25/05/2015 - 18:00
Há pouco mais de um mês, o engenheiro carioca Claudio Haddad deixou a presidência do Insper, o instituto privado de ensino e pesquisa com sede em São Paulo, fundado por ele em 1999, originalmente com o nome de Ibmec. Durante 16 anos, ele acumulou a função executiva com a cadeira principal do Conselho de Administração. Agora, ele fica só com a função de orientação estratégica e o economista Marcos Lisboa, que foi vice-presidente do Itaú Unibanco, com a execução do negócio. Haddad é um apaixonado por educação. Sócio do Banco Garantia entre 1983 e 1998, ele, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira entendiam que o ensino era a única maneira de melhorar os principais índices da economia brasileira. Foi assim que o Insper foi criado, seguindo o exemplo das melhores universidades americanas, que têm como base o financiamento privado com a colaboração de empresas e ex-alunos. Nesse período à frente da instituição de ensino, Haddad tem mostrado preocupação com o nível de educação no País. “Ainda estamos no meio de uma tragédia nacional”, diz ele. O futuro da economia segue o mesmo tom de apreensão. “O conteúdo nacional não tem o menor cabimento num mundo onde as grandes cadeias estão integradas.” Nesta entrevista, Haddad indica as saídas para o Brasil voltar ao jogo global dos negócios.
DINHEIRO – O sr. sente que a confiança no Brasil está de volta?
CLAUDIO HADDAD – De uma certa maneira, sim. Não estou subestimando o esforço de ajustamento que deve ser feito, mas a parte macroeconômica é a menos importante. No final das contas, se acerta. O Banco Central voltou a ter metas, o câmbio está mais flexível e o esforço fiscal vai acabar sendo feito, claro que a duras penas. O Brasil não vai perder o grau de investimento. Mas não acho essa parte a mais complicada, porque todos conhecem a receita. O problema fundamental é a parte micro. São todas as reformas que precisam ser feitas para melhorar a produtividade, a taxa de investimento e aumentar a poupança, para que o País possa voltar a crescer a taxas mais elevadas. Essa é a grande agenda.
DINHEIRO – Mas o ajuste é fundamental, não?
HADDAD – Claro, sem o ajuste macro, com inflação alta e problemas aqui e ali, não se vai resolver a outra parte. Mas quem acreditava que só a macro resolvia, com a visão keynesiana de aumentar o gasto público, assistiu ao desastre dessa política praticada nos últimos cinco anos. É preciso uma agenda de reformas, com foco, que vai passar por educação, produtividade e priorizar uma política de Estado e não de um governo, que desfaz tudo o que acha que o anterior fez de errado, para começar do zero. Esse tem sido o nosso drama. Damos quatro passos à frente, e dois para trás. Tem de acabar com esse joguinho de criança e ter continuidade, foco e responsabilização. É o que as empresas privadas bem-sucedidas fazem, não há nenhuma mágica.
DINHEIRO – Qual é a importância de promover uma abertura da economia?
HADDAD – Absolutamente fundamental. O Brasil ainda é uma economia extremamente fechada ao exterior. Acredito firmemente em copiar coisas que dão certo adaptando para a realidade brasileira. Esse negócio de reinventar a roda e ser auto-suficiente não tem o menor sentido. Para isso é preciso troca de ideias. Por exemplo, ainda é complicado contratarmos professor estrangeiro. Estamos montando um programa de doutorado totalmente em inglês. Para o aluno do exterior ter seu diploma de doutorado reconhecido no Brasil é preciso que ele tenha primeiro o diploma de graduação reconhecido. Quando fui fazer meu doutorado em Chicago, nos Estados Unidos, ninguém se preocupou com o meu diploma de graduação no Brasil. Então, existe uma série de barreiras burocráticas totalmente sem sentido que tornam a internacionalização muito complicada para o Brasil, que precisa urgentemente abrir mais sua economia.
DINHEIRO – É possível o Brasil desenvolver gênios como os que criaram o Facebook e o Google?
HADDAD – Acreditamos nisso e nossa missão é essa. O curso de engenharia que montamos é para criar esse ecossistema em São Paulo, entre empreendedores, criadores, financiadores e academia. O brasileiro é muito criativo. Então, se tivéssemos um ambiente de negócio mais atrativo teríamos visto mais empresas sendo formadas. Mas o Brasil se agarrou ao passado na política industrial, seja aos grandes projetos ou à restrição de importações. O mundo mudou e se um país não estiver integrado nas grandes cadeias produtivas, está fora do jogo. Querer a auto-suficiência ou pensar no conteúdo nacional não tem o menor cabimento. Tem de fazer com que as empresas comprem equipamentos mais baratos, porque se não tiver nível de competição internacional estão perdidas. Tem de desenvolver cérebro, capacidade de pensamento e criação. O processo de fabricação está cada vez mais automatizado.
DINHEIRO – O que impede o aumento de produtividade, no Brasil?
HADDAD – Houve uma época em que a produtividade aumentou bastante, no Brasil, mas depois estagnou e parou. Existem empresas altamente produtivas, mas a média não é. Produtividade envolve comprometimento e foco, bem como decidir se o País quer realmente crescer a taxas mais elevadas. Por que uma coisa é dizer da boca para fora que queremos crescer e outra é fazer as escolhas certas, entre os investimentos e as políticas de Estado. Há um problema com os incentivos corretos. Até certo ponto políticas boas de distribuição ajudam o crescimento, como a educação. Mas, simplesmente, distribuir dinheiro sem incentivo para que a pessoa melhore ou que fique mais produtiva no trabalho é tirar dinheiro do setor que produz. É praticamente jogar dinheiro fora. Há, no Brasil, uma quantidade enorme de recursos que são jogados fora em projetos mal estruturados, como aconteceu com a Petrobras. São projetos que não são medidos e cujo impacto deles é desconhecido.
DINHEIRO – O sr. enquadra o BNDES nessa análise?
HADDAD – Quantos bilhões de reais o BNDES gastou e o que isso resultou em aumento de investimento e produtividade no Brasil? Essa pergunta não é feita. Gastaram-se dezenas de bilhões de reais, mas qual é o resultado? Hoje, ele é o maior banco de desenvolvimento do mundo. No entanto, nos indicadores o Brasil vai mal. O ambiente de negócios é o 120º do ranking, segundo o Banco Mundial, a produtividade está estagnada, assim como a educação. A renda per capta no Brasil cresceu menos de 1,5% ao ano, desde 1990. É pouquíssimo. Nossa renda per capita é de US$ 13 mil. Na Europa Continental, a renda mais baixa, de Portugal, está próxima de US$ 30 mil. Há interesse em fechar essa diferença? Pelo que se faz, parece que não. Se a renda per capita dobra em 50 anos, vamos continuar abaixo do que Portugal é hoje. Então, é triste ver que o Brasil estava no mesmo nível da Coréia do Sul, que deslanchou, enquanto ficamos para trás.
DINHEIRO – O problema foi não priorizar a educação?
HADDAD – Se o Brasil tivesse se esforçado com a educação há 30 anos, teríamos tido resultados agora. Porque educação é um processo muito lento, que exige continuidade. Foi o que os países asiáticos fizeram. A Coréia do Sul teve continuidade e seus índices, que eram iguais aos do Brasil, no início dos anos 1960, estão muito melhores. Não só a educação melhorou, mas atualmente a renda per capita da Coréia é quase quatro vezes maior do que a do Brasil.
DINHEIRO – O governo não gosta de comparar o Brasil com nenhum outro país.
HADDAD – Esses exemplos nunca são considerados pelos formuladores brasileiros. Sempre se procura desqualificá-los. O Chile é pequeno, do tamanho do Rio Grande do Sul. Portugal é pequeno. Mas a China é grande, como nós, e veja o progresso que eles fizeram nos últimos anos. Por acaso, a desculpa é que lá é outro regime? Sempre tem alguma coisa diferente. Em vez de correr atrás e efetivamente colocar foco.
DINHEIRO – O Fies foi uma boa política de governo?
HADDAD – A intenção de financiar a educação é boa. Mas não da maneira como o programa foi feito, sem a devida precaução em termos de volume de recursos que seriam alocados no sistema de incentivos envolvidos. Chegamos numa situação em que virou uma bola de neve e o governo teve de intervir, porque, de fato, estava começando a comprometer o orçamento público. Acho que deve ser mantido, porém reformulado para garantir que as pessoas com talento possam estudar, com uma taxa subsidiada. Mas que não seja tão subsidiada como era a taxa do Fies, que era praticamente de graça, de 3,5% ao ano. O Banco Central paga mais de 13% de juros pelos títulos públicos, uma diferença gigantesca. O governo está procurando fazer isso, e precisa haver diálogo com as entidades privadas para que se chegue a uma solução.
DINHEIRO – Como o sr. avalia a troca de ministros na pasta da Educação?
HADDAD – O Cid Gomes teve uma experiência muito bem-sucedida em Sobral. Ele realmente participou, idealizou e os indicadores da educação no município cearense melhoraram bastante. Ele assumiu o MEC com um discurso que parecia bastante animador. Houve o incidente na Câmara dos Deputados (o ex-ministro bateu boca com a bancada do governo) e ele saiu. Não conheço o novo ministro Renato Janine. Ele parece ser uma pessoa bastante respeitada, um pensador. Vamos ver a capacidade de gestão dele, que é fundamental. Pelo que ele tem dito, as ideias são corretas, parece com vontade de acertar. Está tudo muito positivo, mas o problema é fazer acontecer.
DINHEIRO – Por que é tão difícil gerir uma universidade pública como a USP?
HADDAD – A gestão de uma entidade acadêmica grande tem os seus desafios, e a de uma entidade pública tem as suas restrições, como concurso, estabilidade, rigidez orçamentária, regras diversas, que a tornam um pouco mais complicada. Além disso, tem a governança com o sistema de reitores eleitos por corpo docente, discente e funcionários. Se chegar em Harvard e disser que o presidente vai ser eleito dessa maneira, eles vão achar que é loucura. Lá é um sistema de Conselho, como numa empresa privada, que busca os melhores a serem escolhidos. Aqui, não. Precisa ser da própria universidade, então já existe um viés de seleção, e tem de ser alguém popular para esses três fóruns. Esse é um fator que perturba porque não tem necessariamente a ver com a qualidade acadêmica. O modelo é muito parecido com a Europa Continental, onde existem poucas universidades consideradas de excelência no mundo. Hoje, as universidades de ponta são inglesas ou americanas. Mas é realmente complicado quando 105% do orçamento está comprometido com despesas correntes. No Insper, queremos ter superávit operacional. Não somos governo e não acreditamos em déficit.