O crescimento médio de 7% da economia chilena, sob os auspícios da Escola de Chicago, um dos templos neoliberais, era um ponto fora da curva do continente, que vivia um processo desordenado de redemocratização. O Brasil, por exemplo, marcou passo economicamente em meio a crises sucessivas e hiperinflação entre o fim da ditadura, em 1985, e o primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, em 1994, quando a estabilidade econômica foi inaugurada pelo Plano Real. Duas décadas depois, porém, o Chile serve muito mais como alerta do que como exemplo a ser seguido pelos países latinos. Além do fantasma das mobilizações sociais reavivado pelos protestos estudantia s, que paralisaram o país no ano passado, o presidente Sebastián Piñera enfrenta, há duas semanas, uma greve geral na região de Aysén, no sul do país. 

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O presidente Sebastián Piñera enfrenta o recrudescimento das mobilizações sociais,

em meio ao esgotamento do modelo econômico que funcionou por décadas.

 

A população local chegou ao limite da sobrevivência, com salários abaixo do custo de vida, e tomou a radical decisão de parar a economia local, movida pelas empresas pesqueiras. Nada funciona. Nem padarias, nem postos de combustíveis, nem hospitais. A paralisação ganhou a simpatia da população no restante do país. Aysén é, na verdade, a ponta do iceberg da crise do modelo chileno. Embora exiba índice de desemprego baixo e números macroeconômicos exuberantes, o Chile parece ter se embriagado com os excessos da sua fórmula neoliberal, adotada ainda nos anos 1970. O crédito farto e a estabilidade da moeda impulsionaram o consumo e hoje 80% das famílias chilenas estão endividadas. O pagamento de dívidas consome mais de 60% de sua renda.“O crescimento econômico enriqueceu as empresas, não a população”, reclama Juan Barrientos, trabalhador dos navios de pesca de Aysén. 

 

As raízes desse modelo de crescimento começam com o regime ditatorial do general Augusto Pinochet, em 1973, que convocou o pessoal formado pela escola de Milton Friedman, os famigerados Chicago Boys, para recuperar a economia chilena e extirpar qualquer vestígio do regime socialista do deposto presidente Salvador Allende. Privatizações em larga escala, inclusive da previdência, incentivo ao investimento externo e forte presença da iniciativa privada na educação e saúde eram novidades para os latinos, que torciam o nariz para o dinheiro do capitalismo ianque. Mas os fins justificavam os meios: o PIB do país cresceu rapidamente, e o Chile ganhou destaque  no cenário internacional. Quando a ditadura chilena foi defenestrada em 1990, a oposição que assumiu o poder manteve o modelo liberal, e o mesmo ritmo de crescimento, principalmente com os acordos de livre comércio com os Estados Unidos e a China. 

 

Até hoje, os números macroeconômicos do Chile são vistosos. A renda per capita, por exemplo, saltou de US$ 2,3 mil em 1990 para US$ 14,6 mil em 2009. A taxa de investimento está perto dos 25% e o endividamento externo é de apenas 14% do PIB. O problema, no entanto, é olhar a situação em detalhe. Basta visitar uma família chilena em Santiago para perceber que algo não fecha nessa conta. Filhos continuam morando com os pais depois dos 30 ou 40 anos pela absoluta falta de condições de comprar uma casa própria. O alerta é importante para o Brasil, onde os níveis de endividamento da população começam a se aproximar dos chilenos. Por aqui, as dívidas comprometem  40% da renda das famílias e mais de 60% delas devem alguma coisa na praça. E o crédito continua a se expandir aqui, assim como aconteceu no Chile…