DINHEIRO ? O Brasil precisa de um novo Proálcool?

MIGUEL ROSSETTO ? Acho que a gente necessita de uma agenda forte, clara, consistente e que represente um grande programa de etanol. O Brasil tem um segundo grande pré-sal. Ele é formado pelas energias renováveis, que  precisam de um programa similar ao de exploração do petróleo. É uma oportunidade estratégica extraordinária. 

 

DINHEIRO ? Os EUA acabaram com o imposto sobre o etanol importado, uma velha reivindicação dos produtores brasileiros. Temos perspectivas de finalmente exportar para lá?

ROSSETTO ? Hoje, nosso cenário é totalmente voltado para o abastecimento do mercado nacional. O grande mercado hoje é o brasileiro, que está em crescimento, com estabilidade para investimentos. O mercado americano, na minha opinião, terá um papel marginal. Não deverá ter um peso determinante, ainda. O foco será o mercado interno, pelo menos no médio prazo.

 

DINHEIRO ? Por que hoje a maior parte dos investimentos no setor vem de fora e não de produtores nacionais?

ROSSETTO ? Isso é preocupante. Não necessariamente pela presença de investidores estrangeiros, mas pelo baixo padrão de investimento local. Esse é um grande tema. São poucos projetos novos, o que torna urgente a construção de uma agenda que lidere a construção de um novo ambiente.

 

DINHEIRO ? O ano passado foi complicado para o etanol. O que esperar de 2012?

ROSSETTO ? Devemos continuar com o crescimento da demanda por combustíveis acima do aumento do PIB, tal como ocorreu nos últimos anos. A nossa grande pauta segue sendo a dificuldade de aumentar a oferta, mas obviamente isso está sendo discutido mais para o médio prazo. As condições para a próxima safra estão dadas. Mas o fato é que nosso cenário para 2012 é de pressão de oferta e com preços em alta, pelo menos no curto prazo.

 

DINHEIRO ? A produção interna teve queda de 17% no ano passado, gerando elevação de preços. Isso será revertido em 2012?

ROSSETTO ? Os grandes fatores que provocaram essa redução foram a questão climática e a diminuição dos investimentos na renovação dos canaviais e no tratamento das culturas. O cenário de oferta para a safra 2012 é de crescimento relativo. Isso significa que é melhor que o de 2011, mas dificilmente chegará aos patamares de 2010. 

 

DINHEIRO ? Com o etanol caro na bomba, a maior parte da frota de automóveis flex optou pela gasolina. O que pode ser feito para o preço voltar a ser competitivo?

ROSSETTO ? Esse é o grande desafio deste ano. Minha expectativa é de que ainda no primeiro trimestre nós conseguiremos definir as principais medidas de uma agenda voltada para o aumento da produção.

 

DINHEIRO ? Que tipos de medida podem entrar nessa agenda?

ROSSETTO ? O Brasil precisa preservar seu compromisso com a expansão dos combustíveis renováveis na matriz energética. O que já vem acontecendo ? e é grave ? é a redução do etanol na nossa matriz e também na matriz de energia elétrica brasileira, na medida em que a biomassa saiu dos últimos dois leilões de energia elétrica. A partir daí, podemos pensar que mecanismos adotar. 

 

DINHEIRO ? Quais mecanismos podem ser utilizados?

ROSSETTO ? Devemos responder com o aumento da oferta e não com a diminuição da demanda ou importação. Isso porque o Brasil se preparou para um ciclo de expansão da produção de cana nos últimos anos. Estabeleceu o processo de zoneamento ecológico e econômico da cana, disciplinando as áreas de expansão e conservação, e fez um pacto pela qualidade nas relações de trabalho. Com essas duas grandes medidas estruturais criamos condições para a ampliação da produção. Temos terra, capital, mão de obra, mercado. Estamos preparados. Crises de oferta são positivas quando os países têm condições de responder a elas com mais produção, o que significa aumento da renda e do emprego no País. É o nosso caso. 

 

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Veículo abastece com etanol: com combustível caro, quase 70% da frota de carros flex usa gasolina.

 

DINHEIRO ? O que falta para atingirmos esse patamar?

ROSSETTO ? Falta exatamente essa agenda. Ela deveria contemplar até dez anos, mas também trazer medidas de curto prazo, como linhas de crédito para estimular a renovação e a expansão dos canaviais e para aproveitar a capacidade ociosa das usinas. Vai envolver, obrigatoriamente, questões tributárias, de financiamento, de capital, e, no seu centro, o incentivo a novos marcos tecnológicos. 

 

DINHEIRO ? A medida do governo federal que prevê recursos para estocagem é um primeiro passo dessa agenda?

ROSSETTO ? É um passo importante. São medidas que organizam a produção e dão segurança ao investimento. De nossa parte, continuamos com nosso ritmo forte de investimento. Vamos continuar com as metas estabelecidas em nosso Plano de Negócios, que prevê produzirmos 5,6 bilhões de litros de etanol em 2015, cerca de 12% de participação no mercado nacional, o que deverá nos transformar em líderes.  Estamos trabalhando para viabilizar novos investimentos e aquisições. Obviamente que não vamos acompanhar maluquices do mercado nessas aquisições. 

 

DINHEIRO ? O que o sr. chama de maluquices? 

ROSSETTO ? Preços na Lua, que não guardam nenhuma relação com as receitas desse negócio. Todos os nossos projetos devem ter a rentabilidade econômica exigida pela empresa, qualidade ambiental e logística. A partir desses critérios estamos perseguindo nossas metas. Com os investimentos já feitos, teremos dois bilhões de litros até 2015 e estamos trabalhando muito para ampliar nossa presença no setor.

 

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Plantação de cana-de-açúcar na África.

 

DINHEIRO ? Qual é a estratégia?

ROSSETTO ? Para crescer, construímos novas usinas. É o que estamos fazendo na Usina Boa Vista, em Quirinópolis (GO). Será uma usina que, quando concluída, terá capacidade de moagem de oito milhões de toneladas de cana e se tornará a maior do mundo. Cerca de 70% dos nossos investimentos em etanol irão para a construção de novas usinas e destilarias, aumento da capacidade de moagem e renovação de canaviais.

 

DINHEIRO ? Uma proposta é reduzir o imposto sobre o álcool em relação ao da gasolina. Como vê essa ideia?

ROSSETTO ? Essa é umas das questões importantes da agenda, como parte da discussão tributária. Há outras: a de custo de capital e a tecnológica, que na minha opinião é central. Precisamos viabilizar a expansão da produtividade da cana no Brasil. Temos de pilotar tecnologias de vanguarda na produção. O Brasil não pode ter uma posição passiva ante as tecnologias de nova geração.  

 

DINHEIRO ? Quando deve chegar ao mercado o etanol de segunda geração, produzido a partir de celulose?

ROSSETTO ? Estamos trabalhando com o cenário de 2015. Estamos investindo muito para termos escala comercial nessa data. O maior problema não é fabricar o produto, mas torná-lo competitivo economicamente. Isso é de extrema importância, porque vamos saltar de uma média de sete mil a oito mil litros de etanol por hectare para 11 mil litros. Isso é um ganho extraordinário na eficiência de produção. Apostamos bastante ainda no bioQAV (biocombustível para aviação), que também deve chegar em 2015. 

 

DINHEIRO ? Outro problema é a concorrência vinda do açúcar, cuja demanda global continua forte. Há como evitar o desvio da maior parte da produção de cana?

ROSSETTO ? Esperamos um cenário de redução dos preços do açúcar este ano, o que deve gerar maior equilíbrio entre os dois produtos. Mas o que me parece importante é criar um ambiente econômico que estimule a produção de etanol e energia elétrica. Esses dois componentes deveriam andar em conjunto. Há hoje um descompasso e isso é preocupante. Precisamos trabalhar esse ponto.

 

DINHEIRO ? A Petrobras Biocombustível está fechando acordos para produzir etanol em uma série de países africanos. Qual o potencial desses países?

ROSSETTO ? Estamos avaliando investimentos em Moçambique, onde já temos uma usina produtora de açúcar. A partir de 2013, eles usarão uma mistura de 10% de etanol na gasolina e, por isso, estamos estudando abastecer esse mercado. É uma oportunidade, até porque o investimento necessário é pequeno.

 

DINHEIRO ? Embora não exista um mercado mundial de biocombustíveis propriamente dito, quais seriam os países que ofereceriam oportunidades para o etanol?

ROSSETTO ? Toda a discussão mundial a respeito de biocombustíveis com baixa emissão de gases do efeito estufa e de energias renováveis está consolidada, mesmo diante da crise mundial. Nossa prioridade é abastecer o mercado nacional, mas olhando para oportunidades no cenário global. O biodiesel, por exemplo, está crescendo na Europa. Temos uma associação com a Galp para produzir esse diesel em Portugal. Este ano, o Brasil deverá ultrapassar a Alemanha e virar líder mundial em biodiesel.