DINHEIRO ? As principais companhias aéreas norte-americanas sofrem aquela que já está sendo considerada a pior crise da história da aviação comercial. A United conseguirá sobreviver?
LAURENCE HUGHES ?
Muitas empresas aéreas não conseguirão reagir financeiramente aos incidentes. E as três ou quatro que sobreviverem, entre elas estará a United, aumentarão seu tráfego em até 25% em 2002. A reestruturação do mercado tem que ser rápida. Ou fazemos uma cirurgia urgente ou vamos ficar com um doente por muito tempo. Uma companhia que ao longo de todas essas mudanças não tiver uma boa estrutura de custos e de distribuição não vai sobreviver.

 

DINHEIRO ? Como está a United hoje?
HUGHES ?
O primeiro mês, até 15 de outubro, foi realmente triste. Tivemos
de redesenhar toda a empresa.
Começamos com uma redução de 23% na oferta de poltronas em nossos vôos. Eliminamos também a frota mais antiga da companhia, 64 jatos 737-200 e 726. Estávamos operando uma média de
2.600 vôos por dia em todo o mundo
e agora são 1.950. Em todo o mundo, pela primeira vez na história da aviação civil, fizemos um acordo com os sindicatos para conceder licenças não-remuneradas para os funcionários. É uma situação temporária. Com isso, reduzimos em 20% nosso quadro de funcionários. Em setembro, outubro e novembro tivemos uma redução de 25% a 30% em número de passageiros.

DINHEIRO ? Quais foram os custos dos ataques terroristas?
HUGHES ?
Tivemos que lacrar a cabine dos nossos 690 aviões em cerca de um mês. Adaptamos todas as normas de segurança de vôo. Além das aeronaves, há custos de marketing, publicidade, atendimento às famílias de vítimas. O custo dessa crise ainda não terminou. Não tenho os números e mesmo que os tivesse não poderia comentar. É um gasto horroroso, pavoroso. Não só para nós, mas para todas as companhias.

DINHEIRO ? Desde os atentados em setembro, o sr. deve ter se reunido por diversas vezes com o presidente mundial da United. Qual o recado que tem sido dado aos executivos?
HUGHES ?
Já trocamos de presidente inclusive. Mas a
mensagem para os executivos da companhia em todo o mundo
é uma só: ?Mantenha a qualidade de atendimento aos passageiros?. Quem conseguir isso vai reconquistar sua fatia de mercado.
Temos que providenciar qualidade no aeroporto, na reserva, dar alternativas e achar soluções para os clientes. Esse é o segredo da aviação hoje. Não basta ter a melhor malha de vôos, é preciso tratar bem o consumidor. Quando você mostra boa vontade, reconquista sua fatia de mercado e começa a pegar a fatia de outros que não fazem esse atendimento.

DINHEIRO ? Passado o susto, como a United vem visualizando o mercado no Brasil e no mundo?
HUGHES ?
As empresas americanas de aviação já estavam se rearrumando. Com os incidentes de 11 de setembro, o processo de consolidação ganhou velocidade maior. Mas a United já estava ativa. Pensávamos em comprar duas ou mais empresas. E por isso não fomos pegos de surpresa e sem dinheiro em caixa. Já havíamos feito uma proposta de compra à USAirways, mas o governo americano barrou o processo de fusão. A United ficou bem. Quer dizer, menos ruim que as demais. Estamos tão tranqüilos com relação às nossas finanças que vamos dar seguimento à abertura de nossa nova empresa. Esperamos uma acomodação do mercado. Algumas sobreviverão e outras irão à falência. Agora, não precisamos mais comprar ninguém. O mercado de passageiros que as empresas transportavam será realocado entre as empresas vencedoras. E nós vamos sair fortes. Podemos crescer mais 25% em 2002.

 

DINHEIRO ? Faz parte desta estratégia de ressurgimento a criação da empresa de jatos executivos, a Avolar?
HUGHES ?
Exatamente. A Avolar, o nome é em espanhol mesmo, vai atender o tráfego de executivos americanos que não querem e não podem mais continuar utilizando somente os serviços regulares. Indivíduos que precisam estar
em um dia em vários lugares. É uma empresa que oferece vôos charters para empresas ou leasing das aeronaves. Isso não é nenhuma novidade. Existem empresas no mercado que fazem serviços de jatos corporativos, mas nenhuma é subsidiária de uma empresa enorme, como a nossa.

DINHEIRO ? Não existe risco de canibalizar o mercado
de viagens de negócios, que representa 40% da receita
da United?
HUGHES ?
Sem dúvida, parte dos consumidores da Avolar serão os viajantes de primeira classe, que vão se mudar para jatos privados. Mas muitas empresas, como Coca-Cola ou IBM, têm jatos privados e um custo fixo permanente muito alto. Agora poderão economizar, fazendo um time share conosco. Funcionará da seguinte maneira: a empresa compra 150, 250 horas/mês e nós oferecemos a aeronave, com manutenção, mão-de-obra e tripulação United. O indivíduo pede um avião para voar amanhã, de São Paulo a Buenos Aires e depois Chile e São Paulo. Nós providenciamos isto.

DINHEIRO ? E quando ela começa a voar?
HUGHES ?
Por enquanto, ela está no papel. A empresa nasceu 100% United e na semana passada começaram a vender ações desta empresa na Dow Jones. Ela começa com capital de US$ 250 milhões. O objetivo é dobrar este capital. A United ficaria com 50% da empresa. Isso começou antes de 11 de setembro. Mas com o atentado, aumentou muito a procura por este tipo de serviço. Os grandes executivos começaram a voar de jatos privados. Em março, ela começa a voar nos Estados Unidos. Depois, deve chegar ao Pacífico, Europa e América Latina. Aqui, algumas aeronaves ficarão em São Paulo e Buenos Aires.

DINHEIRO ? E no Brasil, como foi a crise?
HUGHES ?
Aqui, demitimos 22 pessoas e afastamos temporariamente outras 65. Além disso, descontinuamos de forma imediata os vôo Rio?São Paulo?Nova York. Por dois motivos. Houve queda de passageiros e o mercado de Nova York foi muito mais severamente impactado. Agora, retomamos esta rota para o Natal, mas ela sairá do mercado em março.

DINHEIRO ? Esse vôo estava sempre lotado?
HUGHES ?
Não. Eu já havia advertido a companhia que Nova York estava, há um ano, em declínio. O viajante de lazer já havia sumido de Nova York desde o aumento abusivo do dólar. E os hotéis estavam caríssimos. Agora, a cidade ficou muito barata, mas o turismo se realocou para outros destinos. Vai demorar um ano inteiro para voltarmos a chegar o que era Nova York pré 11 de setembro.

 

DINHEIRO ? Como está a retomada do turismo interno nos Estados Unidos?
HUGHES ?
Já estamos voltando à quase normalidade. Um exemplo claro foi o feriado de Ação de Graças, em novembro. O público voltou a voar, perdeu o medo de avião. Nossos vôos estão com
90% da ocupação.

DINHEIRO ? Mas isso se deve às promoções loucas, à redução de preços, milhagens dobradas, etc.
HUGHES ?
E também redução de poltronas. Tiramos poltronas e baixamos os preços. Com isso, a expectativa é de que, em dezembro, voltemos a uma retomada quase normal do volume de passageiros. Quando eu falo normal é em relação à ocupação de vôos, sem esquecer que já houve uma redução de assentos. Para o ano que vem, estamos confiantes que março e abril deverão retornar aos números anteriores. Ou seja, março de 2002 estará quase igual a março de 2001, com a ocupação média de cerca de 70%. Hoje, estamos com 64%.

DINHEIRO ? E as promoções que vemos hoje. Até quando as empresas conseguirão mantê-las?
HUGHES ?
Quando você faz os preços promocionais, limita a quantidade de poltronas. Muitos desses preços apenas convidam o passageiro a comprar. Ele chega na loja e vê que os bilhetes de US$ 180 acabaram. Aí, o sujeito vai comprar o de US$ 280 e assim por diante. Isso é uma estratégia de marketing. Vamos continuar a fazer. Mas existe uma queda real de preços, principalmente por conta da desaceleração da economia americana. Além disso, baixou muito o preço do combustível. O barril do petróleo brent, que já alcançou os US$ 30, está na casa dos US$ 18. Se permanecer no patamar de US$ 20, a aviação já retoma seu ritmo normal. É possível operar com um nível de lucratividade muito alto.

DINHEIRO ? A United lançou no Brasil a passagem de US$ 570 para Orlando ou Miami ida e volta. Algumas empresas dizem que uma passagem como esta vendida a menos de US$ 700 significa perda de dinheiro para a companhia aérea.
HUGHES ?
Isso seria verdade se a United não tivesse cabines de executiva e primeira classe lotadas. Se você tem bom número de viajantes a negócio ? e 40% das reservas da United são assim ?, você pode encher o vôo com turistas. O que não podemos é fazer o contrário. Seria um passo para levar a empresa à falência. Muitas companhias locais, como a Vasp, Transbrasil e TAM, fazem essas promoções. Como não têm número de passageiros suficiente na primeira e executiva, elas podem quebrar. Olhe o caso da United. As reservas já feitas para dezembro, por exemplo, mostram ocupação de 92,6% dos vôos para Miami. Sem isso, não poderíamos vender bilhetes a US$ 500.

DINHEIRO ? Como está o mercado brasileiro para a United?
HUGHES ?
Na América Latina, os três maiores mercados são Brasil, Argentina e México. Brasil vem em primeiro lugar, com 30% da receita. É também o sexto principal mercado para a United, sem contar os Estados Unidos. São mais de US$ 200 milhões por ano em nossa receita mundial, que foi de US$ 18 bilhões em 2000. Ainda é muito pequeno a nível global, mas é bastante dinheiro.

DINHEIRO ? Tem alguma estratégia definida para 2002?
HUGHES ?
Que teremos mudança de estratégia, isso posso afirmar. O meu objetivo é que a United voe do Brasil aos pontos fundamentais de distribuição de passageiros nos Estados Unidos. Levar o passageiro com um única parada a qualquer lugar da América. Essa é a nossa estratégia. As rotas via Chicago também devem crescer muito. Já é nosso vôo mais lucrativo. Para ir à Ásia não tem jeito. Tem que passar pelos Estados Unidos.