02/06/2004 - 7:00
Um dos mais poderosos e menos conhecidos cartéis do mundo tem sede nos Estados Unidos, dita os preços de um líquido vital e opera em torno de interesses anuais de US$ 20 bilhões. Trata-se do cartel do sangue, no qual 20 multinacionais fabricantes de hemoderivados, como são chamados os produtos obtidos industrialmente por meio da manipulação do plasma sangüíneo, detêm o controle sobre a saúde de milhões de pessoas e a economia de centenas de órgãos governamentais de saúde em todo o planeta. Elas manipulam valores equivalentes a um terço do mercado mundial de petróleo, estimado em
US$ 60 bilhões. O poderio americano é de tal ordem que o país é conhecido como a Opep do Sangue. O Brasil não possui nenhuma fábrica de hemoderivados e, nos últimos anos, tem ficado à mercê desses interesses, obrigado a comprar o produto por meio de concorrências internacionais.
A americana Baxter, a francesa LFB e a austríaca Octofarma têm-se revezado nos últimos anos nas vendas anuais de sangue ao Ministério da Saúde brasileiro. Elas participam de negócios que chegam a R$ 200 milhões ao ano. O governo Lula apresentou projeto na Câmara para criar a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobras) e produzir sangue especial por aqui. ?O País faria uma economia de 50% em suas compras?, disse à DINHEIRO o autor do projeto, Luiz Amorim, médico-chefe do Serviço de Hemoterapia no HemoRio. Segundo ele, a partir de um investimento de R$ 60 milhões o retorno em produção começaria a se dar dentro de três anos.
A impressão do público em geral é a de que a atividade à volta do sangue humano se limita a doações de pessoas físicas, coleta em bancos de sangue públicos e sua aplicação em hospitais. Este circuito colhe anualmente cerca de 400 mil litros de sangue, atende boa parte das necessidades dos hospitais, mas não é capaz de suprir as carências dos 8 mil hemofílicos do País. Por lei, eles têm de receber transfusões às custas do governo.
Daniel Wainstein
NO BANCO
Oito mil hemofílicos dependem de compras internacionais de sangue
Em fevereiro de 2003, executivos da Baxter denunciaram à polícia a violação de um envelope em que, na licitação em curso, a empresa indicava seus preços de venda de sangue. As investigações chegaram na semana passada até a quadrilha de vampiros da Saúde. ?Também estamos investigando as corporações por suspeita de improbidade administrativa?, assinala um dos delegados da operação. A Baxter é considerada a produtora do melhor hemoderivado do mundo. A companhia coleta em colônias de mórmons no Meio Oeste americano parte do sangue que utiliza. A legislação americana, ultraliberal, permite a um cidadão vender extrações de seu próprio sangue. Essas operações rendem, em média, US$ 30.
Na semana passada, contava-se em 17 o número de vampiros flagrados pela Polícia Federal no desmonte ao esquema de corrupção à volta do sangue. Integrantes do alto escalão do Ministério da Saúde foram presos sob acusação de terem sugado cerca de R$ 2 bilhões dos cofres públicos, em operações feitas desde o início dos anos 90. Vinte e cinco funcionários do órgão foram exonerados em razão do esquema, entre eles o coordenador de Assuntos de Logística, Luiz Cláudio Gomes da Silva, auxiliar direto do ministro Humberto Costa, e o ex-assessor da Central de Medicamentos, Lourenço Rommel Peixoto.
Após as primeiras denúncias sobre o esquema, o orçamento de R$ 200 milhões em compras de sangue por ano foi cortado à metade. Nessa diferença de valores situava-se a margem de manobra dos corruptos. Isso explica por que muitos dos presos foram apanhados com milhares de reais, dólares e euros em suas casas. Na quinta-feira 27, de dentro da cadeia em Brasília, o acusado Laerte de Arruda Júnior, que atuava do lado de fora do Ministério, como intermediário de compras, tentou movimentar pelo telefone R$ 4,5 milhões de uma de suas contas. A tentativa foi frustrada por técnicos do Banco Central.
DENTRO DAS VEIAS
Indústria gira à volta de interesses bilionários
O mercado mundial de hemoderivados movimenta anualmente US$ 20 bilhões
O Brasil importa aproximadamente R$ 100 milhões em sangue
especial a cada ano
Apenas 20 empresas fabricam hemoderivados em todo o mundo, a maioria nos EUA
Instalar uma fábrica de sangue especial no País tem um custo estimado
em R$ 60 milhões
O Brasil tem 8 mil hemofílicos. O Estado é obrigado a fornecer
hemoderivados para o seu tratamento
Até a semana passada, 25 funcionários acusados do esquema de superfaturamento