Os últimos dias têm sido estressantes na sede paulistana da Brasil Foods, na Marginal de Pinheiros, em São Paulo. Os principais executivos da companhia passaram a empregar a maior parte do tempo em reuniões com advogados, funcionários e dirigentes de subsidiárias para acalmar os ânimos depois da divulgação de um duro parecer da Procuradoria do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sobre a fusão entre a Sadia e a Perdigão. 

Dois anos depois de concluído o negócio, o procurador do Cade, Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo, considerou insuficientes as medidas sugeridas pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) para defesa da concorrência. A Secretaria já havia sugerido ao Cade a venda de oito marcas e seus ativos correspondentes: Rezende, Wilson, Confiança, Batavo, Escolha Saudável, Doriana, Claybom e Delicata. Insaciável (sem trocadilho), Araújo quer aumentar a lista.

 

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O procurador Gilvandro Araújo: parecer afirma que recomendação da Seae é insuficiente 

 

O parecer, que não é uma decisão final, mas uma orientação para o julgamento pelo plenário do Cade, caiu como uma bomba na BR Foods, que vem procurando uma saída negociada com o órgão antitruste há algum tempo.  A empresa já definiu que  não aceitará medidas restritivas que afetem em profundidade as marcas Sadia e Perdigão, o que comprometeria a essência da fusão e equivaleria a desfazê-la. 

 

Segundo fontes da BR Foods, que não quiseram se identificar, se isso ocorrer, o caso fatalmente irá parar na Justiça, o que poderia gerar uma novela semelhante à da compra da Garoto pela Nestlé, que se arrasta há nove anos. Terceira maior exportadora do País, com 120 mil empregados e um faturamento de R$ 22,6 bilhões em 2010, a companhia quer evitar a destruição do que considera o maior valor gerado pela fusão, sua competitividade global. 

 

A empresa gerada pela fusão já é uma realidade: há um único conselho de administração, as duas marcas podem atuar conjuntamente no Exterior e as ações da Sadia e da Perdigão, na Bovespa, foram substituídas pelos papéis da BR Foods. Em geral, a posição do procurador Araújo foi criticada pelo mercado. Para muitos especialistas, há a impressão de que o parecer da procuradoria errou no tom e que as exigências ultrapassariam o limite da preservação da concorrência, eliminando os ganhos econômicos de uma grande fusão. 

 

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Nildemar Secches: o atual presidente do conselho da BR Foods dirigia a Perdigão

 

Em seu arrazoado, Araújo parece esquecer, afinal, que a fusão (na verdade, a incorporação da Sadia pela Perdigão) foi fechada às pressas para salvar a empresa da família Fontana, que corria o risco de quebrar devido a prejuízos bilionários decorrentes da especulação com contratos cambiais. Advogados especialistas em fusões e aquisições ouvidos pela DINHEIRO consideraram o parecer exagerado, embora poucos acreditem que as recomendações drásticas sejam realmente adotadas. 

 

A expectativa é de que haja uma solução negociada antes do julgamento ou até mesmo que a orientação da procuradoria não seja seguida pelo plenário, composto por seis integrantes. “Foi duro demais”, afirma o sócio de um dos maiores escritórios de advocacia societária, de São Paulo. “A atitude da procuradoria é um precedente importante. Eles estão mais rigorosos.”  O mercado financeiro  reagiu mal: em dois dias, as ações da BR Foods caíram 8,8%.

 

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Luiz Fernando Furlan: o ex-ministro agora é conselheiro independente 

 

Uma manifestação rigorosa como a da semana passada, mais de dois anos depois da criação da BR Foods,  expõe ainda um dos maiores problemas do sistema de defesa da concorrência brasileiro: a demora na análise de casos de grande porte, que começa depois dos negócios fechados. “Qualquer ajuste feito depois é mais custoso”, afirma Gesner de Oliveira, ex-presidente do Cade. “É preciso encurtar os prazos.” 

 

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Nos Estados Unidos e na Europa, a avaliação é prévia à concretização da fusão, com prazos que vão de 30 dias para as mais simples até seis meses para as mais complexas. No Brasil, a análise prévia ainda depende de mudança na legislação da concorrência, que está em discussão no Congresso. Resta saber se a mudança realmente evitará o contrassenso de se tentar desfazer uma fusão quando ela já é praticamente irreversível.