08/02/2006 - 8:00
“A queda de Saddam fez renascer o espírito empreendedor dos iraquianos”
“Há 200 novos projetos só no setor de energia, ao custo total de US$ 11 bilhões”
DINHEIRO ? Quando surgiu a idéia de montar a Câmara Brasil-Iraque?
JALAL CHAYA ? Logo após a queda do regime. Ainda mantenho muito contato no Iraque e, sabendo da necessidade de reconstrução do meu país e principalmente do comércio que houve entre Iraque e Brasil no passado, me foi solicitado alguns trabalhos de intercâmbio comercial. A idéia é tentar levar o Brasil de novo ao mercado iraquiano. E resgatar o relacionamento comercial que já existiu no passado entre as duas nações. Antes, não havia Câmara de Comércio. Durante o regime de Saddam, o governo era responsável por 95% das compras internacionais. Ele negociava diretamente. A câmara, agora, atua como captadora de oportunidades.
DINHEIRO ? Como era a relação comercial?
JALAL ? O Brasil foi um grande parceiro na década de 80. A balança comercial entre os dois países era de US$ 2,4 bilhões, superavitária para o Iraque. Hoje, está em torno dos US$ 700 milhões, deficitária para o Brasil em cerca de US$ 600 milhões.
DINHEIRO ? Sua função é retomar o patamar da década de 80?
JALAL ? Sim. O Brasil está muito atrasado em retomar as negociações com nosso país. A reconstrução do Iraque está em curso e o Brasil se apresenta pouco enquanto outros países vão fechando contratos e absorvendo grande parcela dessa reconstrução. O trem está passando e poucos brasileiros entram nele.
DINHEIRO ? Mas já não existem empresas brasileiras participando do processo de reconstrução?
JALAL ? Na área de construção civil, a Odebrecht já está entregando obras. Na primeira semana após a queda do regime, a empresa estava lá montando escritório e ganhando concessão de obras públicas, que serão feitas em parceria com americanos. A Cosam está fornecendo açúcar e a Embraer negocia com a Iraq Airways. Outro bom caso é do Petrobras. Em abril do ano passado, trouxemos a primeira delegação do ministério do petróleo para o Brasil. Eles ficaram impressionados com o know-how da Petrobras no segmento de exploração horizontal e assinaram um protocolo de cooperação com a empresa.
DINHEIRO ? Como é essa exploração horizontal?
JALAL ? No subsolo iraquiano. São vários campos petrolíferos embaixo de cidades. O equipamento fura a terra verticalmente, a quilômetros de distância, e depois entra na horizontal, capturando o óleo. Isso evita a desapropriação nas cidades. É um grande contrato para a Petrobras e uma chance para que ela firme seu nome no país. Para se ter uma idéia, o Oeste do Iraque não foi explorado. Estimativas americanas dizem que a reserva que tem lá é igual à reserva atual do Iraque. Portanto o país teria o dobro do que tem hoje. Hoje, o Iraque é a segunda maior reserva de petróleo do mundo, atrás da Arábia Saudita. Só que ficamos 15 anos sem exploração. Portanto, nossa reserva já deve ter passado a da Arábia Saudita.
DINHEIRO ? Empresas de médio e pequeno porte também têm espaço na reconstrução do Iraque?
JALAL ? Em setembro de 2005 realizamos na Jordânia a feira ?O Brasil na reconstrução do Iraque?. Estiveram presentes empresas brasileiras de grande, médio e pequeno porte. O Sindicato de gesso de Pernambuco, por exemplo, se tornou fornecedor na área de construcão civil. Até uma fábrica de vender máquinas para padaria esteve na feira. O Iraque precisa de tudo. Mas o Brasil tem que se mexer mais, entrar no jogo.
DINHEIRO ? Como o investidor e o governo brasileiro deveriam agir para estreitar os laços com Iraque?
JALAL ? Deveriam se focar mais nesse novo mercado de 30 milhões de habitantes e dono da segunda maior reserva de petróleo do mundo. O Brasil tem plenas condições de entrar e concorrer em qualquer segmento. E existe uma nítida preferência do Iraque pelo Brasil. O primeiro compromisso internacional do presidente Jalal Talabani foi aqui. Em julho do ano passado, houve uma conferência na Europa e o próprio Talabani requisitou a presença do Brasil, que não estava na Lista. Era uma reunião só com a comunidade européia e o Iraque. Talabani pediu e o Brasil foi convidado. É um indício de que as portas estão abertas, mas o Brasil precisar querer entrar. Recentemente, houve um episódio que mostra a letargia do governo brasileiro nas relações com o Iraque. O ministro dos transportes, Alfredo Nascimento, sabia do interesse das empresas Promom e Engevix em participar do projeto de modernização do metrô de Bagdá, que elas mesmas construíram há duas décadas. Pois Nascimento solicitou ao Itamaraty que convidasse o ministro dos transportes iraquiano para uma visita ao Brasil. O convite não saiu. É uma pena. O ministro não tem só o Metrô para oferecer. Tem projetos com a Iraq Airways, a ferrovia Bagdad-Bassra e estradas que serão recuperadas.
DINHEIRO ? Quais as áreas de maior potencial?
JALAL ? Como disse, o Iraque precisa de tudo. Com 15 anos de embargo e mais 20 de ditadura e com todas as compras concentradas nas mãos do governo, a infra-estrutura ficou em frangalhos. Veja o caso das telecomunicações. Logo que caiu o regime, entraram três empresas no Iraque. O iraquiano, antes, não tinha antena parabólica nem celular. Estudos mostram que na área de telefonia celular é possível vender em um ano oito milhões de aparelhos. Além das telecomunicações, toda a parte de infra-estrutura, como construção, saneamento e energia, necessita de investimentos.
DINHEIRO ? Há um cálculo de quanto o Iraque teria de investir em infra-estrutura?
JALAL ? US$ 56 bilhões em compras. Para a área de Petróleo, US$ 38 bilhões. Para saneamento, US$ 6,7 bilhões e o restante, no segmento de energia.
DINHEIRO ? Como está a questão de energia elétrica no país?
JALAL ? O Iraque tinha falta de energia elétrica, o que, além de ser um caos para a população, atrapalhava a chegada de mercadorias. O fornecimento de alimentos sempre foi um problema. Os países tinham que exportar para os vizinhos de fronteira do Iraque, que repassavam os alimentos a nosso país diariamente. Em algumas regiões, eram apenas três ou quatro horas de abastecimento de energia. Hoje, está melhor. A própria Odebrecht entregou uma termelétrica no Norte do Iraque e uma linha de transmissão. Existem 200 projetos novos para o setor de energia.
DINHEIRO ? Há, de alguma forma, favorecimento a empresas americanas nos processos de licitação?
JALAL ? Não. As concorrências são feitas como em qualquer outra parte do mundo.
DINHEIRO ? A política de descentralização do governo vem estimulando o empreendedorismo dos iraquianos?
JALAL ? Na época da ditadura, muitos iraquianos fugiram do país. Fizeram suas vidas no exterior, tornaram-se empresários e agora estão voltando. Outros ficaram no Iraque, mas adormecidos. A queda do Saddam fez ressurgir o espírito empreendedor dos iraquianos. Uma empresa local acabou de ganhar uma licitação para a construção de cinco mil casas populares e agora busca sócios estrangeiros para a empreitada. O bom é que esse processo conta com o apoio do governo. A primeira medida do novo governo foi buscar parceiros para projetos em vários segmentos. Claro que essa transição não acontece da noite para o dia. Mas os esforços estão sendo feitos. A importação de carros é um bom exemplo. Era o governo que importava, mantinha a rede de distribuição e fazia a manutenção. Ele começou a abrir espaço para os grupos privados. Obviamente que nenhuma empresa chega e assume essa estrutura. Em princípio, o que eles estão fazendo é uma joint-venture para dividir esse mercado. A empresa privada cuida da importação e de parte da rede de distribuição, enquanto o governo ainda arca com a manutenção. E parcerias assim estão sendo feitas em outros segmentos da economia.
DINHEIRO ? Uma espécie de PPP iraquiana?
JALAL ? Sim. Mas a agilidade do governo vai por fim a isso. Trata-se de um governo permanente, soberano e que terá mandato de quatro anos. Em fevereiro, serão nomeados os ministros e o primeiro ministro, formando o parlamento. Temos uma nova constituição e o governo agora conta com representantes curdos, sunitas, cristãos e xiitas. É um novo Iraque, com voz para todas as etnias.
DINHEIRO ? Você acredita nessa convivência pacífica dentro do governo?
JALAL ? Claro que sim. Há a firme intenção de mudar o Iraque. Não é a minoria rebelde que está no governo. São todos os povos. Dentro de cada casa iraquiana tem sunita, tem xiita, curdo. Dá para conviver pacificamente. E o número de pessoas que participaram das eleições mostra que os iraquianos querem a democracia.
DINHEIRO ? Já existem estudos sobre crescimento econômico do Iraque?
JALAL ? O projeto de aumento de produção de petróleo é um bom indicativo. Em três anos eles querem chegar a 5 milhões de barris. Hoje, a produção é de 2,2 milhões de barris. Isso mostra o crescimento que vem por aí.
DINHEIRO ? A renda da população aumentou?
JALAL ? O salário mínimo é de US$ 500. Na época do Saddam era de US$ 2.
DINHEIRO ? Qual o risco de investir no Iraque?
JALAL ? Financeiro, não existe. O que o país mais tem é dinheiro e todos os negócios têm garantia de bancos de primeira linha. A parte de segurança física no Norte e no Sul do Iraque está sob controle. O problema é a região central, com conflitos. Mas isto será corrigido.
DINHEIRO ? Episódios como o desaparecimento do engenheiro da Odebrecht e a morte de jornalistas não estariam afugentando empresas internacionais? Como convencer alguém a se estabelecer no Iraque de hoje?
JALAL ? O Paulo Suferdini, vice-presidente da Odebrecht, vive viajando para o Iraque. Nosso diretor da Câmara de Comércio é um americano que mora lá desde a queda do regime. E várias empresas estão montando escritórios no Sul e Norte do Iraque. Esses tristes episódios que você citou aconteceram em regiões de conflito, que devem ser evitadas. Mas regiões perigosas existem em vários países