14/11/2007 - 8:00
“A capacidade de assimilar culturas diferentes explica o sucesso de Alain Belda, da Alcoa”
“Vicente Fox, exdirigente do México, inovou ao usar headhunters para recrutar os auxiliares”
DINHEIRO ? Diversos empresários brasileiros já reclamam da falta de mão-de-obra qualificada. O sr. acredita que esse tipo de problema possa afetar o crescimento do País?
STEVE INGHAM ? Sem dúvida. E o Brasil não é um caso isolado. O mesmo vem acontecendo em outros países emergentes e até mesmo nas nações desenvolvidas cujas economias estão aquecidas. O fato é que nenhum país dispõe de todos os talentos de que necessita.
DINHEIRO ? Mas como resolver essa questão quando sabemos que a maioria dos países possui regras rígidas para concessão de vistos de trabalho? INGHAM ? Creio que cada país deve ter uma política de imigração destinada a atender a seus próprios interesses. Isso é natural porque do contrário teríamos sérios problemas. Contudo, eu penso que as regras têm de levar em conta as necessidades da economia. Já ficou claro que para crescer é preciso um estoque de capital humano nem sempre disponível nos limites da fronteira nacional. Isso vale para a China, para a Índia, para os Estados Unidos e também para o Brasil.DINHEIRO ? Qual o perfil ideal do executivo em um mundo globalizado? INGHAM ? Isso depende de cada setor. Se tomarmos a Michael Page como exemplo, posso dizer-lhe que o que valorizamos em um profissional é a visão estratégica, o conhecimento de diferentes culturas, além da capacidade de trabalhar em grupo.
DINHEIRO ? Os executivos brasileiros estão preparados para participar desse jogo?
INGHAM ? Nunca tive a oportunidade de entrevistar candidatos brasileiros nem participei de seleções por aqui. Contudo, pelos relatórios preparados pela minha equipe, creio que sim. Uma das melhores características dos brasileiros ? especialmente do profissional em estágio médio da carreira ? é a agressividade e a competitividade. A vontade de evoluir na carreira fica evidente quando vemos o grande número de profissionais que buscam cursos de MBA no Exterior ou que se dedicam a aprender um novo idioma. Os brasileiros, de um modo geral, têm uma excelente capacidade de se adaptar às demais culturas. É uma postura semelhante à dos britânicos. Não é à-toa que diversos executivos brasileiros, como Carlos Goshn (presidente mundial da Renault), Henrique Meirelles (ex-presidente mundial do BankBoston e atual presidente do Banco Central do Brasil), além de Alain Belda (que comandou a Alcoa), galgaram posições de destaque no cenário mundial.
DINHEIRO ? O sr. acredita que existe alguma ?barreira natural? que impeça a ascensão de executivos oriundos de nações emergentes?
INGHAM ? Não creio. Talvez há 20 ou 30 anos esse tipo de diretriz pode ter sido adotado em alguma corporação. Mas isso nunca foi a regra. E hoje não existe mais espaço para esse tipo de barreira. As companhias de sucesso querem atrair os melhores profissionais, independentemente de cor, raça, gênero ou orientação sexual.
DINHEIRO ? Mas, então, por que pouquíssimas mulheres, por exemplo, assumem posições de destaque no mundo corporativo?
INGHAM ? Acho que muitas mulheres não chegaram ao topo por uma decisão pessoal de privilegiar a família e a maternidade e acabam investindo menos na carreira. Isso não significa dizer que uma coisa exclui a outra. Na Michael Page temos duas diretoras seniores que são casadas e têm filhos.
DINHEIRO ? Como o sr. vê a questão da diversidade nas empresas? Existem, de fato, vantagens competitivas em implantar esse tipo de política? INGHAM ? Sem dúvida. Empresas com operação global, como a Michael Page, devem explorar ao máximo a diversidade. Se optássemos apenas por um tipo padrão, levando em conta os britânicos, nossa competitividade seria menor até mesmo em nosso principal mercado, que é o Reino Unido. Londres é uma cidade cosmopolita e nossa empresa tem de refletir isso. Veja que coisa interessante: nossos funcionários, na sua maioria, são de outras nacionalidades. E não fazemos isso para ganhar prêmios outorgados por ONGs ou universidades. Mas sim por acreditar na diversidade como um valor importante.
DINHEIRO ? O sr. está dizendo, então, que as empresas devem refletir a cara dos clientes e da sociedade na qual operam?
INGHAM ? Sem dúvida. Vivemos em uma sociedade multifacetada e as corporações têm de caminhar na mesma direção.
DINHEIRO ? E esse tipo de política tem impacto nos resultados de uma corporação?
INGHAM ? Com certeza. As empresas devem ser orientadas ao lucro, mas sem abrir mão da responsabilidade social corporativa, que é um ativo importante. O engajamento em ações sociais, por exemplo, ajuda a aumentar o espírito de união do grupo. Um bom exemplo é a participação de nossos funcionários na maratona de apoio à luta contra o câncer de mama, ocorrida recentemente em Londres. Eles sentiram-se orgulhosos por ter ajudado a arrecadar 250 mil libras para as ONGs que atuam nesse campo.
DINHEIRO ? E como o sr. vê as empresas que selecionam os candidatos a partir de critérios, digamos, pouco ortodoxos, como mapa astral e testes grafológicos?
INGHAM ? Nós só usamos a técnica da grafologia quando o cliente pede. Não recomendo esse tipo de prática e em 20 anos de atuação jamais vi alguma empresa recorrer a essa técnica como sendo uma forma, de fato, efetiva para definir a contratação. Pessoalmente, eu acho que o melhor jeito de saber se o candidato é ideal para o cargo é avaliando aspectos como experiência profissional e capacidade de trabalhar em equipe. E isso pode ser feito através do contato pessoal. Por que não passar um dia interagindo com esse profissional para ver se existe empatia? O que me surpreende é que muitos clientes optem por métodos muito formais de entrevista, que nem sempre são os mais recomendáveis.
DINHEIRO ? Qual a importância do Brasil na estratégia mundial da Michael Page?
INGHAM ? Trata-se de um país onde existem enormes oportunidades para o setor de recrutamento, especialmente no segmento de suporte à gestão (assistentes, analistas e técnicos), com salário mensal de até R$ 5 mil. É por isso que estamos trazendo para cá a divisão Page Personnel, que só existe em sete países da Europa e colabora com 30% de nossas receitas globais de 649,1 milhões de libras (R$ 2,7 bilhões). Se levarmos em conta apenas São Paulo, dá para avaliar a quantidade de dinheiro que circula na economia brasileira. E o melhor é que não existem concorrentes ao nosso trabalho.
DINHEIRO ? E no que a Michael Page é diferente das demais companhias do setor?
INGHAM ? Temos uma linha de ação totalmente única, especialmente no segmento da Page Personnel. Os consultores também não recebem comissão pelos candidatos que eles selecionam e colocam no mercado. Nosso compromisso é prestar uma consistente assessoria ao profissional, baseada no que é melhor para cada candidato. Até porque a tendência é que o cliente de hoje seja nosso contratante amanhã, já que apostamos em pessoas com grande potencial de evolução na carreira. Quando comparamos com o Reino Unido, onde 80% de todas as contratações do setor privado são feitas pelas 13 mil empresas do setor de recolocação, fica evidente que existem muitas oportunidades a serem exploradas no Brasil.
DINHEIRO ? E o sr. está satisfeito com o resultado da filial brasileira? INGHAM ? Sem dúvida. Estamos crescendo a uma taxa espetacular por aqui. Tivemos um avanço de 64,3% na divisão Américas, que inclui Brasil, Estados Unidos e México. Apenas no Brasil, o número de executivos selecionados e contratados por nossos clientes deverá atingir 2,3 mil, um salto de 53% em relação a 2006. Temos escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas (SP) e acabamos de abrir uma filial em Curitiba (PR). E isso é só o começo. Nossa prioridade para 2008 é ampliar as operações para Belo Horizonte (MG). Mas há um número enorme de cidades de porte médio do interior do País cujo dinamismo econômico justifica a instalação de uma filial da Michael Page. E nós vamos em busca de todas essas oportunidades.
DINHEIRO ? A Michael Page pretende buscar oportunidades nos demais países do continente?
INGHAM ? O Brasil é a prioridade número um na América do Sul. Queremos fazer do País nossa base de crescimento. Posso lhe adiantar que temos planos de avançar em direção à Argentina, ao Chile e outros mercados da região. Mas, antes disso, vamos consolidar nossa presença aqui no Brasil.
DINHEIRO ? O uso de consultorias para seleção de funcionários públicos de alto escalão, como fez Vicente Fox, ex-presidente do México, pode tornar a gestão pública mais eficiente em países como o Brasil?
INGHAM ? De um modo geral, os governantes sempre têm como meta a reeleição. E isso normalmente só é possível quando eles conseguem cumprir as promessas de campanha, obtendo bons resultados nas áreas definidas como prioritárias. A melhor forma de fazer isso é usando o dinheiro público com eficiência. Para ter o melhor sistema público de ensino ou de saúde, por exemplo, é preciso construir instalações de qualidade e contratar os melhores profissionais. E uma das formas de encontrar esses profissionais é recorrendo aos mecanismos de mercado. O ex-presidente do México, Vicente Fox, inovou ao optar por essa via.