Com ampla quantidade e diversidade de matérias-primas disponíveis, o Brasil tem capacidade de ser o player mais bem posicionado na indústria de biocombustíveis. É o que acredita José Fernandes, executivo que acaba de assumir o cargo de presidente e CEO da Honeywell na América Latina. Há apenas cinco anos na companhia (avaliada em US$ 130 bilhões), Fernandes continuará desempenhando seu papel como vice-presidente e gerente geral do Negócio de Materiais e Tecnologias de Desempenho, que passará por uma transição para uma nova unidade chamada de Soluções de Energia e Sustentabilidade. À DINHEIRO, Fernandes, que possui larga experiência com projetos relacionados à descarbonização, falou sobre a performance latino-americana e brasileira no processo de criação de uma nova indústria. Além disso, o executivo tratou sobre transformação digital, políticas de incentivo, inteligência artificial (IA) e os principais desafios e estratégias de sua gestão. “O meu objetivo é crescer sempre dois dígitos altos e posicionar a América Latina como uma das principais áreas de crescimento para a Honeywell”, afirmou o CEO.

DINHEIRO — Quando o assunto é sustentabilidade, qual é a importância estratégica do Brasil para a Honeywell?
JOSÉ FERNANDES — Sustentabilidade é um dos nossos pilares de crescimento na América Latina e, em especial, no Brasil. Há indústrias fortes, como a agrícola, de etanol, de proteínas e biomassa. Essa disponibilidade de matéria-prima, somada à incidência solar e à presença geográfica sem distúrbios naturais que ocorrem em outras partes do mundo, explica por que estamos tão focados no território brasileiro. Além disso, as áreas mais importantes para nós, quando se trata do processo de descarbonização no Brasil, estão dentro da transição energética.

O que mais é estratégico para a Honeywell?
A Honeywell tem um pacote de soluções muito amplo. Passamos pela conversão de óleos vegetais, gorduras animais não comestíveis, etanol, CO2 e biomassa em combustível renovável, pela captura de carbono e produtos específicos na área de hidrogênio. É um leque de soluções muito amplo no qual o Brasil nos cai como uma luva.

No caso da descarbonização, quais setores têm olhado mais para essa questão?
Todos os setores, de maneira geral, estão olhando e estudando a questão da redução das emissões de carbono, mas a indústria de óleo e gás se destaca e está começando a dar os primeiros passos para a transição energética. No Brasil, somos licenciadores de duas empresas que decidiram seguir em frente na produção de SAF (Combustível Sustentável de Aviação): a Petrobras e a Acelen, do grupo Mubadala Capital, que também decidiu pela nossa tecnologia. A atuação depende de disponibilidade de matéria-prima, de questões econômicas e técnicas, mas ao longo dos últimos anos temos visto uma evolução significativa.

Considerando a quantidade de matéria-prima no Brasil, até onde podemos chegar?
Eu acredito que com as políticas governamentais adequadas e com um ambiente onde os investidores tenham o conforto para fazer aportes de longo prazo, o Brasil tem o potencial, principalmente em transição energética, de criar uma Opep dos renováveis. O potencial é tão grande que o país poderia se dar ao luxo de se juntar a um pequeno time de nações que transformariam toda a economia baseada em fósseis a bases sustentável e renovável. Esse é o grande pulo do gato quando falamos sobre Brasil.

“Existem muitos clientes nossos fazendo análises para ver como o Brasil vai entrar no jogo. O país vai continuar sendo só exportador de commodities?”

Como viabilizar a predominância do país nessa nova indústria?
Existem muitas empresas e clientes nossos fazendo análises de mercado para compreender como o Brasil vai entrar no jogo. O país vai continuar sendo um exportador de commodities? Como em muitos casos já é. Exportar óleos vegetais, biomassa, etanol, gorduras animais não comestíveis, e essas matérias-primas podem ser convertidas em outros países. Ou podem ser utilizadas no Brasil adicionando valor a esses produtos, o que vai gerar mais divisas para o país. Dentro da América Latina, o Brasil é o mais bem posicionado para ser um grande player nessa indústria de renováveis, seja daqui a cinco anos ou 30 anos.

O que será preciso?
Políticas federais, estaduais e municipais. Elas precisam andar de mãos dadas para que os investidores tenham o conforto necessário para fazer esses investimentos aqui.

Qual o maior desafio quando se trata do setor privado?
Esse é um mercado que pode se tornar gigantesco por natureza. Além da indústria de óleo & gás, existem muitas outras cadeias que também querem entrar nesse segmento. São empresas que, normalmente, não têm conhecimento tão grande. Então, um desafio que a gente tem encontrado é com determinados setores que querem aproveitar essa conversão, a transição energética, mas têm resistência em mudar seu modelo de negócio.

Quais setores seriam esses?
Vou dar um exemplo. A indústria do agronegócio. É uma indústria bastante importante para nós, no Brasil. Existem milhares de agricultores, empresas enormes nesse setor, mas quando você deixa de vender uma commodity para vender um produto com valor agregado, está mudando completamente sua rota de modelo de negócio. Nossos clientes precisam entender que estão jogando em outra liga. É como se você estivesse em um campeonato brasileiro e, de repente, fosse transportado para a Champions League, na Europa. É outro nível de investimento. Você precisa trazer jogadores mais caros, manter Opex maior.

E quando se trata de políticas públicas de incentivo? O que falta?
Essa é outra questão. Ao mesmo tempo em que temos grandes empresas entrando nesses segmentos de sustentabilidade, do outro lado também existe a expectativa de retorno dos investimentos a longo prazo. E para isso é preciso clareza com relação à questão tributária, no que diz respeito a incentivos e jurisprudência. Essa questão de políticas públicas é um desafio. Tivemos avanços, mas ainda não alcançamos o ideal.

Segundo pesquisa da Honeywell, 52% das empresas acreditam que as metas de sustentabilidade serão alcançadas até 2030. É uma projeção possível ou otimista demais?
Eu diria que otimista demais.

Quando falamos de transição energética, para você construir uma fábrica que faz conversão de óleos vegetais, gorduras animais, etanol ou CO2, isso leva em torno de quatro a cinco anos. Se a gente fechasse, vamos supor, 50 projetos este ano, eles começariam a entrar em produção apenas em 2029, final de 2028, a depender do tamanho de cada um. Então eu diria que é uma projeção otimista, mas guiada pelos avanços que estão ocorrendo nesta indústria.

“Ao mesmo tempo em que temos grandes empresas entrando nesses segmentos de sustentabilidade, é preciso clareza com relação à questão tributária, incentivos e jurisprudência”

Outro pilar de sua gestão é a automação. Qual é sua visão sobre o mercado latino-americano quando se trata de transformação digital?
O mercado de automação é uma grande megatendência global. No caso do Brasil e da América Latina, o foco é em como a utilizamos para acelerar a produtividade das empresas. No contexto Latam, o nível dessa produção é subótimo se comparado a economias bem estabelecidas, como Estados Unidos, Europa e Centro-Asiático, mas isso pode ser revertido através da transformação digital. Estamos caminhando lado a lado com nossos clientes, desde a instrumentação e sensorização dos ativos até a níveis superiores de automação.

E a inteligência artificial?
O que estamos vendo de IA é apenas a ponta do iceberg. Nós não estamos nem sequer perto de tudo o que ela pode gerar. O que eu penso é que as empresas que não embarcarem nessa onda muito provavelmente não vão sobreviver ao longo do tempo. Temos, por exemplo, a plataforma Honeywell Forge, solução que ajuda os clientes a otimizarem todo o serviço de automação da fábrica. É um sistema preditivo, que permite identificar incidentes antes que aconteçam.

Qual sua importância transformadora?
Muitas das empresas não têm o nível de produtividade que existem em outras companhias similares em países como Estados Unidos ou países europeus. E para você chegar nesse nível de produtividade, você precisa de investimento. Quando você atinge determinado nível de produtividade, consegue ser mais competitivo para vender nesses mercados. Então, você precisa ser mais produtivo para ser mais competitivo e justificar o investimento. Vai depender muito de cada cadeia de negócio, mas eu vejo que a maneira mais rápida para as empresas entrarem nessa competição global é sendo produtivo o mais rápido possível. E a automação com certeza é um caminho.

Quais são as principais barreiras e dificuldades do mercado quando se trata de automação e transformação digital?
Eu acho que o grande desafio é o entendimento. Na maioria das vezes, o cliente sabe que precisa aumentar a produção, mas não sabe exatamente por onde começar. Ele inicia uma série de estudos e conversas com players que pensam e possuem estratégias diferentes, o que acaba tornando esse processo confuso.

É uma fragilidade interna?
Obviamente que muitas dessas empresas têm pessoas altamente capacitadas no setor de automação e de transformação digital. Em muitas delas existe, inclusive, uma organização inteira olhando apenas para esses setores. Mas quando a gente olha de maneira geral, muitas delas têm o entendimento [amplo] como barreira, o que acaba inviabilizando investimentos bem-sucedidos.

Que não são baratos…
Exatamente. Estamos falando de investimentos altos. Então quando o cliente decide investir, ele precisa ter realmente certeza de que vai atingir um resultado. Caso contrário, não faz sentido. Então eles precisam entender qual vertente querem tocar.

Quais as expectativas para o novo cargo?
No curto prazo, o meu plano é aumentar o nível de comunicação, alinhamento e educação dos nossos 13 mil colaboradores para que todos remem na mesma direção. Esse, para mim, é o primeiro grande objetivo e desafio no curto prazo.

Além dele?
Concomitantemente a esse desafio, é trabalhar muito de perto com todas as áreas de negócio para que possamos acelerar os planos estratégicos que já estão em andamento. Alguns deles são do meu conhecimento, já liderei parte desses projetos ou desses negócios no longo prazo, e duas áreas eu ainda não tenho uma atuação muito de perto. Então, existe o meu próprio desafio, que é poder fazer os challenges de maneira positiva.

E financeiramente?
O meu objetivo é crescer sempre dois dígitos altos. Esse vai ser meu mantra na Honeywell, pelo menos para os próximos três, quatro anos. Acelerar o crescimento e posicionar a América Latina como uma das principais áreas de crescimento para a Honeywell globalmente.