22/01/2021 - 12:00
A frase “inovar é fazer aquilo que ontem era impensável, de maneira que amanhã seja indispensável” tem servido de inspiração para o empresário Miguel Abuhab. Ele é o fundador da Neogrid, fabricante brasileira de software (ERP) que revolucionou o mercado ao criar uma plataforma que conecta os sistemas de gestão de distribuidores, varejistas, indústrias e fornecedores. A ferramenta movimenta mensalmente R$ 36 bilhões em pedidos, sell-in (venda), sell-out (entrega) e estoques. “Poucas empresas no mundo oferecem o nosso serviço”, afirmou o executivo à DINHEIRO. Hoje, ele preside o conselho de administração da empresa. “É uma ideia revolucionária no sentido de que temos de mudar conceitos, a cultura das empresas.”
Por meio da plataforma, empresas de varejo compartilham em nuvem seus dados de estoque e de vendas com companhias de manufatura que podem ajustar a produção, a distribuição e a reposição, de acordo com o ritmo de consumo, apostando no uso de Inteligência Artificial e algoritmos. Ao menos 40 mil lojas, 130 redes de varejo, 30 mil indústrias e 5 mil distribuidores têm as informações monitoradas pela empresa, de Joinville (SC). A Neogrid possui escritórios em Porto Alegre, São Paulo, Miami (Estados Unidos) e Amsterdã (Holanda), e distribuidores no México e no Japão.
O crescimento da companhia se reflete não só na expansão continental. Incentivada pelos próprios clientes, captou R$ 486,5 milhões em oferta inicial de ações (IPO) na B3, em dezembro. A maior parte desse montante será aplicada no crescimento inorgânico, nas aquisições. Outros 20% serão investidos em pesquisas e desenvolvimento e vendas. O IPO da Neogrid significou a segunda participação do executivo na bolsa, após experiência com a Datasul, criada também por ele, em 1978. A companhia tornou-se pioneira em software de controle de produção no País e, em 2006, realizou a sua oferta de ações — captou R$ 317 milhões na ocasião. Dois anos depois, foi comprada pela Totvs em um negócio de R$ 778 milhões.
Se hoje a Neogrid goza de uma posição consolidada no mercado, o mesmo não se pode dizer dos anos seguintes à fundação, em 1999. Como a proposta da empresa representava uma mudança de cultura em relação às práticas de mercado, o desafio se intensificou. Segundo Abuhab, foi preciso convencer os varejistas a abrirem os seus dados a fornecedores, “catequizá-los”. E a aposta parece ter dado resultado. Em 2019, a receita líquida da companhia foi de R$ 207,9 milhões. Entre janeiro e setembro de 2020, chegou a R$ 154,5 milhões — os números relativos ao último trimestre ainda não foram divulgados. As operações internacionais representam 25% da receita da companhia.
A Neogrid tem no planejamento para este ano avançar nas aquisições. “Às vezes, uma companhia, apesar de menor, desenvolveu determinada função, mas não teve o alcance de mercado que nós hoje conseguimos”, afirmou Abuhab. O que a companhia de manufatura não quer, de acordo com ele, é fabricar um produto que vai ficar encalhado na rede de varejo. “Ele ocupa espaço de outro que poderia estar girando.” Os nomes das companhias no foco, no entanto, são mantidos em sigilo pelo presidente do conselho e por Eduardo Ragasol, CEO da Neogrid. O executivo mexicano revelou o interesse em companhias de segmentos como agronegócio, bens de consumo, farmacêutico e moda. “São três grandes avenidas: consolidação de mercado, aquisição de novos nichos para nossos portfólios atuais e de novas capacidades tecnológicas.”
TENDÊNCIA O trabalho da Neogrid é visto com tendência de mercado pelo economista Bruno Rezende, fundador e CEO da 4intelligence, startup que desenvolve soluções para suportar tomadas de decisões baseadas em análise de dados, através de algoritmos e Inteligência Artificial. Para ele, as grandes empresas estão quebrando a barreira sobre compartilhamento de dados e o conceito de federated learning é uma das principais tendências. “Você pega dados de entidades diferentes, de players diferentes de mercado e, a partir disso, cria uma inteligência que beneficie a todos”, disse. Segundo ele, o varejista não perde a venda porque não vai ter ruptura. Já a indústria comercializa mais, além de precisar de menos estoque e menos capital imobilizado para fazer a venda.
Rezende afirmou que, até alguns anos, esse modelo de negócio era impossível porque sem o acompanhamento e a disponibilidade dos dados não era possível calcular direito o retorno sobre investimento desse tipo de iniciativa. “Agora, os próprios dados que permitem que esse tipo de otimização seja gerado também possibilitam que o impacto na empresa seja medido. Sem dúvida é
uma nova era. Não tem volta.”