DINHEIRO ? 2006 foi um bom ano para a indústria automotiva brasileira. Produção recorde com mais de 2,6 milhões de unidades e segundo melhor ano em vendas com 1,9 milhão. A Ford acompanhou o ritmo?
DOM DIMARCO ?
A indústria automotiva brasileira está vivendo um ótimo momento. E a Ford Brasil também, com resultados positivos nos últimos três anos. Quando olhamos para trás é possível ver o crescimento da empresa no País. Em 2004 foram 186.126 automóveis comercializados, em 2005 somamos 212.502 e no ano passado 220.671. Nosso plano é continuar crescendo, mas não falamos em projeções. Queremos ser líderes na preferência do consumidor, com produtos inovadores que permitam atender à satisfação do consumidor, à rentabilidade dos concessionários e à sustentabilidade financeira da operação.

DINHEIRO ? A Ford acaba de anunciar investimento de R$ 2,2 bilhões no Brasil, parte usada para a compra da Troller. Quais os planos para a nova companhia?
DIMARCO ?
Nós anunciamos os investimentos, mas não falamos como vamos usá-lo. É uma informação estratégica e não queremos contar aos nossos concorrentes quais serão os nossos planos. Nossa decisão de comprar a Troller foi motivada por permitir à Ford entrar em um novo nicho de mercado que é o de off road. A nova linha complementa o portfólio da Ford e não temos intenção de mudar nada. Vamos manter a marca Troller e os seus produtos, o jipe T4 e a picape Pantanal. O EcoSport continuará sendo produzido somente em Camaçari.


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“A Troller é uma marca de sucesso e reconhecida. Vamos fortalecer essa imagem” .

DINHEIRO ? Os veículos Troller serão vendidos pela rede de concessionárias Ford?
DIMARCO ?
Não. Vamos manter as duas redes de concessionárias.

DINHEIRO ? A Troller existe graças ao empreendedor Mário Araripe. Ele manterá alguma participação ou algum cargo na Troller?
DIMARCO ?
A Ford comprou 100% da Troller e Mário não assumirá nenhum cargo. Troller é uma marca brasileira de sucesso, muito bem reconhecida e de grande valor. Vamos trabalhar para fortalecer isso.

DINHEIRO ? O investimento chega em um momento em que Camaçari trabalha em três turnos e não tem mais espaço para atender ao crescimento da demanda. Existem planos para ampliar a fábrica?
DIMARCO
?
É verdade que Camaçari trabalha acima de sua capacidade nominal com um carro produzido a cada 80 segundos. Mas não vamos falar sobre a maneira como vamos usar o investimento. O que posso dizer é que esse novo ciclo reforça nosso compromisso de aumentar nossa qualidade e competitividade nas nossas fábricas brasileiras.

DINHEIRO ? Qual será a missão de Marco Oliveira, novo presidente da Ford Mercosul: trabalhar a competitividade e a qualidade?
DIMARCO ?
Sim. Oliveira foi o responsável pela planta mexicana de Hermosillo, onde o Fusion é fabricado. Essa é a fábrica que tem os melhores índices de qualidade e de segurança da América do Norte. É uma excelente estratégia para a Ford ter Oliveira liderando o processo de produção do novo carro em São Bernardo. Ele tem excelentes conhecimentos em marketing e vendas, mas agrega muita qualidade de engenharia também.

DINHEIRO ? Neste novo carro a Ford investiu R$ 300 milhões. Ele é o sucessor do Ka?
DIMARCO ?
Esse novo carro já está em desenvolvimento com recursos que vieram da devolução de crédito do ICMS cobrado sobre as exportações brasileiras. Mas ainda não anunciamos quando ele será lançado e tampouco falamos se será um carro popular ou compacto. Posso dizer que no início de dezembro estive no Brasil para acompanhar o progresso do desenvolvimento e me surpreendi com o estágio avançado do processo produtivo.

DINHEIRO ? Depois da Autolatina, a Ford entrou em crise e viu sua participação cair de 15% a 5%. Com a família Amazon, a empresa se recuperou e hoje tem 11,25%. Com este novo carro, a Ford Brasil será capaz de voltar aos 15%?
DIMARCO
?
Eu realmente não sei lhe responder quanto de participação de mercado vamos conseguir com o novo carro. Mas, ao fazer esse investimento em São Bernardo, que trabalha com 50% da capacidade de 200 mil veículos, vamos utilizar de maneira mais racional as plantas brasileiras, com a produção melhor distribuída. Assim, conseguiremos nosso objetivo, que é crescer no mercado com ampliação de market share, mas com operações rentáveis aos acionistas.

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“A experiência do nosso CEO Alan na Boeing é muito construtiva para a Ford”.

 

DINHEIRO ? O câmbio e os juros não atrapalham?
DIMARCO
?
Acho que o Brasil está no caminho certo, embora tenha muita coisa a fazer. O câmbio é um problema, mas ele não é o único. Em um ambiente de competição global como o da indústria automotiva, um dos principais entraves são os altos impostos cobrados.

DINHEIRO ? Alguma sinalização de que esse entrave será resolvido?
DIMARCO ?
Ultimamente temos acompanhado uma redução das taxas de juros e com essas reduções tendemos a chegar aos níveis mundiais de juros. Isso será de extrema importância para garantir a competitividade do produto brasileiro. Vamos acompanhar os próximos passos.

DINHEIRO ? Nesse contexto, o Brasil tem condições de competir por investimentos com Rússia, China e Índia?
DIMARCO
?
Acho que é muito importante que as montadoras continuem trabalhando arduamente em eficiência, continuem aprimorando padrões de qualidade e em reduções de custo. Mas, sim, tenho certeza de que o Brasil tem plena capacidade de competir em uma base global de negócios.

DINHEIRO ? Mesmo com esses entraves a indústria automotiva nacional cresceu e conseguiu recorde de exportações em valores. O que explica esse desempenho?
DIMARCO
?
Os países com os quais o Brasil se relaciona comercialmente estão crescendo. A economia aquecida, a oferta de crédito e a maior confiança dos consumidores impulsionaram a demanda por veículos e as montadores souberam aproveitar o bom momento com produtos adequados ao gosto dos consumidores. Na América do Sul, os negócios da Ford foram extremamente fortes.

DINHEIRO ? Inclusive nas exportações?
DIMARCO
?
Vamos repetir o US$ 1,2 bilhão exportado pela Ford Brasil graças ao aumento de preços em alguns mercados. Em unidades tivemos uma queda de oito mil unidades e vamos fechar o ano com 132 mil veículos embarcados.

DINHEIRO ? O acordo comercial com o México e também com a Argentina são boas notícias em tempo de redução da competitividade do produto brasileiro.
DIMARCO
?
O México está se tornando um importante parceiro comercial para a indústria automotiva da América do Sul. No ano passado, só o Brasil exportou 200 mil veículos para lá enquanto importou pouco menos de dez mil. Com o acordo a balança deve ficar mais equilibrada com o Brasil importando carros médios.

DINHEIRO ? O Fusion é um bom exemplo.
DIMARCO
?
O Fusion está se consolidando como um grande sucesso de vendas com seis mil unidades vendidas. Hoje mais da metade dos veículos que vendemos no mercado mexicano é produzida no Brasil e na Argentina. Na mão contrária, eu acredito que o México tem capacidade de produzir veículos de alta qualidade que podem ser vendidos no Brasil. Além disso, com o acordo, podemos ter uma fábrica de peças no México para atender o mercado local, o Brasil e os Estados Unidos. Ganharemos na qualidade e no preço.

DINHEIRO ? Nos Estados Unidos, as três grandes, Ford, General Motos e Chrysler, anunciaram planos de contenção de gastos e revisão de processos e produtos. Quais foram os motivos da crise generalizada?
DIMARCO ?
Dois fatores basicamente: acirramento da competição entre as montadoras e excesso de capacidade produtiva instalada. Hoje a indústria tem uma capacidade instalada muito maior do que a demanda. Some-se a isso o aumento da competitividade das montadoras e a entrada de novos players, sobretudo os de origem chinesa e indiana. E esse cenário só tende a piorar daqui para a frente.

DINHEIRO ? Isso significa que podemos esperar novos planos de reestruturação?
DIMARCO
?
Eu acho que será preciso manter o foco em redução de custos, assim como fizemos em 2006. Enfrentamos momentos difíceis com a necessidade de adotar medidas para reduzir custos e garantir a competitividade da indústria. Essa briga continua.

DINHEIRO ? Alan Mullaly assumiu o posto de CEO da Ford com o objetivo de tornar as operações lucrativas. Quais serão os passos e quanto tempo será necessário para que isso realmente ocorra?
DIMARCO
?
Nós começamos o plano de reestruturação, Wayforward Plan, em 2006. No meio do caminho vimos que seria preciso acelerar as ações. Alan se juntou à empresa há três meses e tem oferecido uma importante ajuda para incrementar nossos negócios. As ações estão sendo tomadas dentro do previsto com o fechamento de 14 fábricas na América do Norte, além de redução da nossa força de trabalho em um terço na região. Estamos trabalhando com os nossos fornecedores e com os trabalhadores para melhorar as relações e cortar custos. Estamos no caminho certo e a experiência de Alan na Boeing tem sido muito construtiva para a Ford.

DINHEIRO ? Quando a cor azul voltará ao balanço da Ford Motor Company?
DIMARCO
?
Os progressos estão sendo feitos. Já anunciamos que até o fim de 2008 70% do nosso portfólio de produtos no México, Estados Unidos e Canadá será todo novo. Tenho certeza de que em 2009 comemoraremos o retorno do lucro nas atividades automotivas.

DINHEIRO ? E no Brasil?
DIMARCO ?
Em 2007 devemos registrar mais um ano de lucro como continuidade de um trabalho que envolve muito esforço de toda a equipe. Temos produtos muito bons e competitivos, além da tecnologia flexfuel, que é um dos mais belos exemplos da competência brasileira.

DINHEIRO ? O sr. acha que a tecnologia flex e os combustíveis alternativos podem colocar o Brasil em destaque mundial?
DIMARCO
?
Sem dúvida. Mas dependerá da viabilidade da distribuição e da produção dos combustíveis, e nessa parte o empenho do governo é fundamental.