DINHEIRO ? Quais as principais alterações econômicas
que a CNI defenderá junto ao próximo governo e ao
Congresso Nacional?
ARMANDO MONTEIRO NETO ? A agenda dos próximos quatro ou cinco anos terá que ser completamente diferente da agenda atual. O período Fernando Henrique Cardoso foi defensivo. A agenda da estabilização e o gerenciamento macroeconômico prevaleceu sobre as questões da economia real. Mas chegou a hora de compreender que o Brasil não vai resolver seus graves desequilíbrios sem crescer em bases sustentáveis. O Brasil tem que partir para o ataque. Essa não é apenas uma posição voluntarista, crescer por crescer, mas uma visão estratégica sobre nossa capacidade de mobilizar instrumentos de política econômica e até mesmo de transformar instituições políticas.

DINHEIRO ? É possível crescer mais sem prejudicar a estabilidade?
MONTEIRO ? É um pilar importante não fazer concessões à inflação para crescer mais. O Brasil deve preservar o núcleo da política econômica, um regime fiscal responsável, até austero, e uma política monetária baseada nas metas inflacionárias. Mas é hora de avançar, de colocar como prioridade absoluta a agenda do crescimento. Está sendo criado um consenso social, econômico e político de que chegou a hora de inverter a prioridade. Fomos conduzidos a essa situação de constrangimento por equívocos cometidos lá atrás, como a política cambial anterior.

DINHEIRO ? Como as entidades empresariais podem ajudar na construção dessa nova agenda?
MONTEIRO ? A CNI já entregou aos candidatos à Presidência
um documento da melhor qualidade, ?A Indústria e o Brasil, uma agenda para o crescimento?. O foco fundamental dessa política passa pelos eixos da política industrial, fala da agenda da competitividade, de reforma tributária, reforma da Previdência, modernização das relações trabalhistas e de infra-estrutura física e social. Há um capítulo, algo inédito entre os setores empresariais, que aborda a necessidade de inclusão social e da qualidade das políticas públicas na área social. O empresariado tem hoje a concepção de que nós não precisamos construir apenas uma economia, mas também um projeto de nação. E temos que adotar um padrão de desenvolvimento que não seja tão excludente como
foi nos últimos anos.

DINHEIRO ? Como seria essa política industrial?
MONTEIRO ? O setor que pode dar melhor resposta ao crescimento das exportações é o industrial. Portanto a política tem três eixos: viés exportador, a inovação tecnológica, que demanda uma estreita parceria entre os setores públicos e privados, e, por fim, a questão espacial do desenvolvimento, que é desconcentrar o desenvolvimento e criar novos pólos de produção. Quando falamos de política industrial, queremos uma política que promova a competitividade de nossos produtos nos mercados internacionais; não queremos proteção nem subsídio. Queremos condições de isonomia competitiva. Significa, por exemplo, ter um sistema tributário em harmonia com o sistema internacional.

DINHEIRO ? O sr. prega reformas estruturais, com necessidade de apoio do Congresso, mas nem o presidente Fernando Henrique conseguiu implementá-las…
MONTEIRO ? Não foi o atual Congresso que barrou as reformas, mas o governo que não teve vontade política nem visão de poder para aprová-las. Na questão tributária, por exemplo, os parlamentares prepararam um substitutivo extremamente viável, que não foi aceito pela equipe econômica e pelo secretário Everardo Maciel. Não compreenderam que um sistema tributário com distorções afeta todo o desempenho da economia. Mas a visão que prevaleceu foi a de curto prazo, a de extrair mais tributos de uma mesma base econômica. Não importa se a economia cresce ou não, importa que o governo precisa extrair mais impostos. A elevação da carga tributária nos últimos sete anos foi de oito pontos porcentuais, tiraram US$ 40 bilhões a mais do que deveriam.

DINHEIRO ? A CNI pretende exercer seu poder no Congresso para forçar a aprovação dessas reformas?
MONTEIRO ? Os empresários devem conversar com os parlamentares não por serem financiadores de campanhas, mas porque a agenda do próximo Congresso deve priorizar as reformas. Temos que ir para essa agenda porque os candidatos estão explicitando publicamente o compromisso com o crescimento. A questão é como construir essa agenda e qual é o papel do setor empresarial. Precisamos ter um papel político ativo, mostrando nos debates claramente quais são os nossos interesses, e também fazer uma articulação permanente com o Congresso Nacional para completar o ciclo das reformas.

DINHEIRO ? Quem é o candidato ideal do empresariado?
MONTEIRO ? Alguém que alie sensibilidade com capacidade de negociação política, que tenha experiência administrativa e, sobretudo, a visão de como implementar essa agenda nova do crescimento. Alguém que tenha a visão de que temos que produzir uma correção de rumos na economia, mas preservando algumas conquistas essenciais. Que saiba como promover a inclusão social crescentemente, sem cair na demagogia. Há quem pense que responsabilidade fiscal não combina com responsabilidade social, como se houvesse uma antinomia, como se responsabilidade fiscal significasse insensibilidade social. Não estou traçando o perfil de nenhum deles, mas uma idéia abstrata. Essa é a demanda da sociedade e o próximo presidente precisa atendê-la. Mas só vai atendê-la através das pressões sociais. Os governos são seres reativos por excelência. Por isso precisamos ter mais sociedade para que os governos sejam melhores.

DINHEIRO ? O sr. já declarou voto ao senador José Serra. Mas qual o candidato que mais agrada ao empresariado nacional?
MONTEIRO ? Vários candidatos estão incorporando no discurso pontos dessa agenda. Serra defende com muita clareza a idéia de adotá-la. O Lula já incorpora vários pontos, como a idéia de que o Brasil precisa ter política industrial, de forma clara, explícita. O Ciro Gomes e o Anthony Garotinho também vêm revelando compromissos nesse sentido.

DINHEIRO ? Então tanto faz qual o presidente, desde que adote políticas
de crescimento?

MONTEIRO ? Não, você tem que ver qual dos candidatos reúne melhores condições para realizar o programa.

DINHEIRO ? Se Lula ganhar haverá convulsão no empresariado?
MONTEIRO ? De forma alguma, o Brasil é maior do que essas questões próprias do ambiente político. Temos instituições que funcionam, o Congresso tem papel importante, existem regras que estão colocadas, o Brasil tem uma certa blindagem institucional. Não há governo que possa em si mesmo ameaçar a ordem econômica. Tudo no Brasil terá que ser produto de um processo pactuado, negociado, de forma que tenho a percepção de que o PT começa a amadurecer nessa visão. Por outro lado, sabemos que qualquer que venha a ser o futuro presidente ele já não terá a iniciativa legislativa plena, como, por exemplo, quando o instituto da Medida Provisória podia ser usado de forma permanente. Portanto, tudo terá que ser negociado com o Congresso, por isso não tenho nenhum receio. Em qualquer caso, teremos naturalmente um processo de adaptação com o estilo do novo governo.

DINHEIRO ? A blindagem das instituições seria mais forte do que as pressões de grupos radicais de esquerda, como o MST?
MONTEIRO ? Certamente o Congresso será mais forte do que o MST ou qualquer outro grupo num governo do PT. Creio que no jogo de pressões, o Congresso dará o equilíbrio.

DINHEIRO ? Como os empresários avaliam as propostas de Ciro Gomes para a economia?
MONTEIRO ? A proposta de reforma tributária dele não é muito clara em alguns aspectos. Existe também a posição em relação ao alongamento da dívida, que carece de uma explicação mais consistente. Contudo, de um modo geral, o candidato tem apresentado um discurso impactante, novo, que se percebe que vem ganhando espaço no eleitorado.

DINHEIRO ? Até que ponto as avaliações internacionais de risco sobre o Brasil estão certas?
MONTEIRO
? Essas avaliações estão contaminadas por um momento extremamente delicado no ambiente externo. Os investidores estão mais retraídos, há uma grande aversão ao risco, o mercado de capitais nos Estados Unidos passa por uma crise de confiança. Por isso os investidores tendem a ser mais seletivos na escolha de opções. Quando isso se alia ao processo sucessório, e quando se tem a compreensão de que alguns fundamentos da economia não são tão sólidos, tudo isso cria uma percepção mais nervosa do quadro brasileiro. Alie-se ao fato de os candidatos ainda não terem apresentado suas propostas de governo com clareza. O resultado é essa crise de confiança. Mas há exageros. Pouco a pouco vai se compreender de que no Brasil existem aspectos que tornam o risco muito menor. Temos um sistema financeiro saudável, um sistema empresarial que funciona de forma adequada, um regime fiscal responsável, de um modo geral uma governança política melhor do que a desses outros países emergentes. Ou seja, existe uma blindagem institucional.

DINHEIRO ? O que mais assusta os investidores?
MONTEIRO ? Eles percebem nossas falhas de forma extremamente rigorosa e conservadora. A relação dívida/PIB ficou mais desfavorável nos últimos anos, o que exige superávits maiores. Sabe-se que a dívida interna é servida com taxas de juros muito elevadas. Há uma preocupação com a própria trajetória da dívida nos próximos anos. Só que o problema da dívida se agrava porque o crescimento econômico tem sido pequeno.

DINHEIRO ? Como o sr. percebe o agravamento da crise na América Latina?
MONTEIRO ? Com muita preocupação, pois está afetando a economia brasileira. Este ano as exportações brasileiras para o Mercosul devem cair 13,5%. Para a Argentina, as exportações caíram quase 60%. Felizmente houve uma retração de 22% nas importações, o que está permitindo que o Brasil gere um saldo comercial maior do que no ano passado. Mas queremos gerar saldos de maneira mais saudável, com dinamismo nas exportações, não com freio nas importações.

DINHEIRO ? O que muda na CNI com a nova gestão?
MONTEIRO ? Vamos atualizar o modelo de gestão da entidade, mas o fundamental é ter um papel político ativo no plano externo, participar mais das discussões na sociedade, dos debates públicos, ter maior articulação com o Congresso. Nossa vantagem é que somos percebidos no Congresso, por representantes do Acre ao Rio Grande do Sul, como a entidade que melhor representa o empresariado nacional.