A derrama foi um instrumento usado no período colonial brasileiro pela coroa portuguesa para obrigar os mineradores a pagar os impostos que estavam atrasados – conhecidos como o quinto, na época. De todo o ouro que saía das terras locais, 20% ia para Portugal. Agora, a empresa de telefonia espanhola Telefônica vem usando uma tática em suas compras que está deixando os seus fornecedores tão irritados quanto os exploradores do século 18. A companhia, que é dona da Telesp e da Vivo, centralizou suas aquisições globais em Munique, na Alemanha, a partir do início de 2010. Mas, ao fazer isso, passou a cobrar uma comissão de 4% sobre o valor de cada aquisição de seus parceiros de negócio. 

 

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A taxa é cobrada com a justificativa de que eles usam a plataforma de comércio eletrônico da Telefonica Global Sourcing (TGS), empresa criada para administrar as compras internacionais, como se o privilégio de vender bens ou serviços para a companhia devesse ser remunerado. 

 

Até o ano passado, os fornecedores pagavam um valor fixo, somente a título de cadastro. “É um tremendo absurdo”, afirmou à DINHEIRO um dos fornecedores, que não quis se identificar. O dinheiro pago pelos fornecedores da Telefônica é enviado diretamente para a Alemanha, em uma transação que acrescenta mais impostos e custos aos fornecedores e gera um ganho adicional à operadora espanhola, remetido para fora do País sem que isso ocorra como remessa de lucros ou dividendos. 

 

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Os advogados tributaristas entrevistados por DINHEIRO afirmam que quem vende para a Telefônica ainda tem de pagar 25% de Imposto de Renda, 9,25% de PIS/Cofins e 5% de ISS. Esses tributos, segundo as empresas ouvidas pela reportagem da revista, são pagos por quem vende os produtos ou serviços à operadora de telefonia. Os mesmos advogados ressaltam que não há ilegalidade na cobrança da Telefônica – é uma política comercial, à qual os fornecedores se submetem voluntariamente.

 

A decisão da Telefônica de centralizar suas compras globais é uma atitude que vem sendo tomada por várias empresas. Ela faz sentido para as companhias que têm presença global. Ao fazer isso, essas corporações conseguem comprar em escalas maiores e reduzir o preço unitário pelos produtos e serviços adquiridos. 

 

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Cesar Alierta: o CEO da Telefônica tem fama de ser durão nas negociações e de apertar a margem dos fornecedores 

 

Quando utilizam uma plataforma eletrônica, elas também ficam livres de decisões que possam ser influenciadas por amizades ou preferências locais. O relacionamento fica mais profissional. No final, todos ganham: quem compra, por conseguir um bom preço; e o fornecedor, por realizar uma grande venda. O que é estranho, no caso da Telefônica, é cobrar de quem vende para ela, uma prática pouco comum neste segmento. 

 

DINHEIRO ouviu três portais de compras que têm processos semelhantes ao da empresa de telefonia espanhola. Em nenhum deles, o serviço é cobrado do fornecedor. Quem paga a conta é sempre quem faz o pedido. Procurada por DINHEIRO, a Telefônica não se manifestou sobre o assunto.

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O poder de compra da Telefônica é gigantesco. No ano passado, a empresa investiu E 4,3 bilhões nos 25 países em que está presente. No Brasil, o investimento previsto para 2010 – sem incluir a Vivo, comprada em julho – é de R$ 2,3 bilhões. 

 

Analistas do setor de telecomunicações estimam que a empresa tenha um poder de compra de equipamentos e serviços de R$ 1,5 bilhão por ano no mercado brasileiro. Com a cobrança de 4%, isso significa que R$ 60 milhões deixarão o País e vão para os cofres da Telefonica Global Sourcing, na Alemanha. 

 

A nova plataforma de aquisição, de acordo com uma apresentação de outubro de 2009 à qual DINHEIRO teve acesso, é responsável pela compra de equipamentos de rede e os serviços relacionados (que incluem manutenção e integração de sistemas), computadores, softwares que serão usados em diversas operações mundiais, celulares, fibras ópticas, fios de cobre, entre tantos outros itens.

 

No total, são mais de 60 tipos de produtos ou serviços. Em reuniões com fornecedores, a Telefônica tem dito que a comissão é somente para compras globais – que envolvam vários países – e que tenham valores na casa dos milhões de euros. A empresa acrescenta, nestas conversas, que não serão cobradas taxas para as aquisições realizadas localmente, que correspondem a 95% do volume atual.

 

Em uma apresentação feita em PowerPoint, com o objetivo de justificar a nova plataforma global de compras aos fornecedores, a empresa alega que conseguirá ser mais competitiva em termos de custo e ter uma posição financeira mais forte com a centralização das compras.

 

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Neste documento, a operadora de telefonia informa que a TGS será paga pelo serviço, mas não revela o valor da taxa. Foi só ao receber o modelo de contrato que os fornecedores descobriram que o valor seria de 4% de cada venda. “Com a concentração do mercado de telecomunicações, temos poucos clientes para atender.  Então, não dá para reclamar”, disse um dos fornecedores à DINHEIRO, que também pediu para não ser identificado. “Senão, ficamos de fora do jogo”, concluiu com resignação. Desde o final do ano passado, o setor de telefonia passa por um processo de consolidação no Brasil. 

 

Com isso, três grandes grupos devem ser responsáveis por grande parte do volume de compras do segmento: os espanhóis da Telefônica/Vivo, os mexicanos da Embratel/Claro e os luso-brasileiros da Oi. 

 

Isso explica parte do silêncio dos fornecedores, que veem o número de clientes a quem podem vender reduzido e com poder de barganha cada vez maior. O modelo de contrato que a Telefônica passou aos fornecedores ajuda também a entender a razão pela qual eles não querem ser identificados nesta reportagem. 

 

Em um dos itens está escrito que “as partes concordam em não fazer ou divulgar qualquer comunicado público ou reconhecimento deste acordo de serviço”. Eles temem sofrer represálias da Telefônica, que pode evitá-los em futuras concorrências.