Na trajetória dos empreendedores bem-sucedidos alguns ingredientes são decisivos. A lista inclui disposição para encarar desafios, uma pitada de sorte e, principalmente, um faro apurado para os negócios. No caso da paulistana Alcione de Albanesi, 53 anos, fundadora e presidente da FLC, fabricante de lâmpadas baseada em São Paulo, é necessário incluir, ainda, uma grande dose de voluntariosidade. Quando decide fazer alguma coisa, ela segue em frente sem medir as consequências. “Sempre fui muito atirada e nunca tive medo de desafios”, afirma Alcione. “Aos 17 anos, eu já comandava mais de 100 costureiras na confecção da família.” 

 

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Vitória da persistência: o fracasso da primeira importação de lâmpadas, que causou perdas

de US$ 100 mil, não intimidou Alcione, fundadora e presidente da FLC

 

Foi graças a essa impetuosidade que ela acabou dando uma guinada em sua carreira empresarial, em 1992, quando decidiu importar lâmpadas fluorescentes da China. Raspou as economias e embarcou para a Ásia, onde passou 30 dias, imersa em reuniões com fabricantes do setor, baseados em Hong Kong, Xangai e Taiwan. O périplo terminou na Coreia do Sul. Foi um desastre. O primeiro contêiner que chegou ao Brasil simplesmente teve de ser descartado. “Comprei lâmpadas erradas, que não funcionavam nos reatores usados aqui.” O prejuízo de US$ 100 mil não a abateu. 

 

Tanto isso é verdade que a empresária não apenas seguiu em frente como se tornou a maior importadora independente de lâmpadas do País, responsável por 30% das vendas do produto em um mercado no qual atuam cerca de 150 empresas, liderado por concorrentes do porte da Philips, Osram e GE. Para 2014, a expectativa da FLC é crescer 35% em relação ao ano passado, atingindo um faturamento de R$ 300 milhões. Parte desse salto deverá ser obtida com os resultados de outra tacada ousada da empresária. É que a FLC, sigla para Fortune Light Corporation, começa nesta semana a produzir lâmpadas LED no País. 

 

A fábrica foi instalada no galpão de seis mil metros quadrados antes ocupado por um armazém logístico da empresa, no bairro do Limão, na zona norte da cidade de São Paulo. A inauguração teve como atrativo um show da baiana Claudia Leitte, a nova garota-propaganda da FLC. As máquinas, importadas do Japão e dos Estados Unidos, ainda operam em ritmo lento, porque a equipe está em fase de treinamento. “Esses funcionários da linha de montagem serão multiplicadores de conhecimento”, afirma Caroline Albanesi, filha de Alcione e responsável pela área de marketing. A meta é atingir um pico de quatro mil unidades por turno de trabalho, até o fim do semestre. 

 

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Em ritmo de axé music: A baiana Claudia Leitte tem a missão de substituir

Lima Duarte, o primeiro garoto-propaganda da fabricante de lâmpadas

 

A dona da FLC diz ter investido R$ 11 milhões em uma empreitada considerada acertada pelo mercado. “O LED deverá representar o renascimento da indústria de lâmpadas no Brasil”, diz Georges Blum, presidente da Abilumi, associação que reúne os importadores de produtos de iluminação. Hoje, apenas a alemã Osram ainda mantém um parque fabril por aqui. Fica em Osasco, município da Grande São Paulo, onde são feitos os modelos fluorescentes tubulares e incandescentes. Blum diz que o LED é encarado como o futuro do setor graças a duas características: elevada taxa de luminosidade e baixo consumo, até 90% menor em relação ao produto convencional. 

 

Hoje, esse modelo responde por apenas 15% do mercado de lâmpadas. O principal empecilho é o preço. Uma lâmpada de LED do tipo A60, a mais vendida e que será a primeira do portfólio local da FLC, custa em torno de R$ 40. O valor salgado se deve à carga tributária e às despesas com importação (frete, por exemplo), que encarecem o produto em até 40%, dependendo do modelo. Alcione diz que, de imediato, não existe previsão para redução do preço, uma vez que precisará amortizar os investimentos. O preço menor será obtido apenas em uma segunda fase, quando for inaugurada a fábrica no Nordeste, prevista para até 2016. 

 

A cidade ainda não foi escolhida devido às negociações envolvendo financiamentos e incentivos fiscais. A perspectiva é gerar cerca de mil empregos diretos. Lá, a fundadora da FLC pretende erguer um dos maiores complexos produtivos de artigos de iluminação da América Latina. Ela acredita que com o pacote de benefícios adequado será viável até mesmo produzir as lâmpadas econômicas compactas, conhecidas como PL. Na opinião de Alcione, o fator mão de obra já não é mais um elemento que dê vantagens comparativas à China. “Já há sindicatos na China e os trabalhadores estão brigando por melhores salários e condições de trabalho”, diz. 

 

“A grande vantagem do país é o fato de contar com as maiores reservas de fósforo do planeta, insumo vital na produção de lâmpadas.” Por conta disso, a empresária acredita que sua empreitada tem grandes chances de sucesso. A começar pelo fato de os modelos incandescentes estarem com os dias contados. Por determinação do governo, eles deverão deixar de ser comercializados a partir de 2016. A produção local em grande escala é um velho sonho de Alcione, que está colhendo os frutos de seu pioneirismo. Nestes 22 anos, ela se tornou uma PhD em matéria de iluminação. Consegue discorrer por horas sobre circuitos, filamentos e demais componentes de cada tipo de produto. 

 

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Na terra de Mao Tsé-Tung: Na China, cerca de três mil trabalhadores atuam exclusivamente

para atender as encomendas da brasileira FLC

 

O gosto pelo setor aconteceu por obra do acaso. Durante uma viagem a Miami ela foi ao Home Depot, a maior cadeia americana de lojas de utilidades domésticas, e se assustou com o baixíssimo preço de uma lâmpada fluorescente convencional, produzida na China. Sem falar uma palavra em mandarim, embarcou para Pequim e, com a ajuda de um tradutor, alugou um fax e enviou cerca de 500 mensagens para todos os fabricantes do setor que constavam na versão local das Páginas Amarelas. Um deles apresentou-lhe a lâmpada PL dizendo, em um inglês macarrônico, tratar-se do futuro em matéria de iluminação. Desde então, Alcione já voltou 71 vezes à terra do camarada Mao Tsé-tung. 

 

O fracasso da primeira investida, que resultou na compra de produtos errados, não a abateu. Ao contrário, serviu de combustível para seguir em frente. “Nunca desisto e vou até o fim em tudo que faço”, afirma. Para evitar novas perdas, ela investiu fortemente em qualidade. Entrou com pedido de certificação voluntária no Inmetro e passou a operar com fornecedores exclusivos na China, onde conta com um laboratório para testes de qualidade. 

 

No total, três mil chineses trabalham para a FLC. Mas o momento decisivo aconteceu em 2001, um pouco antes do início do racionamento de energia, que começou em junho. Como acabara de contratar o ator Lima Duarte como garoto-propaganda, a empresária embarcou para a Ásia para negociar novas encomendas. Voltou com o pedido firme de três milhões de lâmpadas, quando as vendas mensais do setor não passavam de 300 mil unidades. “Quando veio o apagão, a FLC era a única empresa com estoque suficiente para atender à demanda”, diz.

 

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