11/08/2001 - 7:00
DINHEIRO ? Os bancos têm feito investimentos pesados
em tecnologia, mas lideram os rankings de reclamações. O cliente é injusto?
SÉRGIO DARCY ? Não, nem suas reclamações. Tanto assim que,
a partir da determinação do Conselho Monetário Nacional, foram
elas que nos levaram a escrever o Código de Defesa do Consumidor Bancário. Ocorre que, no Brasil, os bancos com seus 40 mil pontos de atendimento estão espalhados por todo o território prestando
os mais diversos serviços à população, bem mais do que em outros países. O número de operações que os bancos realizam é imenso,
e isso tem de ser levado em conta quando se verifica o
volume de reclamações.
DINHEIRO ? Qual é o principal objetivo do Código?
DARCY ? Transparência. Hoje, cada banco tem a sua maneira de interpretar o Código de Defesa do Consumidor. O que é aceito por uns, não é aceito por outros. O cliente fica perdido. O espírito do Código é o de estabelecer relações transparentes entre as duas partes. Ele é bom para o cliente, mas muito útil para os bancos, para as áreas de contratos, de controles internos, acompanhamento e, claro, para a diretoria saber como está sendo atendido o seu cliente, que é a principal razão da existência da instituição.
DINHEIRO ? O Código pode, em última instância, acabar com as brigas entre clientes e bancos?
DARCY ? Isso não vai dar para acontecer, é próprio do ser humano sempre questionar alguma coisa. O que eu vejo no futuro breve é uma redução significativa dos ruídos entre as instituições e os clientes. Nós já vimos isso em alguns segmentos do País. Cada
} vez mais as empresas reconhecem os direitos dos clientes. Elas descobriram que isso traz benefícios. Um caso clássico
é o do Grupo Pão de Açúcar, do empresário Abílio Diniz. Eles deram um espetacular
salto econômico a partir de um gesto simples: melhoria de atendimento
ao público. Acertaram na mosca.
DINHEIRO ? Como ele irá funcionar na prática?
DARCY ? O que nós precisamos no Brasil é de cidadãos cada
vez mais atuantes. E o Código incentiva o cliente a lutar por seus direitos. Não estamos dando peixe nenhum, mas ensinando a
pescar. O cliente tem de procurar o Banco Central para nos dar informações negativas. Feito isso, nós iremos imediatamente ao banco citado para entender o que está acontecendo e como
aquele problema pode ser solucionado.
DINHEIRO ? Por que o Código está sofrendo tantas alterações?
DARCY ? Ainda não está muito claro para as instituições financeiras o prazo de adequação ao Código. Nós preferimos publicá-lo, observar na prática como funciona e, a partir de agora, estabelecer prazos de adaptação a cada item. Nós mexemos, por exemplo, na regra que determinava que todos os clientes teriam de receber um cartão magnético de alto relevo. Isso implicaria em muitos custos e nós vamos mudar. O cartão de alto relevo só será obrigatório para os deficientes visuais.
DINHEIRO ? O consumidor tem o direito de ficar confuso.
DARCY ? Não tenho nenhuma dúvida de que o Código vai funcionar. Aliás, já está funcionando. O prazo que abrimos agora para os Bancos se adaptarem, de 30 a 60 dias, é uma forma de permitir que a informação chegue aos 40 mil pontos de atendimento em todo o País e, também, para a população ir aprendendo sobre ele. Nós mesmos, numa verificação prática, percebemos que em alguns pontos fomos exagerados e em outros deixamos de exigir coisas que agora estamos aprimorando.
DINHEIRO ? É o caso do artigo sétimo, sobre a redução de juros para a quitação de contratos?
DARCY ? Sim, este é o ponto mais polêmico do Código. O problema que nós detectamos é um desequilíbrio na aplicação dessa regra. O banco, para dar um empréstimo, precisou tomar aquele recurso a uma determinada taxa. Se no momento da quitação há um desconto nos juros, o banco pode sair prejudicado porque, na outra ponta, continuará pagando aquela taxa mais cara ao aplicador. Nos Estados Unidos, quando uma regra deste tipo foi colocada no mercado imobiliário houve uma onda de quebradeiras entre grandes financeiras. Queremos evitar isso. Quando fizemos a regra, concedemos a qualquer grande organização o direito de reduzir os juros na hora de quitar um contrato. Não dá para ficar assim. Acho que, nesse caso, o universo abrangido pela medida ficou muito amplo. Nossa maior preocupação ao fazer o Código foi com aqueles consumidores que não têm meios de entender claramente o seu relacionamento com os bancos. Não procuramos falar para as grandes corporações ou para as pessoas físicas com muitos recursos. O que nos preocupa é o cliente comum, sem essas condições. O que nós queremos proteger, basicamente, é o
crédito pessoal. Vamos mudar essa regra.
DINHEIRO ? Da maneira como está hoje, este artigo dá margem a uma dupla interpretação. Há bancos que não aceitam sua aplicação para contratos habitacionais.
DARCY ? Isso realmente tem acontecido. Do meu ponto de vista, a regra se aplica para contratos de financiamento de automóveis, mas não para os habitacionais, que trazem até o vencimento de cada prestação o custo dos juros já embutido no contrato. Teremos de dar maior clareza e foco para esta regra.
DINHEIRO ? Mas o sentido de cortar os juros para uma quitação antecipada será mantido?
DARCY ? A regra vai sobreviver, sem dúvida. A alternativa que está em discussão é fixar o seu alcance, para crédito ao consumidor. Em outras palavras, o consumidor qualificado deve ficar fora desse processo.
DINHEIRO ? Não pode ocorrer uma briga pela universalização da regra?
DARCY ? Certamente, o que me faz prever um bom debate pela frente. Mas, repito, o que nós queremos com o Código é proteger o hiposuficiente, não o grande. Em 30 dias isto estará resolvido.
DINHEIRO ? Quais são as punições que os bancos podem sofrer?
DARCY ? Passada essa fase de maturação, a cada vez que surgir um problema a fiscalização do Banco Central vai entrar em ação. Se o banco não cumprir o que for determinado, abrimos um processo administrativo que pode resultar em advertência, multa, suspensão e, num caso extremo, cassação da carta-patente.
DINHEIRO ? Muitas vezes um problema acontece numa conversa entre um cliente e o gerente. Como o BC vai saber quem diz a verdade numa situação de litígio?
DARCY ? Realmente, essa comprovação é difícil, mas pode ser feita. Primeiro, o cliente tem de chamar a nossa central de atendimento pelo 0800-992345. Se duas ou três pessoas fizerem o mesmo tipo de reclamação, será fácil perceber que o banco está adotando um procedimento incorreto naquele caso. Se o cliente não se movimentar, não podemos fazer nada.
DINHEIRO ? A concessão de um empréstimo bancário muitas vezes é dada sob a condição de o cliente fazer uma determinada aplicação no banco. Isso é ético?
DARCY ? Esta situação não é ética e está vedada pelo Código. Diante de um pedido de empréstimo, o banco não pode obrigar o cliente a fazer aplicações. Por outro lado, se o banco oferece ao cliente a diminuição na taxa de juros daquele empréstimo caso seja feita uma aplicação, é direito do cliente decidir. Isso pode. Uma das correções que estamos fazendo no Código é exatamente sobre o que chamamos de operações casadas. Na hora, por exemplo, de fechar um financiamento habitacional, é normal a instituição exigir um seguro. Até aí tudo bem, mas esse banco não pode obrigar o cliente a fazer o seguro naquele mesmo banco. Se o cliente encontrar preço melhor na praça, pode fazer o contrato num banco e o seguro em outro que escolher. O Código deixa isso claro. A opção é do cliente.
DINHEIRO ? O que o sr. acha da abordagem direta dos bancos sobre clientes em potencial, através de telefonemas? Isso não é abusivo?
DARCY ? Temos de nos preocupar com isso. Nos Estados Unidos, eles são capazes de telefonar para a sua casa às sete horas da manhã querendo saber se você quer abrir uma conta. Para evitar essa abordagem, fizeram uma lei que proíbe todas as empresas, e não apenas os bancos, de disponibilizarem os dados de seus clientes. Aqui, nosso código não entra nesse detalhe, mas depois da última reunião que tivemos com a Febraban surgiu a idéia de buscarmos um jeito de vedar a transferência dessas informações.
DINHEIRO ? E quanto à conhecida aceitação tácita de um produto?
DARCY ? Queremos acabar com aquela situação de o banco mandar um cartão de crédito para o cliente que só conseguirá se livrar dele depois de vários procedimentos. Outra coisa que ainda temos de disciplinar é o problema do débito em conta. Há muita dificuldade das pessoas saírem do débito em conta. Quem faz o pedido demora para ser atendido. Isso tem de mudar.
DINHEIRO ? Os bancos têm mostrado disposição para colaborar?
DARCY ? Sim. O presidente Armínio Fraga empreendeu uma
mudança muito forte no conceito de regulamentação. Nós estabelecemos regras de controles internos, o que fez com que
os diretores passassem a conhecer melhor sua própria instituição,
e também de prudência na aplicação de recursos, para que
ficassem mais sólidos. Agora estamos entrando na parte de atendimento ao cliente e a reação é muito boa. O Código é
bom tanto para os clientes como para os bancos.
DINHEIRO ? Não é o caso de dar maior publicidade ao Código?
DARCY ? Isso é importantíssimo, mas o Banco Central tem limitações. Estamos fazendo com que as próprias financeiras distribuam as informações do Código para seus clientes. Ao final desse processo, teremos atingido a população de uma forma fantástica. Vamos substituir a propaganda institucional, mas de qualquer modo o Código levará o Banco Central para mais
perto do povo.