31/08/2001 - 7:00
DINHEIRO ? Há razões para otimismo em relação à economia brasileira?
WOLFGANG SAUER ? Quem viveu os últimos quarenta anos e acompanhou a grande transformação brasileira só pode ser otimista. Quando o Juscelino Kubitschek lançou o sonho da industrialização, que teve como símbolo o setor automotivo, não havia nada. Ninguém tinha a menor noção do que era produzir algo com qualidade no Brasil. Foi uma época de grande pioneirismo, em que o País mudou sua estrutura básica, de economia agrícola para industrial, com todas os custos em matéria de urbanização, educação e outros serviços públicos. Apesar dos altos e baixos, o Brasil cresceu e hoje está muito bem posicionado. Tem estabilidade econômica, taxa de câmbio competitiva e ainda uma mão-de-obra muito mais qualificada do que no passado.
DINHEIRO ? Mas os indicadores de educação no Brasil são muito inferiores aos de outros países…
SAUER ? Não é bem assim. Não conheço nenhum outro lugar do mundo onde tantos moços fazem cursos em universidades noturnas, depois de trabalhar oito, dez ou doze horas durante o dia. Estive há alguns dias na Faculdade de Engenharia, em São Bernardo, e vi uma multidão disposta a estudar até a meia-noite, para no dia seguinte trabalhar para pagar os estudos. Isso demonstra uma incrível vontade de vencer na vida e é esse o maior motor de desenvolvimento que um país pode ter. Quem fala que as coisas pioraram no Brasil nos últimos anos não diz a verdade. Nos anos 60, era difícil até conseguir levar engenheiros de São Paulo para Campinas, porque ninguém queria morar no Interior ? e Campinas era Interior. Hoje, o que se vê é um grande processo de desconcentração industrial, com fábricas sofisticadas em Minas Gerais, na Bahia, no Paraná e no Rio Grande do Sul. Além disso, o governo não sabe fazer seu marketing direito. Pouca gente diz, mas o turismo no Nordeste está explodindo e já há vários vôos diários da Europa para capitais como Fortaleza, Salvador e Recife. Temos algo único: praias maravilhosas, tempo bom o ano inteiro e um povo simpático, que agrada quem vem de fora.
DINHEIRO ? Só que esse processo de desenvolvimento, de repente, esbarrou numa crise de escassez de energia.
Não foi um erro trivial?
SAUER ? Mas há males que vêm para bem. Havia muito desperdício no Brasil. Todos os industriais estão aprendendo a produzir a
mesma coisa com menos energia. Ninguém quer mais jogar
dinheiro pela janela. É por isso que eu acho que as empresas
sairão fortalecidas da crise. Teremos uma economia muito mais eficiente e produtiva, pois quando o racionamento passar as empresas continuarão economizando. Além disso, a crise também acelerou o processo de investimentos em novas usinas e
também em um setor vital, como o do gás natural.
DINHEIRO ? O sr. tem tentado atrair empresas estrangeiras para a área de infra-estrutura. Esses investimentos virão?
SAUER ? O desenvolvimento industrial, econômico e social de um país depende de uma boa infra-estrutura nas áreas de energia, transportes e saneamento. É algo que exige tanto capital, mas
tanto capital, que nenhum Estado, em nenhum país do mundo,
tem condições de fazer esses investimentos sozinho. Por isso é preciso vender ativos, leiloar concessões ou tentar atrair sócios privados para esses empreendimentos. Acho que o Brasil já
percebeu isso, independentemente do governo que vamos ter no futuro. Com as experiências de privatização que já foram feitas, é possível aprender com os erros e agir melhor de agora em diante.
O Brasil tem um crescimento latente. As empresas brasileiras e as multinacionais querem investir e os jovens estão dispostos a trabalhar. Com mais infra-estrutura, o País vira uma potência.
Falta pouco. Em dez anos, o Brasil terá um grau de desenvolvimento extraordinário e eu quero estar vivo para ver isso acontecer. Eu sou brasileiro. Naturalizado, mas sou.
DINHEIRO ? Quando o sr. ainda presidia a Volks, o então presidente Collor disse que o Brasil produzia ?carroças?. As empresas já estão prontas para competir internacionalmente?
SAUER ? Esse presidente deveria ter prestado mais atenção à história. Esses produtos que ele diz que não prestavam abriram mercados em 41 países. Foi esse o caso da Volkswagen. Nossas exportações fizeram com que o Brasil passasse a ser conhecido com um país capaz de vender mercadorias industrializadas. Depois da indústria automobilística, vieram os produtos de linha branca e muitos outros setores. Deixamos de ser o País só do samba, do futebol e das mulatas.
DINHEIRO ? Mas os produtos ainda não tinham qualidade mundial. Isso era fruto das restrições às importações?
SAUER ? No mercado automobilístico, isso foi até bom, porque permitiu que o País construísse uma indústria de autopeças capaz de suprir todo o mercado interno. Mas com a globalização, que passou a exigir das empresas mais escala de produção, as coisas mudaram.
DINHEIRO ? Qual a sua avaliação sobre os impactos da abertura da economia?
SAUER ? Acho que o processo talvez devesse ter sido conduzido de forma mais gradual, com custos menores para empresas e trabalhadores, com mais planejamento. Mas vendo os resultados, acho que foi até bom jogar as empresas na água para que elas aprendessem a nadar sozinhas e a se defender dos tubarões. Quando veio o câmbio do Gustavo Franco, então, quem sobreviveu ficou muito forte. O que hoje qualquer industrial deve ter com clareza é a idéia de que só vão sobrar aqueles capazes de produzir com qualidade e custo mundial.
DINHEIRO ? Gustavo Franco já disse que o sr. inventou a Lei de Sauer, segundo a qual sempre há uma defasagem de 30% na taxa de câmbio. Isso ainda vale?
SAUER ? Essa Lei de Sauer, que o Gustavo Franco inventou, quase sempre existiu no Brasil, principalmente no período em que ele esteve à frente do Banco Central. Mas hoje eu tenho de admitir que a taxa de câmbio está num nível bom para quem exporta. Diria até que o dólar está um pouco caro demais.
DINHEIRO ? Com o regime de câmbio flutuante, o Brasil está pronto para dar um novo salto exportador?
SAUER ? Essa é a única saída. Acho que toda empresa industrial deveria exportar de 30% a 35% de sua produção. As empresas
têm que ser orientadas para fora. Não dá mais para se conformar
só com o mercado interno, que foi grande no passado, mas hoje é pequeno diante das exigências de uma produção com mais
escala e custos menores.
DINHEIRO ? A recessão mundial pode prejudicar esse esforço internacional?
SAUER ? Acho que sim, mas só no curto prazo. Na minha vivência empresarial, aprendi que sempre vale a pena investir nos períodos de retração e de mercados em baixa para colher os frutos quando a economia volta a crescer. Pode ser que essa crise demore mais uns dois anos, mas essa é justamente a hora de se preparar. Esses ciclos econômicos são inevitáveis, mas passam. Não existe nenhum processo de crescimento sem algumas dores.
DINHEIRO ? O fato de o Brasil ter ficado para trás na corrida tecnológica e ter um déficit monumental na área de eletrônicos não complica essa tarefa?
SAUER ? A Lei de Informática, com sua reserva de mercado, de fato custou muito caro ao País, mas hoje todos os equipamentos e softwares estão disponíveis. São todos importados, porque o Brasil não participou do processo de criação desses produtos. A saída é estimular as empresas a realizar mais pesquisas tecnológicas em todas as áreas. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de grãos e tem de pesquisar cada vez mais para defender essa posição. A agricultura brasileira é uma riqueza única, que tem de ser expandida. O mesmo raciocínio vale para a área industrial. Só com mais pesquisa e tecnologia própria, o Brasil ficará menos dependente das flutuações das bolsas de valores.
DINHEIRO ? O fato de todos os setores da economia serem dominados por multinacionais não dificulta a criação de tecnologia própria?
SAUER ? Essa é uma discussão do passado. Há 30 anos venho dizendo aos empresários brasileiros que eles não deveriam criticar as companhias multinacionais, mas sim fazer o possível para que também se tornassem empresas globais. Hoje, vejo nas multinacionais brasileiras um grande fator de otimismo em relação ao futuro. Todos têm de conviver em conjunto, associando-se.
DINHEIRO ? O sr. também presidiu a Volks na Argentina. Qual a sua avaliação sobre a crise?
SAUER ? Essa crise tem raízes também culturais. No fundo, o argentino é um homem do campo, um agricultor. Por isso eles prosperaram muito no passado. Hoje, falta a eles o espírito industrial, nas empresas médias e pequenas. Também não vejo neles a mesma vontade de enfrentar e vencer que eu enxergo naqueles moços que trabalham durante o dia e estudam à noite no Brasil. Num país como o nosso, quem dorme no ponto morre na praia.
DINHEIRO ? Na Volks, o sr. também acompanhou o fortalecimento do sindicalismo. Como o sr. vê o quadro político no Brasil e as posições do PT?
SAUER ? Acompanhei todo o surgimento do Lula nos anos 70 e 80 e foi, de fato, um período muito difícil, em que tudo era muito politizado. Agora, vejo a política como algo menor e que terá menos importância ainda no futuro. Não me preocupo com as eleições de 2002. Até porque ninguém muda o mundo, a lógica da globalização e o fato de que dois e dois são quatro. Converso com freqüência com o Aloizio Mercadante, que é meu amigo, e de vez em quando nossas posições acabam convergindo.