A via-crúcis da Arthur Andersen, iniciada com a quebra de um de seus maiores clientes, a Enron, será muito mais sofrida do que seu comandante Joseph Berardino podia imaginar. A empresa descobriu que os pedidos de indenização que investidores irão fazer na Justiça, de até US$ 10 bilhões, são apenas a primeira estação do calvário. As seguintes são mais difíceis. Para começar, seus clientes começaram a lhe virar as costas. Gigantes do porte do laboratório Merck & Co, da empresa de entregas Federal Express e da Delta Airlines ,disseram adeus as empresas que fugiram do escândalo. Em seguida, quem virou as costas à empresa foram seus pares. A Andersen, sentindo que a carteira de 2.400 clientes poderia escorrer entre os dedos, tentou negociar sua venda para os principais concorrentes e acabou rejeitada. Ouviu ?não? três vezes. Sem muita alternativa, a direção da quinta maior empresa de auditoria do mundo resolveu adiantar-se e preparar ela mesma o próximo capítulo de sua história. Pediu a seus advogados que deixassem pronto um pedido de concordata e pode usá-lo na Justiça a qualquer instante.

Mas a empresa definitivamente não está no controle. O governo americano abriu processo contra ela, acusando-a de ter destruído ilegalmente ?toneladas? de documentos da Enron. O crime, segundo a acusação, é de obstrução das investigações sobre a quebra da antiga gigante da energia. A multa pode ser de US$ 500 mil. A Andersen, porém, não entrega os pontos. Diz-se vítima de abuso de poder do governo e proclama-se inocente.

A concordata, se de fato vier, será só na matriz, nos Estados Unidos, que responde por metade do faturamento do grupo. A idéia é proteger a empresa de indenizações bilionárias no caso Enron, que só podem ser cobradas sobre seus ativos no mercado americano. Contra a perda de clientes, porém, não há medida que proteja. No Brasil, a Andersen tem cerca de 50 empresas que usam seus serviços. São todos da elite corporativa do País, mas também começam a fugir da reputação avariada da firma. Uma deserção de peso foi a do grupo Votorantim. O conglomerado realizou licitação no início do ano para escolher uma nova firma de auditoria e a Andersen venceu ? mas não levou. ?O negócio foi fechado com a PriceWaterhouseCoopers?, diz fonte envolvida na negociação. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) abriu concorrência para mudar de casa. Filiais de multinacionais, seguindo suas matrizes, também estão fazendo contatos com as concorrentes da Andersen. A Merck brasileira já anunciou sua saída. E é só o começo. A revoada de clientes pode intensificar-se em abril, quando a grande maioria dos contratos de auditoria é renegociada.

Oficialmente, a Andersen nega que esteja enfrentando a revoada de clientes, mas internamente a história é outra. Seus funcionários, antes orgulhosos, estão assustados. ?No Brasil muitos já estão procurando novos desafios?, diz o head-hunter Denys Monteiro, da Fesa, especializado em colocar executivos no mercado financeiro. As palavras que escolheu são significativas: ?procurar novos desafios? é um antigo eufemismo do mercado para ?tentando voltar ao mercado de trabalho?. Os concorrentes estão de olho. ?Eles são competentes e bem-treinados e estão disponíveis a sair da Andersen?, diz o head-hunter. Se a Andersen não quiser perder os melhores talentos, terá de pagar caro a eles. O tombo no País, se vier, vai ser grande. A Andersen é a segunda maior firma de auditoria do Brasil, atrás apenas da PriceWaterhouseCoopers.

O clima de fim de festa na corporação é indisfarçável. A matriz tentou vender seus negócios primeiro para a Deloitte & Touche, a segunda colocada no ranking americano de auditoria. Era a oportunidade para a Deloitte ultrapassar a líder do ranking, a PriceWaterhouseCoopers. Mas, nada feito. Quando a conversa esfriou, a Andersen destacou dois times de negociadores e enviou-os para os quartéis-generais de KPMG e Ernst & Young. Nos três casos, a negociação acabou da mesma forma: nenhuma das candidatas à compra quis se arriscar a acabar responsável pelo pagamento de indenizações bilionárias a investidores lesados pelos balanços fraudados da Enron.

Pensando nisso, a KPMG fez proposta para comprar apenas os escritórios localizados fora dos Estados Unidos. As sucursais, do ponto de vista jurídico, são escritórios independentes, pertencentes a sócios locais e apenas associados à Arthur Andersen LLP. José Vitório Trabulsi, presidente do escritório brasileiro, apressou-se em se dissociar do barco que está afundando. Divulgou nota afirmando que não haverá concordata no País e deixou a porta aberta para mudar de placa. ?Os sócios brasileiros, assim como os de outros países, já estão se dedicando à escolha de opções que podem assegurar a manutenção normal de nossas atividades?, informou.