11/12/2002 - 8:00
DINHEIRO ? A Fiat demitiu 8 mil empregados na Itália e fala-se que pode ser vendida para a GM. Qual é o futuro da empresa?
ALBERTO GHIGLIENO ? Cerca de 60% das vendas da Fiat estão concentradas na Itália, onde o mercado caiu muito, mais do que em outros lugares. Mas a companhia tem um plano concreto de recuperação que já foi apresentado aos empregados, acionistas, fornecedores, bancos, enfim a todos os nossos parceiros. Infelizmente, a reestruturação tem uma parte triste, a demissão de 8 mil pessoas, mas é o mesmo processo que outras montadoras estão passando e vamos superar nossos problemas.
DINHEIRO ? Como a Fiat pretende sair da crise?
GHIGLIENO ? Vamos lançar 20 novos modelos em três anos. A Fiat investirá 2,6 bilhões de euros por ano, em 2003, 2004 e 2005. A situação é difícil, mas já enfrentamos outras crises parecidas. Foi assim no final dos anos 70, quando o terrorismo na Itália afetou nossos negócios. Deixamos a crise para trás com o lançamento do Uno. No início dos anos 90, o Punto marcou o início de outra recuperação. Os novos lançamentos devem nos ajudar a sair da crise mais uma vez. Com certeza, 2003 será difícil, mas vamos chegar perto do equilíbrio financeiro. E 2004 será um ano positivo, muito mais fácil para a Fiat.
DINHEIRO ? O que muda para a empresa no Brasil com a reestruturação na Itália?
GHIGLIENO ? O papel do Brasil é fazer um bom trabalho, independentemente do que acontece na Itália. Recebemos a orientação de tocar os negócios normalmente, estamos blindados contra crise, as dificuldades na Itália não nos afetam em nada. Nos próximos cinco anos, vamos fazer os investimentos previstos, de R$ 3 bilhões, com recursos próprios. É um sinal de grande confiança de Torino.
DINHEIRO ? Para onde vão os investimentos?
GHIGLIENO ? O dinheiro será destinado à área de desenvolvimento de produtos, aos laboratórios. Temos um centro de desenvolvimento muito forte, mas vamos investir mais e contratar 50 novos engenheiros porque precisamos de um pouco mais de flexibilidade e rapidez. Mesmo com o mercado fraco, temos que continuar lucrativos e ter uma boa posição em vendas, seja na liderança ou em segundo lugar. É fundamental continuarmos lucrativos para continuar investindo. Também é importante termos uma boa imagem, de empresa jovem, rápida e flexível.
DINHEIRO ? Por que a Fiat vendeu seu banco no Brasil para o Itaú?
GHIGLIENO ? Faz parte da estratégia mundial direcionada a reduzir o nível de endividamento da Fiat e melhorar a posição financeira da empresa. Essa estratégia nos permite também manter o nível de investimento para o Brasil, um país muito importante para nós. Nossa rede de concessionárias não será prejudicada com a venda, pelo contrário. Será beneficiada com a ampliação de serviços prestados porque o Itaú é um banco brasileiro que conhece bem o mercado.
DINHEIRO ? Como a alta do dólar está afetando os negócios da Fiat no Brasil?
GHIGLIENO ? A alta do dólar provocou impacto principalmente no custo da matéria-prima. Tivemos aumentos de preços como os do aço, que subiu mais de 40%, e os plásticos, reajustados em mais de 30%. Fizemos alguns repasses para os preços dos carros e teremos de fazer outros nos próximos meses. Como o mercado está muito fraco, não há como repassar os aumentos integralmente. A alta do dólar criou ainda um problema de falta de confiança. Com o dólar a R$ 3,80 e R$ 3,90 foi difícil vender carros. Depois das eleições, a situação está mudando e o mercado está voltando à normalidade.
DINHEIRO ? Qual é a perspectiva para o ano que vem?
GHIGLIENO ? Nossa expectativa para o próximo ano são muito positivas. Achamos que com o novo governo podemos fazer um ótimo trabalho, a confiança das pessoas está voltando, o mercado será melhor. Se este ano as montadoras venderam 1,4 milhão de carros, em 2003 devem chegar a 1,6 milhão. Os negócios já estão melhorando e estamos muito otimistas. Além disso, o novo governo tem um discurso e pode tomar medidas para aumentar o mercado interno, o que é exatamente o que nós defendemos e precisamos.
DINHEIRO ? Por que o sr. está tão confiante se a economia ainda está em marcha lenta?
GHIGLIENO ? O povo brasileiro tem uma capacidade de reagir sempre e rapidamente. Percebi isso na fábrica de Betim, onde as pessoas reagem com velocidade fantástica quando aparece algum problema. Mas isso vale para os clientes, os fornecedores, para o Brasil em geral. A grande diferença entre a Europa e o Brasil é a capacidade de superar os problemas. Na Europa, uma crise é muito séria. Não é tão profunda como as do Brasil, mas leva muito tempo para a situação voltar à normalidade. Aqui, depois de dois meses, as pessoas mudam e reagem.
DINHEIRO ? A inflação não preocupa?
GHIGLIENO ? A inflação é uma preocupação, com certeza, para todo mundo. Mas as declarações do novo presidente são de grande confiança, de que vai combater a inflação. Isso é muito importante para o País.
DINHEIRO ? Como está o planejamento da Fiat para o Brasil no ano que vem?
GHIGLIENO ? Mantivemos nossa previsão de investimentos e temos 14 lançamentos para o ano que vem, incluindo desde adaptações a novas motorizações. Temos um modelo novo, mas não podemos adiantar detalhes. Nosso projeto é manter nossa participação no mercado brasileiro. Hoje somos líderes. Como o mercado deve crescer, nossa produção também deve aumentar. Em 2002, produzimos cerca de 400 mil veículos. No ano que vem, podemos chegar a cerca de 450 mil unidades.
DINHEIRO ? Como ficam as exportações?
GHIGLIENO ? Este ano exportamos cerca de 10% de nossa produção. Sabemos que não é muito, mas os nossos maiores mercados são a Europa, a Argentina e a Venezuela. Foram exatamente os três que mais caíram em todo o mundo em 2002. Nosso principal mercado é a Europa e caiu muito. Só na Itália, a queda foi de 16%. A Argentina parou e a Venezuela está numa situação complicada. Para nós, foi um ano difícil para as exportações.
DINHEIRO ? E no ano que vem?
GHIGLIENO ? Em 2003, a idéia é aumentar em 50% as exportações. Estamos otimistas com o mercado europeu. E, portanto, vamos exportar mais. Também estamos estudando outros mercados. O mais importante é o México, onde queremos aproveitar a oportunidade criada pelo recente acordo comercial bilateral. Estamos preparando nossa chegada ao México, a começar pelos carros da família Palio, vendida em 40 países. Em seguida, exportaremos o modelo Stilo, que reflete nossa capacidade tecnológica, e também o Dobló.
DINHEIRO ? Muitos especialistas dizem que não há espaço para tantas fábricas de carros no País. Haverá redução das montadoras no Brasil?
GHIGLIENO ? Com certeza há um excesso de capacidade ociosa no País. Mas todas as empresas têm um problema. Ninguém quer ficar de fora de um dos mercados mais importantes do mundo, em tamanho e em potencial. Mesmo perdendo dinheiro, o Brasil é estratégico. A questão é saber por quantos anos as empresas agüentam. Se você tem dois ou três pontos de participação de mercado e perde muito dinheiro, sabe que vai sofrer prejuízos por muitos anos porque é preciso investir na implantação de uma rede e isso custa caro. Mas muito poucas montadoras devem deixar o mercado brasileiro.
DINHEIRO ? Vão ficar mesmo com tantos prejuízos?
GHIGLIENO ? Provavelmente vão perder dinheiro, mas vão ficar aqui. Não se pode fazer a avaliação com três, quatro ou cinco anos. O mercado brasileiro é estratégico. Deixar o mercado brasileiro significa deixar a América Latina. Sair e voltar é impossível. A perspectiva para as montadoras no Brasil é diferente: o que precisamos é aumentar as exportações, mas principalmente aumentar o tamanho do mercado interno.
DINHEIRO ? O governo Lula fala na mudança do conceito de carro popular, que paga impostos mais baixos no País. A avaliação não dependeria apenas da potência do motor, como é hoje. Como o sr. avalia essa proposta?
GHIGLIENO ? Estamos prontos a falar de qualquer medida para aumentar o mercado local porque as montadoras têm 50% de capacidade ociosa, é muito. Nossa prioridade é aumentar o mercado interno e não se pode fazer isso abaixando o IPI dos carros intermediários. É uma medida que ajuda a vender mais Stilo (carro lançado este ano pela Fiat), agradecemos ao governo de Fernando Henrique Cardoso. Mas não é vendendo mais o Stilo que nós aumentaremos o mercado interno. Para quem pode comprar um carro de R$ 30 mil ou R$ 60 mil, uma diminuição de 3% de imposto não muda o mercado. Aumentar o mercado interno significa aumentar o número das pessoas que compram carros novos. Tenho uma reflexão: todas as vezes em que você vende um carro usado, você não gera emprego. Toda vez que vende um carro novo gera muitos empregos.
DINHEIRO ? O que o sr. propõe para aumentar o mercado interno?
GHIGLIENO ? É preciso oferecer aos clientes potenciais, que não podem comprar carro novo, uma ajuda, seja uma redução de impostos ou outra medida. A idéia é aumentar o número de pessoas que podem comprar carro novo. Quando a pessoa só tem possibilidade de pagar R$ 300 ou R$ 400 por mês, não adianta, ela não vai dispor mais do que isso. Foi com medidas de incentivo ao consumo que países como a Espanha aumentaram seu mercado interno e crescer.