12/01/2016 - 0:00
O capítulo final da vida e da obra de David Bowie, morto nesta semana, reúne lições que valem por um MBA. Com mestria, sintetiza a carreira de alguém que sempre saiu da zona de conforto para, com ousadia, reinventar a si mesmo. Por isso David Robert Jones, além de gênio da música e da cultura – responsável por mais de 140 milhões de discos vendidos em quase 50 anos -, tem muito a nos ensinar sobre o modo como conduzimos nossos negócios e a vida profissional. 
O trabalho de despedida da Bowie é um esplendor, uma obra-prima, como avaliam diferentes críticos internacionais, antes mesmo da notícia da morte do cantor. David Bowie transformou a morte iminente em arte. 
Havia 18 meses que lutava contra um câncer. Com a proximidade do fim, trabalhou na criação de seu último álbum, “Blackstar”. Caprichou. Mas não foi só isso. Ele buscou algo único, marcante, e por isso – como sempre fez – fugiu da armadilha do caminho fácil da repetição de fórmulas. Quis nos provocar até mesmo no instante final. 
“Ele sempre fez o que quis fazer, e ele queria fazer do jeito dele, e queria fazer do melhor jeito”, postou no Facebook Toni Visconti, parceiro musical de muitas décadas e último produtor a trabalhar com o artista. “A morte não foi diferente da vida dele – um trabalho de arte. Ele fez ‘Blackstar’ para nós, seu presente de despedida. Eu soube por um ano que isso [a morte do artista] seria dessa forma.” 
Ousadia
Simbólica, “Blackstar” é de um lirismo tenebroso, poesia de um universo onírico sombrio e enigmático. Que planeta desabitado seria aquele, encoberto por uma estrela negra e um astronauta morto, uma caveira largada numa galáxia distante? Seria Major Tom, o personagem do primeiro sucesso de Bowie, “Space Oddity”, que transformou  esse inglês de origem pobre em estrela pop mundial? “Algo aconteceu no dia em que ele morreu”, diz a letra de “Blackstar.” 
Bowie sabia que morreria em poucos meses e não mediu esforços para fazer algo impactante. E o fez por um caminho espinhoso, refinadíssimo. Basta ouvir a música e ver o clipe para entender o que estou falando. 
Inquieto e inovador
 
Ele foi assim durante toda a carreira. A cada disco, uma jornada diferente. Seus trabalhos iam do glam rock ao soul, passando pelo blues, pop e o eletrônico. Na moda, mil estilos e referências – do andrógino ao clássico -, o que influenciou estilistas de diversas gerações.
“A música de Bowie flertou com o jazz, o blues, o hard rock, a música folk, a british invasion, o rock progressivo e a world music”, escreveu Kid Vinil, jornalista e estudioso do rock. “Não havia limite no seu processo criativo. Seu talento não se resumiu somente à música.” 
Nessa busca, Bowie fracassou algumas vezes, mas não desistia. Voltava ao jogo com outras propostas e enveredava por trincheiras novas para ele, como o cinema, revelando-se um ator talentoso. Entre os filmes de que participou está “The Hunger”, um longa-metragem de horror erótico, de 1983, ao lado de Catherine Deneuve. “David Bowie foi responsável por muitas mudanças na cena do rock e do pop, influencia gerações e sua memória continuará viva entre nós”, disse Kid Vinil. 
Coragem para correr riscos
No mundo profissional, o que se valoriza cada vez mais é a busca pela inovação e a experimentação – não pela simples mudança ou por modismos, mas pela tentativa de aperfeiçoamento e atualização constantes. Uma questão de sobrevivência. 
É a coragem de correr riscos – mas de modo consciente – para se manter na vanguarda. É ser inquieto. É não se acomodar com a vitória de ontem. É sair da zona de conforto, por mais que isso implique em assustar aos outros num primeiro momento. Qual o empreendedor visionário que nunca foi chamado de louco? Bowie foi. Várias vezes.
Ele nos mostrou todas essas qualidades de forma brilhante. Até o último momento.