23/07/2008 - 7:00
DINHEIRO – O candidato democrata Barack Obama é o novo Kennedy? FRANCISCO LUZÓN – Poderia ser. Até agora, ele catalisou uma necessidade de mudança dos Estados Unidos.
DINHEIRO – Ele traria mudanças positivas para a América Latina? LUZÓN – Não sei. Sempre distingo o discurso pré-eleitoral do presidencial. Tanto Obama quanto John McCain têm discursos bem conservadores, não me parece que a América Latina voltará a ser um foco de prioridade para os EUA. A região tem condições de atuar como um bloco e com líderes concretos. O Brasil e o México têm tido um papel importante e, com o desenvolvimento, pela primeira vez as condições estão armadas para a criação de um bloco de países emergentes latino-americanos. Um bloco com voz própria na cena mundial
DINHEIRO – E quem seria o líder?
LUZÓN – O presidente Lula, sem dúvida.
DINHEIRO – O Hugo Chávez já não é um porta-voz da região?
LUZÓN – O presidente Chávez nunca foi porta-voz. É um “alta voz”. Mas, no mundo financeiro e econômico, as vozes mais ouvidas são as do Brasil, México e Chile.
DINHEIRO – O sr. defende um pacto público-privado no Brasil. Que tipos de compromissos poderiam ser assumidos?
LUZÓN – É preciso haver um consenso político para prosseguir com as reformas necessárias e aproválas no Congresso. Mas somente as leis não acabam com os problemas. É necessário um amplo entendimento institucional entre trabalhadores, empresários e o governo. A inflação exige comportamentos responsáveis. O governo tem de adotar políticas fiscais prudentes e uma política monetária adequada, mas isso é insuficiente. Tem de haver um entendimento entre o mundo dos negócios e a sociedade civil. Em economias que ficam maduras, como a do Brasil, essas diversas instâncias de cidadania se manifestam. E não apenas por meio do Congresso, mas pelas vozes dos trabalhadores e empresários. O Brasil é muito ativo nesse ponto. Por isso, defendo alianças institucionais para produzir crescimento, empregos e salários em níveis razoáveis.
DINHEIRO – Nas negociações salariais com inflação em alta, como escapar da armadilha da indexação?
LUZÓN – Como fizemos na Espanha: com negociações sérias, muito sérias, entre os sindicatos e as empresas. Não ficamos apenas no curto prazo, mas negociamos com horizonte no médio prazo, cuidando para que os aumentos de salários fossem acompanhados do aumento de produtividade. É preciso ancorar as expectativas de inflação.
Uma onda forte de aumentos salariais iria alimentar o processo inflacionário no Brasil. É preciso conduzir bem esse processo e isso não se faz com um decreto do presidente Lula nem com o desejo do [presidente do Banco Central] Henrique Meirelles.
É preciso um pacto social. Isso vai se impor em todos os países. Na Espanha, começaram as negociações entre sindicatos, empresas e governo.
DINHEIRO – Henrique Meirelles vai deixar o Banco Central em 2009 e deverá se candidatar a algum cargo público. Essa mudança no BC nesse momento delicado da economia global pode significar alguma alteração na política econômica do governo?
LUZÓN – Não acredito. O presidente Lula me disse muitas vezes que tem consciência do problema da inflação.
Ele vem de uma família pobre e sabe o que significa a inflação sobre os salários. Estou convencido de que ele manterá a autonomia do Banco Central. Isso não me preocupa.
DINHEIRO – Um dos possíveis sucessores do Meirelles seria Fábio Barbosa, presidente nomeado do Santander no Brasil.
LUZÓN – Espero que não (risos). Estamos muito contentes com o Fabio, ele tem uma grande tarefa no Santander Real ou Real Santander. Estamos convencidos de que fará um ótimo trabalho. Ele irá se apaixonar tanto pelo trabalho que, se algum dia for convidado para esse cargo, espero que não aceite.
DINHEIRO – Por que a escolha de Barbosa para comandar o banco no Brasil?
LUZÓN – Porque é um grande banqueiro, faz um trabalho sensacional. Sempre que nos defrontamos com essa situação temos que escolher alguém. O Gabriel Jaramillo [ex-presidente local do Santander] está ocupando uma posição muito importante no grupo, é conselheiro do presidente Botín. Tenho certeza de que exercerá um papel importante na organização em outros países.
DINHEIRO – Nos Estados Unidos?
LUZÓN – Por exemplo.
DINHEIRO – Quando o Santander vai comprar o Citigroup?
LUZÓN – Ufff! Como diria o presidente Botin, temos muito crescimento orgânico. O banco tem muito claro o que quer e o que não quer. Somos um banco comercial e nos interessa esse tipo de instituição. Por isso compramos o Real e outros. Não creio que o Citibank se encaixe em nosso modelo.
DINHEIRO – No Brasil, diz-se que quanto mais alto, maior o tombo. O Santander está presente em vários países e continua com projeções de crescimento de 25% ao ano. Como vai se precaver dos efeitos da crise global?
LUZÓN – O ponto forte do Santander é a gestão de riscos. Fazemos isso extraordinariamente bem. Temos uma reunião da Comissão Executiva toda segunda-feira de manhã e dedicamos 80% do tempo para discutir riscos. Com ou sem crise, fazemos isso o ano todo. O banco é consciente de que o grande risco é uma má gestão de riscos. Temos tido muito sucesso nessa questão, pois mantemos o pé no chão. Passo 180 dias por ano na América Latina. Antes de comprar o Banespa, eu já conhecia São Paulo, fazia viagens de helicóptero. Estamos próximos das coisas. Também estamos próximos da compreensão dos governos. Sou uma espécie de embaixador na América Latina, tenho relações com todos os governos. Vou à Venezuela, falo com o governo e com a oposição, com os sindicatos. Isso é muito importante para interpretar os países. Estamos muito juntos do terreno e isso explica por que estamos tão bem. Somos um banco comercial e não fazemos coisas que não entendemos. Somos austeros. Estamos confortáveis com essa situação. Planejamos muito e implementamos, não somos um banco de feeling.
DINHEIRO – Que tipo de mudanças podemos esperar para o banco no Brasil, nos próximos três anos?
LUZÓN – Vamos explicar o plano de integração [do Santander com o Real] em outubro. Temos alguns postulados básicos. O primeiro é que o Brasil é fundamental, é a jóia da coroa do grupo nos próximos três anos. Vamos investir o que for necessário, pois é um mercado estratégico. Segundo, a integração será natural. Não fecharemos agências nem faremos demissões em massa.
Quando compramos o Banespa, em 2000, sabíamos que haveria uma forte redução. Agora é diferente. Temos uma vantagem para crescer.
DINHEIRO – O Banco do Brasil negocia a compra de bancos estaduais, como a Nossa Caixa. O que pensa disso?
LUZÓN – Gostaríamos que não fosse assim, que houvesse leilão e todos tivessem as mesmas oportunidades. Gostaríamos que o Banco do Brasil trabalhasse com as mesmas armas da banca privada, sem vantagens.
DINHEIRO – O BB tem um diferencial, que é a presença do Estado. LUZÓN – Posso entender que durante um tempo isso seja assim. Em 1988, quando cheguei à banca pública da Espanha, ela tinha um papel importante. O Brasil tem a Caixa Econômica Federal e o BB, mas que tenha também o Bradesco, o Itaú, o Unibanco, o Santander. Eu gosto da morfologia do sistema financeiro brasileiro, mas o ideal é que o País avance para uma situação sem discriminação. Se a CEF quer competir com os bancos privados, tem que ser com as mesmas armas.
Esse momento chegará, como aconteceu na Espanha. Hoje não estamos especificamente preocupados com isso.
“Se for convidado (para presidir o Banco Central), espero que não aceite” Fábio Barbosa, presidente do Santander no Brasil |
DINHEIRO – Por que não?
LUZÓN – Porque acreditamos que as possibilidades de bancarização no Brasil são enormes. O País pode ter um crescimento anual de 20% consistentemente e por vários anos. Não somente de negócios, mas também das bases de clientes.
DINHEIRO – Por quanto tempo?
LUZÓN – Dez anos. Cada ano, com o crescimento da economia e a baixa inflação, a bancarização aumentaria em termos reais. Em dez anos, a relação crédito/PIB deveria chegar a 70%, 80%. Hoje, está em 40%.
DINHEIRO – Quais são os investimentos necessários para o Brasil ter crescimento sustentável?
LUZÓN – A redução da pobreza é essencial. É condição sine qua non. Temos que investir em infra-estrutura, capital humano e tecnologia. O País tem um plano de infra-estrutura que está andando. Há um interesse enorme da comunidade internacional e seria bom que o PAC não parasse. No capital humano, há muito mais a ser feito. O Brasil está posicionado em temas de inovação. A Universidade de São Paulo e a Unicamp estão no ranking das melhores universidades pesquisadoras. É preciso continuar fazendo muito e o País tem condições disso.
DINHEIRO – O Fluminense chegou à final da Copa Santander Libertadores, mas perdeu na final para o LDU do Equador, no Maracanã. O Brasil não corre esse risco de morrer na praia mais uma vez?
LUZÓN – Não. Sinceramente, acredito que as instituições brasileiras são muito fortes. É verdade que há problemas de corrupção, mas o fato é que a Polícia Federal funciona, o Supremo Federal também. Isso é muito importante para um país que quer chegar a algum lugar. Acompanho com tranqüilidade o panorama político no Brasil, há muitos políticos importantes e com capacidade. Não vejo razão para o país descarrilar. Em dez anos, o Brasil será uma potência.