DINHEIRO ? O Banco Mundial e o governo estão discutindo estratégias de cooperação para os próximos quatro anos. Quais serão as prioridades?

MAKHTAR DIOP ? Queremos ajudar na erradicação da pobreza extrema, uma das bandeiras deste governo. Como sabemos, a pobreza é mais acentuada no Nordeste e estamos aumentando nossos projetos na região, por meio de parcerias com os governos estaduais. Nosso apoio será significativo. Nos próximos dois anos, teremos US$ 6,4 bilhões para programas no Brasil, dos quais US$ 3 bilhões deverão ser aplicados no Nordeste. Isso não só fortalece as políticas sociais da região como consolida o círculo virtuoso dessas economias.

 

 

 

DINHEIRO ? O que pode ser feito no campo da gestão pública, área em que o Banco Mundial já tem parcerias com os Estados? 

 

DIOP ? Queremos ajudar na avaliação dos programas de governo, produzindo conhecimento para melhorar a execução de políticas sociais, como o Bolsa Família. É importante fortalecer os sistemas de avaliação de resultados do programa. Isso faz com que o dinheiro seja mais bem aplicado e seus objetivos, alcançados. Ajudaremos onde for de interesse do governo. Num país como o Brasil, onde o investimento em relação ao PIB ainda é baixo, é muito importante uma aplicação eficiente do gasto público, já que os recursos não são abundantes. 

 

 

 

DINHEIRO ? O Brasil investe de modo inadequado?

 

DIOP ? Em comparação com outros países, o Brasil tem uma taxa relativamente baixa de investimento: cerca de 18% do PIB, enquanto nos asiáticos essa proporção chega a 40%. Isso propicia um crescimento tímido e evidencia os gargalos e o superaquecimento da economia, que está funcionando próximo do limite da capacidade. Isso cria pressões inflacionárias. É preciso elevar o nível de investimento e não se trata de uma discussão sobre público ou privado. Há tanto para se investir  que há espaço para todos: público, privado e  em parcerias público-privadas. 

 

 

 

DINHEIRO ? Como elevar o investimento?

 

DIOP ? O Banco Mundial acredita que o governo brasileiro pode acelerar as parcerias público-privadas (PPPs). Temos parcerias, como no caso do governo de Minas Gerais e da Prefeitura do Rio de Janeiro, nas quais buscamos construir os projetos de PPPs, com uma estrutura legal sólida, para evitar disputas judiciais no futuro. O grande desafio de se criar uma PPP é fazê-la de forma que o contrato entre o Estado e o agente privado seja equilibrado o suficiente para preservá-lo de questionamentos na Justiça. Há uma grande demanda para isso e elas podem servir para diversos setores 

da infraestrutura.

 

 

 

DINHEIRO ? As PPPs, no entanto, não se firmaram no Brasil.

 

DIOP ? A lei federal, como foi formulada, não conseguiu firmar as PPPs como uma opção de investimento. Nos Estados, o assunto avançou mais. É preciso pensar no porquê de não ter havido interesse pelas PPPs. Gostaríamos de analisar a lei com os ministérios para identificar detalhes, possíveis entraves, que expliquem essa falta de interesse. Já aconselhamos o Ministério da Integração Nacional a construir um modelo de PPP para um grande projeto de irrigação no Nordeste, a fim de atrair o setor privado para levar água a cerca de 200 mil hectares de área agricultável. 

 

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“Quero encontrar Jorge Gerdau para propor uma parceria na criação de uma agenda”   

 

 

 

DINHEIRO ? A persistência dos entraves, com o chamado custo Brasil, preocupa?

 

DIOP ? Tenho percebido que o tema do custo Brasil deixou de ser assunto só no setor privado e tem sido tratado, cada vez mais, no governo. Tive um encontro com o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e ele ressaltou que gostaria de reduzir os custos de fazer negócios no Brasil. Vamos avaliar de que forma poderemos ajudar nesse esforço. Pelo que percebo neste governo, há um empenho em simplificar o sistema tributário. Mas são questões de elevado teor político.  É preciso ver o que é possível fazer politicamente. 

 

 

 

DINHEIRO ? O Brasil caiu três posições no último ranking de competitividade do Banco Mundial. Como esse tema poderá ser tratado com o governo?

 

DIOP ? O governo criou um conselho de alto nível com representantes do setor privado, com a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade. Um dos meus objetivos é marcar um encontro com o coordenador do grupo, o empresário Jorge Gerdau, para ver se gostariam de formar uma parceria na criação de uma agenda. Já temos parcerias com Estados que têm dado certo, mas ainda queremos ver como elas podem funcionar na esfera federal. 

 

 

 

DINHEIRO ? Quem são os grandes prejudicados pela excessiva burocracia brasileira?

 

DIOP ? São os pequenos e médios empreendedores. Os grandes investidores têm meios de lidar com isso. As pequenas empresas, aquelas que contribuem para o desenvolvimento de longo prazo, sofrem. Há Estados que estão lidando com isso. Em Minas Gerais, nós executamos um programa de redução da burocracia e estamos avaliando que impacto teve no ambiente de negócios no Estado. Estamos falando de quem mais emprega no País. O que vimos na última década é que o crescimento da economia foi acompanhado da criação do emprego. É preciso, agora, dar sustentação a esse cenário. 

 

 

 

DINHEIRO ? De que forma?

 

DIOP ? Há 15 anos, havia no Brasil uma sociedade muito desigual, que fez grandes progressos na redução das diferenças entre ricos e pobres. Mas há um elo faltando no setor produtivo, que é a classe média empresarial. Para reduzir as desigualdades produtivas, é preciso promover esse mesmo avanço no setor produtivo. Temos empresas de porte, como a Vale e a Petrobras,  integradas ao mundo, através do mercado financeiro. Mas as pequenas empresas permanecem informais, com menos acesso ao crédito e à tecnologia. Os setores que hoje crescem são ligados às commodities. Isso inspira cuidados para não se ter crescimento apenas ligado ao setor primário. Os preços, que hoje estão elevados, não ficarão assim para sempre. 

 

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“O Brasil é visto como o país que conseguiu crescer, ultrapassar a crise econômica e distribuir renda”

 

 

 

DINHEIRO ? O Brasil deveria buscar reduzir a dependência de sua balança comercial da demanda por commodities da China?

 

DIOP ? É importante haver crescimento puxado pelas exportações, mas de forma mais diversificada, com participação de outros setores. Cerca de 60% do que o Brasil exporta são commodities. Isso mostra, talvez, que a competitividade em outros setores não alcançou o nível desejado. O fato de não haver muitas empresas ? à exceção da Embraer ? que exportam manufaturados nos diz algo sobre as dificuldades enfrentadas. 

 

 

 

DINHEIRO ? Com a lenta recuperação dos países desenvolvidos, o sr. enxerga riscos para o Brasil, como na crise de 2008?

 

DIOP ? As agências de classificação de risco, embora tenham sido criticadas depois da crise, ainda são uma referência para o mercado, e elas têm melhorado a avaliação do Brasil. No mais, o risco Brasil também anda em queda, aproximando-o de países com baixo risco de calote. A exposição do Brasil está mais ligada a países que têm crescido muito nos últimos anos, como a China, e outros países asiáticos, menos afetados pela crise nos Estados Unidos e na União Europeia. Com a crise nos países árabes, pode haver algum distúrbio na produção de petróleo. Para o Brasil, isso abre espaço para que venha a ser um exportador importante. Mas concordo com a avaliação das agências sobre a melhora do Brasil.

 

 

 

DINHEIRO ? O Banco Mundial avalia que o Brasil será uma das nações a puxar o crescimento até 2025. Que percepção o mundo tem desse papel brasileiro?

 

DIOP ? O Brasil tem um prestígio imenso entre os países em desenvolvimento. É percebido como o país que conseguiu crescer, ultrapassar a crise econômica e distribuir renda. Os países querem aprender com o Brasil. Não tem um mês em que não organizemos duas ou três visitas de países da Ásia e da África para aprender com a experiência brasileira. A eleição de José Graziano para a FAO é um indicativo de que os países estão refletindo sobre esse papel do Brasil. Nesse contexto, o Banco Mundial está aberto a auxiliar o governo na discussão de temas que envolvam a comunidade internacional. 

 

 

 

DINHEIRO ? Como pode ser essa ajuda?

 

DIOP ? O Brasil está bastante envolvido na discussão do novo Acordo de Basileia, para regulação do sistema financeiro internacional. O Banco Mundial está conversando com o Banco Central brasileiro, como um representante do Brasil no G-20, para saber de que forma poderíamos dialogar sobre as melhores práticas de supervisão e redução de riscos na arquitetura do sistema financeiro mundial. Iniciamos um diálogo com autoridades sobre as experiências que podemos trocar nessa discussão.