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“O Brasil perde US$ 300 bilhões ao ano ao exportar só commodities e não manufaturados”

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“Ministérios, como o de Rodrigues, têm boa intenção mas não têm foco nos pequenos”

 

 

DINHEIRO ? O senhor criou um instituto para revolucionar as exportações brasileiras. Como fará isso?
Ricardo Santos Neto
? É o Instituto Mercadológico das Américas (IMA). Ele tem como objetivo maior a integração das Américas pelos mercados e não politicamente. E essa integração só virá com empresas fortalecidas e regiões trabalhando em conjunto para agregar valor aos seus produtos. Se temos a vocação de continente agrícola, se somos donos das matérias-primas, por que não industrializá-las também? Por que não ganhar dinheiro com produtos manufaturados? A idéia é transformar a atividade agrícola em agronegócio, indo da colheita às linhas de produção. Por isso o IMA está focando bastante nos alimentos, que estão cada vez mais caros nos países ricos. As nações de primeiro mundo têm problemas climáticos, safras complicadas. Nós somos o único continente que tem duas safras e meia por ano e continuamos fazendo a mesma coisa, exportando commodities. Há dez anos, as reservas de alimentos do mundo eram de um ano e meio. Hoje não dá para um dia. São dados assim que me levaram efetivamente a dar mais atenção ao agribusiness. Ele será o ponto de partida de uma revolução industrial que vai modificar o panorama da América Latina.

DINHEIRO ? Onde entra o Brasil nesse cenário?
Santos Neto
? Pode ser o carro-chefe do continente, se souber trabalhar bem o seu setor de alimentos. O que o País sempre fez, pura e simplesmente, era insistir na produção primária, deixando as nações desenvolvidas cuidarem dos produtos manufaturados. Isso não traz valor agregado, não traz emprego, não gera riqueza. O Brasil perde hoje no mínimo US$ 300 bilhões de exportação, ao deixar de lado os manufaturados de alimentos. Talvez nós percamos US$ 50 bilhões de exportação de commodities aos focar nos manufaturados, mas o saldo será de US$ 250 bilhões para nossos cofres. Até quando seremos os maiores exportadores de grão de café para que a Alemanha ? que não tem nenhum pezinho de café ? seja a maior exportadora de manufaturados do café?

DINHEIRO ? O senhor acha que é uma questão cultural ou de educação?
Santos Neto
? Ambas. O Brasil não sabe vender. Só sabe ser comprado. Os nossos empresários nunca tiveram a necessidade de sair para vender. Nós sempre tivemos mercado de procura, nunca tivemos mercado de oferta. O que estamos fazendo é encontrar a oferta nova de produtos e conceitos inéditos. E fórmulas para novos negócios. Tudo isso para que possamos fazer os produtos adequados, de valor agregado. Há ainda a questão logística. O Brasil foi industrializado da forma errada. Nós trocamos trens, cabotagem e outras formas de transporte por rodas. Entendemos, em certo momento da história, que fazer automóveis era mais importante. O que acontece é que até hoje nossos produtos fazem turismo dentro do País. Muitas vezes um item chega a rodar 4 mil quilômetros, da origem à transformação. E isso é péssimo para o agricultor, pois além de ter prejuízo ele perde inúmeras oportunidades de fazer novos negócios.

DINHEIRO ? O senhor pode dar um exemplo?
Santos Neto
? A maioria dos nossos tomates é aproveitada in natura para vender nos Ceasas espalhados pelo Brasil. Existe um caso concreto de um produtor baiano que vende para Sul do País. Ele tem que colher o tomate ainda verde, para que o fruto chegue ao destino no momento exato de ser consumido. Acontece que o tomate rodou milhares de quilômetros, acondicionado em embalagens inadequadas. Resultado: mais de 50% da colheita foi desperdiçada no transporte. Se ele tivesse embalagens adequadas e atos industriais locais, faria maravilhas com esses mesmo tomate. Imagine uma parceria com alguma empresa no caminho, apta a comprar os tomates excessivamente maduros e transformá-los em polpa, molhos, extratos? Dessa forma, ele evitaria o desperdício, ganharia um novo cliente, aumentaria sua receita e, de quebra, daria origem a um produto fantástico para exportação.

DINHEIRO ? Vocês estão ajudando esse produtores?
Santos Neto
? Estamos trabalhando para ensiná-lo a fazer isso. Há até uma consultoria auxiliando esse produtor de tomate na Bahia, detectando potenciais parceiros e investidores. Como esse exemplo, há casos que se multiplicam no País. As mangas do Vale do São Francisco são comercializadas a 0,50 centavos de dólar para a Europa. Depois, a fruta é vendida lá fora a 20 euros. Por que não embalamos a manga ou não fazemos conservas, doces? Ou mesmo as vendemos in natura, mas conservadas em vidros de designs fantásticos. Pode ter certeza de que os 0,50 centavos se transformariam em US$ 5. Outro caso interessante é o nosso caju. É inadmissível que a gente até hoje venda a castanha e jogue no lixo 10 milhões de toneladas de fruto ao ano. O caju tem subprodutos fantásticos. Tem, por exemplo, o único corante amarelo natural do mundo. Mas nós, aqui dentro, preferimos comprar e usar o corante sintético, produzido por multinacionais. Assim como a manga e o caju nós vamos focar mil outros produtos que podem gerar subprodutos maravilhosos. O mundo quer novos sabores. E esses novos sabores estão aqui.

DINHEIRO ? Esses subprodutos teriam mercado garantido na Europa e Estados Unidos?
Santos Neto
? Claro. Não por acaso abrimos o IMA primeiro nos Estados Unidos. Hoje, o país é altamente importador de alimentos. O mercado norte-americano importa 50% do que seu povo consome. E o primeiro mercado étnico nos EUA é o mercado latino. Hoje, os grandes restaurantes e as grandes cadeias de supermercados dos EUA querem sabores latinos. Essa procura é imensa. Tanto que já trouxemos vários empresários americanos para o Brasil. Eles ficaram encantados. Numa única vez eu apresentei a eles 348 micro e pequenas empresas brasileiras do setor de alimentos. Depois nós os levamos a visitar 12 companhias de porte médio daqui. Eles degustaram iguarias que nem conheciam. Diziam ?Meu Deus, eu nunca vi arroz temperado com pimenta, com ervas…. Vocês tem coisas fantásticas. Se organizem e exportem que eu compro?. A Europa também quer cada vez mais o sabor latino. Temos que aproveitar esse momento mundial.

DINHEIRO ? Qual o tamanho do mercado latino nos EUA?
Santos Neto
? 40 milhões de pessoas. Só em alimentos, eles consomem hoje US$ 68 bilhões por ano. E o Brasil, nesse cenário, tem que ser o carro-chefe do continente. Assumir de uma vez sua origem latina.

 

  

?Ministérios, como o de Rodrigues, têm boa intenção mas não têm foco nos pequenos?

 
 

DINHEIRO ? O Brasil tem vergonha de ser latino?
Santos Neto
? Não. O Brasil não gosta de ser rotulado como hispânico, coisa que realmente não é. Mas ultimamente, ele tem se esquecido de que é latino e que, portanto, pode ser a ponta de lança do desenvolvimento de um grande mercado mundial. Existem 1,4 bilhão de pessoas no mundo que falam a língua portuguesa e espanhola. Em outras palavras, gente que compra produtos latinos. O Brasil quer se vender como Brasil e este é o maior erro estratégico de marketing. A Marca Brasil pode ser boa para vender biquíni, futebol ou Cds de samba. Mas pára por aí. Se o Brasil assumir sua latinidade ganha de cara um mercado muito maior do que se ficar insistindo na bandeira verde-amarela. Não é de hoje que o País insiste nesse mesmo tema. E os resultados não têm sido tão satisfatórios assim.

DINHEIRO ? Como os produtores brasileiros podem se organizar para conquistar novos mercados?
Santos Neto
? Temos que fazer parques industriais novos nas regiões produtoras de alimentos mais miseráveis do Brasil. Assim, você cria empregos e evita migrações para grandes cidades. Com isso, a violência cai. Ao produzir riqueza local você também melhora a saúde e a cultura e a população passa a ter orgulho de sua cidade. O crescimento também vai aprimorar a ciência e tecnologia na região. É, na verdade, um efeito multiplicador que gera riquezas de toda a ordem nos municípios. Com os municípios fortes e focados em suas vocações é possível uní-los em regiões especializadas em determinados produtos. A idéia é criar dentro do Brasil várias regiões de negócios que funcionariam como países, donos de sua própria produção e riqueza local. Condições econômicas e estruturais o Brasil tem. Falta um projeto consistente e a vontade de fazer.

DINHEIRO ? E porque ninguém fez isso até agora?
Santos Neto
? Porque é o obvio. E o óbvio, por ser tão óbvio, as pessoas têm medo de fazê-lo. O óbvio não erra.

DINHEIRO ? Esse óbvio não é utópico?
Santos Neto
? Há sete anos que faço esse projeto. Ele não nasceu de um dia para outro. Tenho 24 anos de experiência no Brasil e na América Latina e 40 anos de conhecimento mundial. Antes de chegar ao Brasil eu vi como a Italia foi feita, como a Espanha salvou-se, como a França se reergueu nos pós-guerra. Eles fizeram o óbvio, exatamente fortalecendo suas empresas.

DINHEIRO ? O projeto já foi apresentado ao governo? Ao ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura?
Santos Neto
? Não. Eu não apresento isso ao governo. Os ministérios têm boa intenção mas não têm foco. Não pensam em um projeto inteligente, não têm tempo. Quem vai fazer esse trabalho é o mercado e as instituições , como o IMA.

DINHEIRO ? O IMA pretende investir em outros setores da economia?
Depois do setor agro-alimentar, nossa idéia é auxiliar segmentos correlatos. Há trabalhos a serem feitos com os setores de farmácia (remédios naturais), cosméticos, móveis (madeira) e roupas (couro). Também há um grande trabalho a ser feito no turismo. Aliás, o melhor promotor de turismo do mundo é o alimento e o sabor local. Ou seja, um bom produto com a etiqueta made in Brazil. Aí que está realmente o desejo de comer coisas diferenciadas e visitar o país que as produz.

DINHEIRO ? Em quanto tempo o Brasil deixará de ser conhecido apenas como exportador de commodities?
Santos Neto
? Espero que em breve, não tenho como prever. O que sei é que me sinto como um Dom Quixote do século 21 ajudando a fazer mudanças na história do País. Não quero agradecimento. Não sou homem de palco, sou homem de bastidores. E prefiro continuar assim.