03/04/2002 - 7:00
DINHEIRO ? O Brasil tem capacidade para produzir 3 milhões de carros por ano. Mas produz apenas 1,5 milhão. O País continua sendo um mercado atraente?
JEAN-MARTIN FOLZ ? Continua, sem dúvida. Eu desconfio muito dessa história de capacidade ociosa. Carro não é petróleo, em que um barril do produto é igual a outro barril. Carros são produtos diferentes entre si; e a emoção é parte integrante do processo de compra. Se há capacidade ociosa é porque alguma coisa não agrada ao consumidor. Pode ser preço, pode ser qualidade, pode ser design, entre outras dezenas de coisas. A Europa está em recessão como o resto do mundo e lá estamos utilizando 114% de nossa capacidade. Somos a segunda colocada no mercado europeu com 15% e temos 5,5% do mercado mundial. Aqui no Brasil temos os mesmos veículos que na Europa e vamos atingir 8% do mercado em 2004. Qualquer comentário sobre excesso de capacidade e mercado pequeno para tanta montadora tem um indiscutível cheiro de protecionismo.
DINHEIRO ? Protecionismo de quem?
FOLZ ? Ora, das montadoras tradicionais.
DINHEIRO ? O sr. acredita que isso é um discurso em
função da concorrência?
FOLZ ? Sim, e discurso das quatro montadoras tradicionais. Durante anos, elas ficaram sozinhas no País produzindo carros antigos e nada as incomodava. Agora, chegaram novas montadoras, construíram fábricas novas e modernas, trouxeram modelos de veículos atualizados e métodos mais arrojados na busca pelos clientes. Elas perderam mercado. Isso tudo provoca um incômodo grande. E surgem discursos desse tipo.
DINHEIRO ? Mas é fato que o setor está em recessão…
FOLZ ? É só acompanhar nossa trajetória por aqui. Em 2000, tínhamos 2,1% do mercado e, na época, nos tornamos o maior importador do mercado brasileiro. Em 2001, inauguramos a fábrica e atingimos no final do ano 3,1% do setor, com 48 mil unidades vendidas. Nos dois primeiros meses deste ano, nossa participação já bateu em 5,4%. Queremos ter 8% das vendas do Mercosul até 2004, como falei. Nós somos uma das menores montadoras do País e procuramos conquistar o consumidor com carros atraentes como fazemos na Europa.
DINHEIRO ? As peculiaridades do Brasil não dificultam a vida de uma montadora recém-chegada?
FOLZ ? O grande problema é que o mercado brasileiro tem uma distorção grande, que é a tributação diferenciada para o carro 1.0. Aqui esses veículos pagam 10% de IPI, enquanto os demais pagam 25%. É uma diferenciação que não existe em nenhum outro lugar do mundo. O carro 1.0 tem um efeito nefasto para o País. Ele penaliza profundamente o mercado brasileiro.
DINHEIRO ? Por que penaliza se 75% a 80% dos consumidores compram carros populares?
FOLZ ? Porque o carro 1.0 só é vendido no Brasil e não pode ser exportado para nenhum outro mercado. Por isso, a indústria brasileira não se insere no mercado mundial. Não achamos correto que um país economicamente forte seja obrigado a utilizar esses automóveis. Há uma preocupação em atender uma parcela da população com esse tipo de veículo. Isso é louvável do ponto de vista social, mas teve um efeito negativo sobre o mercado. Não se deve fazer política social por intermédio de uma política de tributação de produtos.
DINHEIRO ? O sr. acredita que a existência do carro
popular no Brasil também se deve à pressão das
montadoras tradicionais?
FOLZ ? Eu não generalizaria. A Fiat é que tem posições antigas a defender. Em minha opinião, o interesse da economia brasileira é acabar com essa divisão no mercado. Essa divisão tornou-se uma curiosidade local. Nossa proposta é que não haja essa divisão arbitrária na tributação. O primeiro impacto seria no próprio mercado brasileiro, que teria uma situação mais harmoniosa, pois a linha de produtos seria mais ampla e atenderia as necessidades específicas dos consumidores. Para o mercado externo, também seria positivo, porque as montadoras instaladas aqui ganhariam escala e poderiam exportar para outros países.
DINHEIRO ? A PSA não concorda, mas fabrica carros
1.0 no Brasil…
FOLZ ? Claro. Temos de atender o consumidor. Nós fabricamos e comercializamos o Peugeot 206 com motor 1.0, mas também produzimos o mesmo modelo com outras motorizações.
DINHEIRO ? A situação da Argentina não prejudica esses planos de ter uma presença maior na região?
FOLZ ? Não prevíamos uma situação tão ruim na Argentina. Lá temos 18% de participação. A crise profunda que atingiu o país prejudica mas não inviabiliza o Mercosul. Nós temos duas fábricas no Mercosul ? uma no Brasil e outra na Argentina. São unidades complementares, que não produzem os mesmos veículos. Para atender cada um dos mercados da região, nós precisamos das duas fábricas. Então, não é possível abrir mão de uma delas porque o país está em crise. Aliás, desde que a globalização ganhou força, todas as empresas mantêm estruturas industriais desse tipo, integradas. Em algum momento, a Argentina sairá dessa situação e estaremos prontos para aproveitar a retomada do mercado.
DINHEIRO ? Houve impacto nos investimentos previstos?
FOLZ ? Claro que não ficamos parados diante da situação lá na Argentina. Reduzimos as despesas, fizemos cortes de pessoal e adiamos investimentos industriais. Tínhamos planejado o lançamento de uma plataforma para carros médios na Argentina e adiamos esse projeto de US$ 50 milhões. Queríamos ter plataformas de automóveis médios e pequenos na fábrica de Porto Real, aqui no Brasil. Para a Argentina, teríamos plataformas de carros médios e grandes. Com essa situação, adiamos o projeto de médios na Argentina.
DINHEIRO ? O senhor diz que a PSA pensa sempre em Mercosul. A crise argentina afeta os planos para o Brasil?
FOLZ ? Não. Continuamos no caminho traçado anos atrás. Primeiro fizemos um investimento de US$ 600 milhões na construção da fábrica de Porto Real. Agora, em março, fizemos um segundo grande movimento, a inauguração da fábrica de motores, também em Porto Real. A terceira etapa, que está mantida de acordo com o cronograma, é o lançamento do C3 no Brasil no primeiro trimestre do próximo ano. Trata-se de um carro totalmente novo que apresentamos no Salão de Genebra.
DINHEIRO ? Como a PSA analisa as perspectivas de eleição de um governo de esquerda no Brasil, já que o candidato Luís Ignácio Lula da Silva lidera as pesquisas?
FOLZ ? Nossa empresa não interfere nem opina na vida política de qualquer país onde esteja presente. Você sabe que temos também eleições na França este ano. Um dos candidatos é Lionel Jospin, do Partido Socialista. Não vejo qualquer problema e não darei qualquer opinião sobre esse assunto, apesar de ser meu país. Então falarei menos ainda sobre as eleições brasileiras. O que posso dizer é que atuamos em vários países nos quais os governos são de esquerda, da Inglaterra à China, e nunca tivemos qualquer problema. Não vejo por que teríamos com o sr. Lula na Presidência do Brasil. Na verdade, não temos interesse na convicção política das pessoas que compram nossos carros. O que pode nos fazer mudar nossos planos são viradas bruscas no contexto econômico provocadas por políticas ou decisões de um governo ? e isso necessariamente não acontece só com governos de esquerda.
DINHEIRO ? Os juros altos não prejudicam as vendas de
carros no Brasil?
FOLZ ? Os juros e, conseqüentemente a possibilidade de financiamento, é apenas um dos fatores que influenciam a compra de um automóvel. Há também a questão de confiança, o estado do carro que ele quer trocar, as novas necessidades da família, entre outras. Não se pode estabelecer uma relação direta entre o custo do dinheiro e a evolução do mercado de automóveis. Nós temos no Brasil 23% de nossas vendas feitas por financiamento. É uma proporção semelhante à do resto do mundo.
DINHEIRO ? Nos últimos anos, houve uma concentração no setor automobilístico no mundo, com diversas fusões e aquisições. Esse processo já se esgotou?
FOLZ ? A minha impressão é que o mercado não aprecia essas fusões. Os resultados não têm sido satisfatórios. A maior das fusões, entre Daimler Benz e Chrysler, enfrentou sérios problemas para se concretizar. Nós seguimos um caminho diferente e creio que pudemos aproveitar melhor as oportunidades que a globalização nos ofereceu. Hoje, vendemos 50% a mais do que há quatro anos. Nossa rentabilidade é 4,8% na divisão de automóveis e de 5,1% no grupo. Nós optamos por fazer parcerias pontuais. Há 4 anos, nos unimos com a Ford para desenvolver e produzir motores a diesel. No ano passado, criamos uma plataforma para pequenos veículos na Europa em conjunto com a Toyota. Em outras palavras, quando chegamos à conclusão de que tamanho é fator de sucesso em alguma área de atuação, firmamos parcerias sem abrir mão da independência. Nossa empresa tem sido reconhecida em todo o mundo pelos bons resultados obtidos a partir de uma estratégia diferente daquela adotada por outras empresas do setor, que não se revelou tão ruim quanto muitos pensavam. Registramos indíces de crescimento muito bons; as ações de nossa empresa também têm tido excelente desempenho. Não acreditamos em fusões e aquisições. E, pelos resultados que alcançamos, acredito que estamos no caminho certo.