DINHEIRO – O Brasil firmou com a França o maior e mais importante acordo militar de sua história recente. O que isso significa para as relações comerciais e de cooperação entre os dois países?
LOUIS BAZIRE – O domínio militar não é puramente comercial. É estratégico e político e envolve negociações entre governos. Nesse caso específico, é a defesa brasileira, o governo francês e os bancos. Então, é difícil reproduzir esse tipo de acordo em outros setores, cujas negociações são meramente comerciais. Mas, durante a sua visita ao Brasil em setembro, o [presidente francês Nicolas] Sarkozy falou não só sobre esse acordo militar, mas também dos acordos de energia nuclear e de transportes que estão previstos entre os dois países. E, agora, certamente a França terá um papel muito importante aqui com a realização dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, a construção do trembala entre Rio de Janeiro e São Paulo e outros projetos.

DINHEIRO – O TGV (train à grande vitesse), trem-bala francês, virá ao Brasil?
BAZIRE – O acordo para o trembala já está claro. O TGV virá para o País. É uma negociação entre a Alstom e o Brasil.

DINHEIRO – Caso se concretize a compra dos caças Rafale, da Dassault, a Câmara de Comércio fará algum tipo de mediação?
BAZIRE – Não. São negociações entre fornecedores, defesa brasileira e bancos. Alguns membros da Câmara estão envolvidos, mas os atores principais são os representantes da embaixada francesa. Nós acompanhamos, mas não interferimos em nada.

DINHEIRO – Com o pacote de defesa, qual país sairá ganhando mais?
BAZIRE – Como foi uma negociação longa e complicada, tenho a segurança de que foi bem negociada para os dois lados. É uma ‘win-win situation’, ou seja, os dois países sairão ganhando. Para a França, será positivo do ponto de vista das exportações, sobretudo as exportações de tecnologia. Os primeiros helicópteros serão fabricados na Europa e depois começarão a ser fabricados pela Helibras, no Brasil. Os submarinos também terão conteúdo francês muito forte. E isso não é só um contrato de exportação. É uma parceria industrial poderosa entre os dois países.

DINHEIRO – Como vocês atuam quando há negócios tão grandes entre os dois países?
BAZIRE – Nossa função é fomentar os negócios. Não intermediamos nada. Parte de nossa vocação é ser um clube de encontro entre empresas francesas no Brasil e empresários brasileiros. No caso do TGV, por exemplo, a Alstom que está negociando, e é uma empresa membro da Câmara. Indiretamente, também somos atores nesses processos, mas os principais são os nossos membros.

DINHEIRO – A amizade entre Lula e Sarkozy é algo sem precedentes entre presidentes franceses e brasileiros?
BAZIRE – Eu me lembro de quando era menino ter acompanhado meu pai durante uma visita do general De Gaulle ao Brasil, nos anos 60. Toda a comunidade francesa no Rio de Janeiro foi convidada para assistir ao seu discurso. Eu notei uma relação de respeito mútuo entre o general e o marechal Castelo Branco, presidente na época. Mas era algo bem “norte-sul”, não era equilibrado. Hoje, eu tenho assistido aos encontros dos dois presidentes e vejo respeito e amizade entre duas pessoas. O próprio Sarkozy já disse a Lula que, apesar de ambos estarem em lados políticos diferentes (Sarkozy pertence ao UMP, partido assumidamente de direita), tem muito em comum com o brasileiro. Além disso, a França é um dos países que mais apoia a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU. E o próprio Sarkozy falou aos empresários franceses em sua última visita que França e Brasil comandarão juntos a Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas, em Copenhague, na Dinamarca, no mês de dezembro. É uma parceria e tanto para os dois países.

DINHEIRO – O sr. afirmou que a França investe 40% a mais no Brasil do que a China. Por quê?
BAZIRE – Temos uma relação comercial muito antiga com o País, enquanto a da China é bem mais recente. Entre as 40 empresas do CAC 40, o principal índice da bolsa de Paris, apenas duas não estão no Brasil. E são duas do segmento de construção civil, um setor onde as empresas brasileiras já são líderes. Mas há outros setores como o de hotelaria, no qual a Accor é líder, o de distribuição, com liderança do Carrefour e a presença do Casino com o Pão de Açúcar. Há também o automobilístico, com Renault, Peugeot, Citroën e Michelin. A Saint-Gobain é líder na produção de vidros no Brasil. São muitas empresas que empregam mais de 400 mil funcionários no Brasil.

DINHEIRO – Esse investimento vai aumentar?
BAZIRE – Não tenho dúvidas. Somente em 2009 tivemos mais contatos de empresas francesas interessadas em vir ao Brasil do que o ano de 2008 inteiro. E são, na maioria dos casos, empresas médias, pois as grandes já estão aqui. O mercado francês está saturado, com desemprego, e o Brasil aparece como um Estado dinâmico, estável e com um potencial de consumo interno fortíssimo.

DINHEIRO – E as empresas brasileiras na França?
BAZIRE – Gostaria que tivessem uma presença maior. Pela proximidade, as empresas brasileiras acabam optando pelas exportações regionais e para os Estados Unidos. Investimentos na Europa são uma segunda etapa. Para estimular isso, criamos este ano a Câmara de Comércio Brasil- França, na França, e espero que ela ajude a fomentar os negócios.

DINHEIRO – O protecionismo europeu em relação aos produtos estrangeiros não seria um entrave para isso?
BAZIRE – Eu acho que não. Obviamente há questões sendo discutidas na Organização Mundial do Comércio (OMC) que deixam claro o protecionismo europeu em relação a produtos agrícolas. Mas eu não creio que isso freie os investimentos. Na França, quando uma empresa estrangeira decide se estabelecer, ela recebe ajuda do governo. É um grande país consumidor, com mão de obra qualificada, é bem situada na Europa. A atratividade da França para os investidores estrangeiros ainda é boa. Acho que o ponto é que as empresas brasileiras que eram nacionais estão virando regionais. E será uma outra etapa elas se tornarem globais.

DINHEIRO – Alguma empresa do CAC 40 pensa em abrir capital no Brasil?
BAZIRE – Até agora eu não ouvi falar em projetos de captação como o Santander está fazendo. Mas não acho impossível. Acho que pode vir.

DINHEIRO – Como presidente do BNP Paribas Brasil, há perspectivas de o banco atuar no varejo?
BAZIRE – Não. Estamos no Brasil desde 1996. Começamos com escritórios de representação e somente depois de alguns anos tivemos a autorização para nos tornarmos banco aqui. E, desde então, crescemos organicamente. No ano passado, o grupo adquiriu o banco BGN, mas foi uma aquisição pontual. Indiretamente, nós atuamos no varejo via Cetelem, que financia empresas de pequeno e médio porte, e via Cardiff, que é a seguradora do grupo BNP Paribas. Mas, diretamente, não. É preciso ter um tamanho crítico para entrar nesse mercado já tão ocupado por bancos com foco em varejo. Seria muito arriscado. É muito tarde e muito caro, como dizemos em francês: “C’est trop tard et trop cher”.

DINHEIRO – Quais são os principais negócios do banco no Brasil?
BAZIRE – Tesouraria e financiamento de empresas. Afinal, somos o banco de financiamento dos submarinos! Em total de ativos, já somos o quinto banco brasileiro sem precisar atuar diretamente no varejo.

DINHEIRO – Há a intenção de se voltar para os clientes de private banking?
BAZIRE – Sim, nós já começamos a área de private banking e estamos criando também a área de corporate finance, que cuidará de fusões e aquisições. O momento do mercado está propício para isso.

DINHEIRO – O banco aumentará a carteira de crédito para empresas em 2010?
BAZIRE – Fica difícil definir isso agora, pois ela depende muito da variação do dólar. Além disso, o mercado ficou bastante fechado no início do ano e só está deslanchando agora. Mas nossas estimativas são de que ela cresça entre 10% e 20% no ano que vem.

DINHEIRO – O BNP Paribas está de olho em aquisições no Brasil?
BAZIRE – No momento, não. Priorizamos o crescimento orgânico e queremos fazer tudo com muita tranquilidade, como sempre fizemos durante toda a nossa história neste País. Por outro lado, nossa área de corporate finance está acompanhando duas grandes aquisições que acontecerão muito em breve. Mas, infelizmente, não posso dizer quais são.