Uma megacorporação empreende uma luta feroz para “aposentar” androides que usam a tecnologia Nexus, com a qual eles se camuflam e se tornam parecidos com seres humanos. A palavra “aposentar” é um eufemismo para matar. A missão é levada às últimas consequências, com buscas por todo o planeta. A trama se desenrola com negociações com os replicantes, tornando difícil saber quem está contra quem. O enredo acima é o centro do filme Blade Runner, longa-metragem de 1982 dirigido por Ridley Scott e estrelado por Harrison Ford. Ainda que ficcional, a história guarda semelhanças que não são simples coincidências com o mundo real dos negócios. 

 

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Blade Runner: Tim Cook entre os personagens do filme dirigido

por Ridley Scott, de 1982

 

A diferença é que o protagonista não é o ator de Indiana Jones, mas sim Tim Cook, CEO da Apple, empresa que também precisa se livrar dos androides que estão em seu caminho. Para ser mais exato, dos celulares que rodam com o sistema operacional Android, do Google, que cresce a passos largos e começou a incomodar Cook. No fim do mês passado, o sucessor de Steve Jobs abriu caminho para essa caçada depois que um tribunal na Califórnia condenou a coreana Samsung, cujos aparelhos são baseados em Android, a pagar indenização de US$ 1 bilhão por quebra de patente. A decisão da corte americana colocou a guerra de patentes na área de smartphones num outro patamar. 

 

O primeiro efeito prático da sentença foi dar a possibilidade à dona do iPhone de solicitar à Justiça que oito produtos da rival sejam banidos dos EUA, o maior mercado do mundo, responsável por 21% das vendas de smartphones. O pedido será analisado neste mês. A empresa de Cupertino entrou com processos similares em outros nove países, que respondem pela maior parte dos US$ 219 bilhões do valor de mercado global de tablets e smartphones. A história, no entanto, está longe do fim. Com a jurisprudência aberta nos EUA, a Apple ganha munição para se aventurar em batalhas judiciais contra celulares de grandes fabricantes, como LG, ZTE, HTC e Sony, que usam o Android. Isso porque os aparelhos dessas companhias conteriam recursos similares aos da Apple. 

 

“O veredito do júri deve aumentar os litígios envolvendo patentes de design, não necessariamente só da Apple”, afirmou à DINHEIRO o americano Alan Fisch, advogado de propriedade intelectual da firma Kaye Scholer LLP, que não está envolvida no caso. Segundo o advogado Douglas Fiorotto, do escritório especializado em patentes Jimenez e Fiorotto, a vitória da Apple a ajudará em futuros processos. Isso porque muitos programas do ecossistema Android, por exemplo, usam o bounce-back, movimento de ida e volta quando uma página atinge seu limite, e o zoom ativado pelo gesto de pinça dos dedos. Ambos os aspectos foram criados pela Apple. “Se as questões forem as mesmas com relação ao layout das demais empresas, abre-se um precedente capaz de influenciar nos julgamentos”, diz Fiorotto. 

 

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Bicho da maçã: presidente do conselho do Google, Eric Schimidt foi próximo

da Apple durante a criação do iPhone

 

Para fugir desse campo de batalha no qual a Apple tem um domínio confortável, uma alternativa capaz de atrair os fabricantes é o sistema Windows Phone, da Microsoft, que pouco lembra a tecnologia da Apple. A Nokia, fabricante que aposta tudo no Windows Phone, já viu suas ações subir 12% depois da derrota da Samsung. No entanto, seria uma precipitação dizer que a Samsung está “aposentada”. Apesar de ter sofrido um baque que derrubou seu valor de mercado em US$ 12 bilhões após o julgamento, a fabricante continua a ser um dos titãs do setor. Há até quem avalie que – justamente por ter adaptado o Android para torná-lo quase uma réplica do iPhone e, assim, desbancar a Nokia da liderança mundial em vendas de celulares — a condenação de US$ 1 bilhão tenha saído barato. 

 

Além disso, o bom desempenho da rival americana ajuda nos resultados da coreana, que fabrica peças para os dispositivos da Apple. É uma relação complexa, como a da androide Rachael (Sean Young) e o caçador Deckard (Harrison Ford), de Blade Runner, cujas cenas de amor eram embaladas pela trilha do grego Vangelis. Em todo caso, um final feliz na relação Apple-Samsung parece distante. A empresa coreana já tenta se distanciar da imagem de replicante do iPhone. Exemplo disso é o fato de a versão mais recente do seu Galaxy S III, se distanciar do design consagrado por Jobs. Essa tendência deve se refletir em outros produtos da companhia. “O problema é que isso vai colocar a Samsung em desvantagem até mesmo contra outros produtores de Android”, afirmou à DINHEIRO Horace Dediu, presidente da empresa finlandesa Asymco, especializada em pesquisa do setor de telefonia. 

 

Ao atingir a Samsung, a Apple também golpeou o Google, que tem nessa fabricante a sua maior parceira de smartphones. A aliança é tão consolidada que o último celular Nexus – a marca de celulares do Google usa o mesmo nome do modelo de androide de Blade Runner– foi produzido com a Samsung. Certamente, o recuo da produtora do Galaxy em relação ao design da concorrente não será suficiente para aplacar a fúria de Tim Cook contra os “androids”. Ira que começou com Steve Jobs, que era amigo de Larry Page e Sergey Brin, fundadores do Google. O criador da Apple, porém, brigou com a dupla depois de conhecer o sistema operacional do Google. “Eu vou destruir o Android porque é um produto roubado”, disse Jobs, segundo a biografia escrita pelo jornalista Walter Isaacson. “Estou disposto a fazer uma guerra termonuclear.” 

 

A raiva de Jobs também era provocada pelo fato de o agora inimigo ter andado sob suas barbas, feito um bichinho da maçã. Na época em que preparava o iPhone, o então CEO do Google, Eric Schmidt, integrava o conselho da Apple. Agora, com a condenação da Samsung, o Google declara que as patentes quebradas estão relacionadas a alterações feitas pela sua parceira. “A maioria dessas patentes não está relacionada ao núcleo do Android”, afirma a empresa. Tudo leva a crer, porém, que o Google deve se tornar alvo de uma enxurrada de processos de quebra de patentes. E, por ironia do destino, os problemas de violação de propriedade intelectual podem fazer o Google pagar até pelo uso do nome Android. A empresa é alvo de processo aberto por Isa Dick Hackett, que a acusa de uso indevido de referências de um famoso livro de seu falecido pai, o escritor Philip Dick. A obra em questão? O caçador de androides, que originou o filme Blade Runner.

 

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Jobs vive

 

Antes de um produto da Apple ser lançado, sempre surgem rumores sobre como seria o aparelho. E quase invariavelmente as especulações se mostram corretas quando o equipamento chega ao mercado. Se a premissa se confirmar mais uma vez, a nova versão do iPhone, que deve ser lançada neste mês, apresentará a transformação mais radical no visual do celular criado por Steve Jobs, em 2007. Os concorrentes, como a Samsung, também parecem dispostos a tomar distância cautelosa das criações da Apple, por receio de represálias judiciais. Isso não quer dizer, porém, que o legado de Jobs tenha ficado para trás. 

 

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Exemplo disso é que os produtos lançados depois de sua morte, no ano passado, como o iPhone 4S e o Novo iPad, saíram da prancheta de Jobs e foram responsáveis diretos pelo lucro líquido de US$ 8,8 bilhões da Apple, no terceiro trimestre do ano fiscal. Esses resultados justificam o porquê de a empresa ter alcançado valor de mercado na casa dos US$ 625 bilhões, o maior do mundo. Graças ao seu controvertido fundador, a Apple continua a ter margens de lucro folgadas e uma legião de fãs disposta a consumir mais e mais os seus produtos.

 

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Criaturas: o iPhone 4S (à esq.) e o Novo iPad foram idealizados por Steve Jobs

 

Colaborou Diego Marcel