1990, já falava em subprime, em excesso de confiança do mercado financeiro. Ele afirmou que essa crise seria longa e que o Brasil não escaparia, mas que o País tem muita coisa que os outros não têm. Em dezembro de 2008, ele me disse que tinha criticado muito o Lula, mas que ele estava indo bem. O PIB e o emprego cresciam bastante.
DINHEIRO ? O Brasil vive um momento de consumo em alta, mas a oferta está retraída. Diferentemente de Antônio Ermírio, os industriais não investem em períodos de economia fraca. Isso limita o crescimento?
PASTORE ? Se ele estivesse bem, estaria trabalhando pela inovação, que é o diferencial da indústria.
DINHEIRO ? O pleno emprego atual é sustentável?
PASTORE ? O fator demográfico ajuda a manter o emprego em alta, pois há menos jovens pressionando. A taxa de natalidade caiu muito. E os idosos, com mais de 60 anos, estão saindo antes do mercado de trabalho. Porque a Previdência melhorou, outros programas sociais ajudam, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. A pressão que havia nos anos 1980 não existe mais. Mas, se a indústria não se recuperar, esse quadro não dura por muitos anos.
DINHEIRO ? Mas até lá a infraestrutura será capaz de absorver mão de obra?
PASTORE ? O fator multiplicador de investimento em infraestrutura é altíssimo. Se o Brasil virar canteiro de obras, teremos emprego. Mas faltará mão de obra… Agora, o trabalho está colaborando com dois problemas. Com a falta de mão de obra, o custo do trabalho explode e é repassado para os preços. Ou é descontado do lucro e dos investimentos. Exatamente o que acontece hoje.
DINHEIRO ? E como se sai desse quadro?
PASTORE ? Investindo em produtividade, inovação, tecnologia. Assim como fez Antônio Ermírio.