A quebra do sigilo de um cartão de milhagem pode levar à prisão do principal suspeito do Caso Noroeste. A Polícia Federal encaminhou à Justiça na semana passada o pedido de prisão preventiva do ex-diretor de operações internacionais do banco, Nelson Sakagushi, e de dois subordinados, apontados como os principais responsáveis pelo desvio de US$ 242 milhões dos cofres da instituição. Nos próximos dias o juiz João Carlos Rocha Mattos, da 4ª Vara da Justiça Federal em São Paulo, deverá analisar o pedido. A PF passou os últimos meses rastreando as viagens de Sakagushi ao exterior. O ex-executivo comprava passagens que o levavam a países insuspeitos, como Holanda e Suécia, mas chegando lá prosseguia numa série de conexões cujo destino final era sempre a Suíça. A PF acredita que nesses passeios ele estava movimentando suas contas, transferindo recursos e apagando rastros. Se a Justiça determinar a prisão, o passaporte de Sakagushi será apreendido, impedindo que ele saia legalmente do País. Os outros dois funcionários acusados, que estão colaborando com as investigações, já entregaram espontaneamente seus documentos à Justiça.

A fraude milionária foi descoberta alguns dias após a venda do Noroeste para o Santander, em 1998. As investigações da PF isentaram de qualquer culpa as famílias Simonsen e Cochrane, controladoras do banco, mas apontaram como cúmplices os auditores da Price Waterhouse, responsável pela análise dos balanços da instituição. Sakagushi sempre alegou apenas cumprir ordens dos patrões, Leo Wallace Cochrane Júnior e Luiz Vicente Barros Mattos Júnior. No processo de 10 volumes, porém, o nome contra o qual aparecem provas claras é o dele. Estão anexados dezenas de documentos de transferências eletrônicas internacionais (operações chamadas de ?swift?), bilhetes escritos a mão pelo próprio ex-diretor e comprovantes de depósitos em bancos na Suíça. No pedido de prisão, o delegado da PF Marcus Deneno conclui que houve ?irrefutável participação criminosa de três dos principais personagens (Sakagushi e os funcionários), que tipificarão a formação de quadrilha para prática de crimes contra o sistema financeiro?. Diz ainda que ?é patente a participação dos auditores da Price Waterhouse, que durante anos nada constataram de irregular na contabilidade bancária?. Segundo ele, era ?impossível nada perceber se não fizessem parte da trama criminosa?. A Price se defende. ?A função da empresa era verificar se as normas contábeis eram respeitadas e se os documentos correspondentes existiam?, diz Sérgio Bermudes, advogado da empresa. ?E os controladores? Como é que eles não perceberam o sumiço de US$ 242 milhões??, alfineta.

Para justificar o rombo, o ex-diretor deu vários álibis exóticos, mas eles foram todos desmentidos pelas investigações. Disse que havia doado uma pequena fortuna para a mãe-de-santo Maria Rodrigues da Silva, da casa de umbanda Caboclo de Fogo, em São Paulo. Mas a contabilidade da operação não fecha. No controle da movimentação do cofre do banco, ele registra retiradas de US$ 18 milhões sob a rubrica ?oferendas?. Mas os documentos comprovam apenas dois depósitos na conta da mãe-de-santo ? num total de US$ 80 mil. A explicação para tamanha diferença pode estar no depoimento de outros funcionários. Eles dizem que Sakagushi tirava dinheiro em espécie do cofre e o acondicionava em várias sacolas. Colocava tudo no porta-malas de seu Santana Quantum e simplesmente desaparecia. Em uma dessas ocasiões, segundo um subordinado, teria transportado US$ 691 mil em notas.

Segundo a PF, outra história contada por Sakagushi para justificar o rombo ? o financiamento de um aeroporto na Nigéria ? não passa de uma cortina de fumaça para justificar o desaparecimento de US$ 190 milhões. Ele transferiu de fato dinheiro para aquele país, mas apenas para que seguisse viagem através de uma rede de empresas offshore. A PF agora quer pedir a quebra do sigilo das contas de 50 empresas ?frias? registradas não apenas na Nigéria, mas também em Hong Kong, nos Estados Unidos, Suíça e paraísos fiscais como Lichtenstein, Ilhas Cayman, Bahamas e Ilhas Virgens Britânicas. Procurado pela reportagem de DINHEIRO, Sakagushi disse que suas viagens para o exterior foram feitas por causa de trabalhos como consultor, que não pretende fugir do País e que os responsáveis pelas fraudes são os ex-proprietários do Noroeste. ?Eu só seguia ordens. Eu sei que os controladores estão fazendo de tudo para que eu carregue o fardo sozinho. Mas posso garantir uma coisa: não vou ser o bode expiatório dessa história?. Procurado por DINHEIRO, o advogado dos controladores, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, não retornou as ligações.