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“Até Rodas, presidente do Cade, diz que a decisão fere a Constituição”

 

 

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A Kraft, contrária à fusão, bancou o livro da mãe de Frei Beto

 

 

 

DINHEIRO ? A Nestlé ainda deve uma parte do pagamento aos senhores, conforme foi veiculado na imprensa?
ALEX MEYERFREUND ? Não. Todos os valores já foram pagos.

DINHEIRO ? Então por que o sr. se manifestou a respeito da decisão do Cade?
MEYERFREUND ? Nós temos responsabilidade grande com a empresa, com o Estado do Espírito Santo e sobretudo com os funcionários. A Garoto foi fundada por meu avô Henrique e isso nos orgulha. Queremos que ela seja tratada da melhor forma possível e mantenha o nível de emprego atual. Quando a Nestlé adquiriu a Garoto meu pai ficou muito satisfeito e disse: ?Se a maior empresa de alimentos do mundo dá tanta importância para uma fábrica de chocolates localizada em Vila Velha, realmente nós criamos algo de muito valor.?

DINHEIRO ? A Cadbury, dona da marca Adams, já declarou interesse na empresa. O que o sr. acha?
MEYERFREUND ? Vejo um futuro mais promissor da Garoto nas mãos da Nestlé do que da Cadbury. As finalistas no processo final de venda da Garoto foram a Cadbury e a Nestlé. E a Candbury fez uma oferta absurdamente inferior ao valor da empresa. Esse valor foi 40% abaixo do ofertado pela Nestlé.

DINHEIRO ? Barganhar no preço não faz parte do jogo?
MEYERFREUND ? Não estou falando do valor pretendido pelos sócios. Trata-se do valor estabelecido por três metodologias de mercado: fluxo de caixa descontado, aquisições similares e múltiplos de mercado. Com base nessas metodologias, a Merrill Lynch, que nos assessorou no processo de venda, definiu uma faixa de preço para a empresa, com um teto e um piso. Os candidatos apresentaram suas propostas, e a Nestlé ficou dentro dessa faixa. Não foi nem um preço excelente, mas também não foi aviltante. Era um preço bom. Não vendemos com ágio, mas também não fomos lesados. A postura da Cadbury também não foi correta em outros momentos.

DINHEIRO ? Qual foi o comportamento da Cadbury?
MEYERFREUND ? Quando uma empresa entra numa disputa para comprar outra companhia, ela conhece as regras. O vendedor sempre contrata um assessoria, em geral um banco de investimento. Os possíveis compradores também buscam ajuda de um banco. Mesmo sabendo que a Merrill Lynch era nosso representante legal, nomeado por 100% dos acionistas, a Cadbury foi diversas vezes aos acionistas e tentava nos levar para a mesa de negociação sem a Merryll Lynch.

DINHEIRO ? O que a empresa pretendia?
MEYERFREUND ? Era uma tentativa de afastar o banco de investimento e obter um valor abaixo do real valor da empresa. A família não concordou. Meu pai foi procurado mais de uma vez. A Cadbury queria chegar a um acordo paralelo ao processo que a Merrill Lynch estava coordenando. Tratava-se de um leilão, no qual todos os participantes receberiam o material descritivo sobre a empresa e teriam uma série de entrevistas com executivos. Depois disso os interessados mandariam suas propostas em envelopes fechados no mesmo dia. Era um processo de igualdade na cessão de informações. E a Cadbury tentou burlar isso. Até um dia em que meu pai pediu para que eles não ligassem mais e que esclarecessem qualquer dúvida com a Merrill Lynch.

DINHEIRO ? O que eles ofereceram?
MEYERFREUND ? Não chegaram a fazer nenhuma oferta, porque não deixamos. Eles queriam conversar diretamente e diziam que seria mais vantajoso para nós. Eu não vejo nada mais vantajoso do que ouvir as propostas de todos e tomar a decisão com várias propostas na mão. Eles demonstraram que não seria vantajoso quando apresentaram a proposta deles, bem abaixo do estabelecido pela Nestlé. Além disso, a Cadbury queria que os antigos acionistas assumissem a responsabilidade por qualquer problema com o Cade. Ela poderia devolver a empresa e a família teria que devolver o dinheiro. A Nestlé não. Pagou mais e se responsabilizou por qualquer problema com o Cade.

DINHEIRO ? A Cadbury não atua no setor de chocolates aqui, ao contrário do que ocorre em outros países. Isso não garantiria que ela tratasse a Garoto com cuidado?
MEYERFREUND ? Não acredito. A Cadbury só chegou ao País porque comprou a Adams mundialmente e herdou ativos e marcas no Brasil. Chegou ao Brasil quase por acidente. Ela desconhece nosso mercado de chocolates. A Nestlé conhece o Brasil como ninguém. Os executivos são todos brasileiros. Ela é a maior empresa de alimentos do Brasil e a operação brasileira é segunda em volume dentro do grupo. O ano de 2002 foi muito difícil para o mercado e mesmo assim a Nestlé trouxe dinheiro de fora para comprar a Garoto. Não é dinheiro especulativo. É dinheiro para a produção.

DINHEIRO ? A Cadbury não poderia ser uma saída para o impasse criado a partir da decisão do Cade?
MEYERFREUND ? No passado, a Cadbury quis se aproveitar de uma crise familiar para comprar a Garoto mais barato. Agora quer aproveitar uma situação desconfortável da Nestlé perante o Cade para comprar a empresa de forma bem menos onerosa, em função do prazo concedido pelo Cade. Eu vejo um reflexo especulativo da Cadbury.

DINHEIRO ? A união da Nestlé e da Garoto não provocaria concentração no mercado, prejudicando o consumidor?
MEYERFREUND ? Durante décadas, a Nestlé brigou de igual para igual com a Garoto. Nunca apelou para guerra de preços ou aumentos absurdos, nem mesmo em suas marcas líderes. O mercado de chocolates não é essencial. Se houver aumento abusivo de preços, o consumidor não compra Nestlé e Garoto e compra Lacta. Ou então substitui o produto. Compra bala, biscoito de chocolate. Há muitos substitutos. O Cade e o governo deveriam se preocupar com outros oligopólios, como o do aço e do cimento, que aumentam o custo de vida para a população pobre. A Petrobras hoje monopoliza o petróleo. O preço do combustível tem um impacto enorme no custo de vida da população. Por que ninguém diz nada? É só olhar o lucro da Petrobras. Já o chocolate nunca vai ser bem essencial.

DINHEIRO ? Alguns analistas acreditam que a decisão do Cade afugentaria investimentos estrangeiros. A Cadbury diz que sua proposta de compra da Garoto evitaria esse risco.
MEYERFREUND ? Então que a Cadbury faça uma proposta decente pela Garoto. Eu posso oferecer US$ 5 milhões pela Petrobras. O governo vai vender? É simples fazer uma oferta. Mas fazer oferta séria é diferente. A Cadbury deveria trazer para o atual processo a seriedade que ela teve na primeira fase. A Cadbury quer jogar para a torcida e mostrar ao Cade e à opinião pública que tudo é muito simples. Basta vender a Garoto para ela pelo preço que ela julgar conveniente e assim se resolve o problema. O problema da Garoto é uma falta de foco do Cade. O processo deveria ser julgado em dois ou três meses, com restrições.

DINHEIRO ? Que tipo de restrições?
MEYERFREUND ? Restrições que fizessem a Nestlé perder mercado e ficar com participação inferior a 50%. O Cade poderia fazê-la vender marcas e ativos nos segmentos em que ela tem muita concentração, como a de coberturas de chocolate. A própria Nestlé se mostrou favorável a esse tipo de abordagem. Será que não pode haver isso? Ou será que só pode existir a venda total? Solução existe. Faltam vontade política e menos estrelismo de alguns conselheiros do Cade em demonstrar serviço.

DINHEIRO ? O Cade abriu possibilidade de rever o processo caso houvesse fatos novos. O sr. acredita nisso?
MEYERFREUND ? O processo está cheio de erros. Os prazos são irreais. Os conselheiros do Cade estão perdidos em relação ao que é a economia real hoje. A família foi muito ágil nas decisões e demorou um ano para concluir a operação. O Cade acha que tudo pode ser feito em 120 dias.

DINHEIRO ? Houve outros erros?
MEYERFREUND ? O Cade determinou que a Garoto pode ser vendida como o comprador quiser. Ele pode levar ativos ou só as marcas. E o que acontece com a fábrica no Espírito Santo? Vira uma fábrica fantasma? Vila Velha, com 500 mil habitantes, é dependente da Garoto. E o Espírito Santo é o Estado mais pobre do Sudeste. Sou contra monopólio, mas acho que não pode haver essa interferência do Estado na economia. Já foi assim no passado e não funcionou. A função do Cade é corrigir distorções e não criar problemas superiores aos da suposta concentração.

DINHEIRO ? O que a família pretende fazer?
MEYERFREUND ? A família já não tem qualquer participação na empresa. Mas, até por nossa ligação com o Espírito Santo, podemos conversar com a bancada de deputados federais do Estado, o governo estadual e o Cade. Em termos políticos, existem forças muito maiores do que a da nossa família.

DINHEIRO ? Que forças são essas?
MEYERFREUND ? As forças políticas da Kraft e de outras empresas. Realmente me admira um pouco que um assessor direto da Presidência da República como o Frei Beto vá, juntamente com o Lula, à inauguração da nova fábrica da Lacta. Isso depois que o livro da mãe do Frei Beto foi patrocinado pela própria Kraft. O Frei Beto foi de helicóptero e todo o transporte foi bancado pela Lacta. Acho que um dos motivos que levou a Nestlé a perder no Cade foi não ter trabalhado fortemente o aspecto político.

DINHEIRO ? A decisão foi política?
MEYERFREUND ? Foi. Foi uma tentativa dos novos membros do Cade de demonstrarem força dentro do órgão. Eles quiseram mostrar que o Cade do passado não tem nada a ver com o Cade atual. O próprio presidente João Grandino Rodas disse que a decisão é inconstitucional. Ele não é uma pessoa comum e como presidente do Cade tem algum conhecimento do caso. Geralmente os conselheiros não comentam as decisões dos outros. Desta vez, o presidente do Cade foi à imprensa criticar a decisão do órgão. Só isso demonstra que o processo deveria ser reaberto. A Nestlé vai à Justiça e eu acho que conseguirá uma decisão favorável. Mas isso vai demorar e é muito ruim para a Garoto.

DINHEIRO ? A Cadbury diz que quer comprar a empresa na totalidade e manter as operações.
MEYERFREUND ? Mas a que preço? Pelo preço que a Cadbury quis pagar, meu pai, dono de 40%, compraria o restante dos demais sócios para acabar com a briga societária. A proposta da Cadbury não foi séria. A Cadbury diz que compra. Mas compra muito abaixo do valor, na bacia das almas. Comparar a Cadbury e a Nestlé aqui no Brasil é uma piada. Há 80 anos, sabemos por que a Nestlé veio ao Brasil. Mas o que é, e o quer, a Cadbury? Não é uma postura séria de uma empresa séria.