Raras vezes uma disputa interna pelo poder de uma empresa foi tão escancarada como a que recaiu sobre a Usiminas, uma das maiores companhias siderúrgicas do Brasil. Nos últimos dois anos, seu presidente, Marco Antonio Castello Branco, 49 anos, travou uma batalha ferrenha ? e à luz do dia ? para mudar a cultura paternalista da empresa, liderada por duas décadas pelo seu antecessor, Rinaldo Soares.

Para isso, não mediu esforços e, muito menos, o peso e as consequências de suas atitudes. Castello Branco, que até então havia trabalhado por mais de dez anos na Europa, onde chegou a ocupar a presidência da divisão de tubos do grupo francês Vallourec&Mannesmann, chegou à Usiminas como um trator.
 

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Castello Branco: o executivo durou apenas dois anos na presidência da Usiminas
 

Demitiu três mil funcionários, trouxe novos diretores e inovou no mercado de capitais do Brasil ao revelar seu próprio salário e de toda a diretoria da empresa. Como em todo ambiente onde o status quo é quebrado, Castello Branco gerou reações e se viu no meio de uma guerra. Na semana passada,  seu futuro foi decretado.

Pressionado pelos acionistas controladores, foi tirado do comando da Usiminas. Em seu lugar, entra Wilson Brumer, que já presidia o conselho da empresa e tem uma vasta experiência no setor de siderurgia. ?Os acionistas entenderam que não seria bom nem para a Usiminas  nem para ele permanecer na empresa?, disse Brumer à DINHEIRO. ?Trarei paz, diálogo e tranquilidade. Outro estilo de gestão.?
 

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“Trarei paz, diálogo e tranquilidade para a Usiminas. Agora vamos olhar para a frente”
Wilson Brumer, presidente
da Usiminas
 

As palavras de Brumer dão o tom do clima nos corredores da empresa e revelam a alta tensão em que a companhia se encontrava. ?Queremos apagar da memória a passagem de Castello Branco no comando da Usiminas?, diz Luiz Carlos de Miranda, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Ipatinga, cidade mineira que abriga a sede da companhia.

À frente da empresa, Castello Branco colecionou inimigos e uma fila de problemas. Um dos mais graves chegou sob a forma de denúncia ao Ministério do Trabalho. Duas ex-funcionárias reclamaram da conduta do antropólogo e psicólogo Ely Bonini, 79 anos, contratado por Castello Branco para iniciar um trabalho de mudança cultural entre os executivos de alto escalão da Usiminas. De acordo com as denúncias, Bonini teria assediado moralmente e sexualmente as ex-funcionárias. Dono de métodos pouco ortodoxos de treinamento, Bonini causou um choque de grandes proporções na empresa.

?Um de seus assistentes fez executivos ficarem de quatro, como cachorrinhos, para introjetar humildade?, diz um ex-funcionário da empresa. Indagado em uma recente entrevista sobre o efeito dos métodos de Bonini, Castello Branco explicou suas reais intenções com a contratação da consultoria. ?É preciso situar a nossa empresa no contexto brasileiro. Nós somos um povo colonizado. Nessa região de Minas Gerais, nós vivemos o coronelismo. Quando você vai para o chão de fábrica, o supervisor tem o papel do sargento. Isso faz parte da nossa história.?
 

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“Foi uma decisão dos acionistas. Compare a empresa que foi entregue ao Castello Branco com a de hoje”
Rinaldo Soares, ex-presidente da Usiminas
 

Um dos pivôs da queda de Castello Branco foi Rinaldo Soares. Ex-presidente da empresa, com forte ligação com a Caixa dos Empregados da Usiminas (CEU), dona de 10% do capital votante da companhia, ele teria atuado nos bastidores para minar as forças de Castello Branco. ?Não quero comentar a queda dele para evitar polêmicas?, disse Soares à DINHEIRO.

?Essa foi uma decisão dos acionistas. Compare a empresa que foi entregue ao Castello Branco com a de hoje.? Ao sair da Usiminas, exatos dois anos atrás, Soares deixou a empresa com lucro líquido de R$ 3,2 bilhões. No ano passado, o resultado alcançou R$ 1,3 bilhão. ?Mas é bom lembrar que o Rinaldo não passou por nenhuma crise econômica mundial tão forte como a que vivemos recentemente?, diz Rafael Weber, analista de siderurgia da corretora Geração Futuro.

?O preço do aço no mercado internacional caiu 30%.? Só agora é que as empresas estão conseguindo voltar aos patamares pré-crise. ?Este e o próximo ano serão de recuperação?, explica Germano Mendes de Paula, professor da Universidade Federal de Uberlândia.

Denúncias de assédio moral e sexual envolvendo consultores contratados pela empresa abalaram a gestão
de Castello Branco

Qualquer que seja o resultado em 2010, a Usiminas já está com o orgulho ferido. É que, depois de muitos anos, a companhia apresentou uma receita líquida menor do que a rival CSN. Enquanto a Usiminas surge com R$ 10,9 bilhões, em 2009, a concorrente aparece com um resultado de R$ 11 bilhões.

Cabe agora a Brumer aparar as arestas e fazer com que a empresa volte aos bons tempos. Para isso, ele precisará de um bom jogo de cintura. ?Os meus anos de experiência no governo de Minas vão me ajudar nas negociações?, diz Brumer, referindo-se ao tempo em que ocupou a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado.

Curiosamente, Brumer já passou por um processo parecido com o que Castello Branco atravessa hoje. Na década de 90, depois de presidir a Vale do Rio Doce, Brumer chegou ao comando da Acesita. Na época, a empresa também vinha de uma gestão paternalista e muito fechada, o que gerou problemas para Brumer quando resolveu dar um choque de gestão na companhia.

O executivo tinha uma visão muito peculiar do setor e pretendia unir as várias siderúrgicas brasileiras de modo a criar um grande grupo internacional. Não deu certo. Mas, se o projeto tivesse avançado, hoje o mercado mundial poderia estar nas mãos de uma empresa brasileira e não sob a batuta do indiano Lakshmi Mittal, o controlador da Arcelor Mittal. ?Hoje não há mais espaço para um projeto como esse. As empresas nacionais estão consolidadas?, diz Brumer.

A Usiminas tem a seu favor uma vantagem competitiva que poucas companhias apresentam no mercado: a posse de uma mina de ferro com capacidade de suprir parte de suas próprias necessidades. De acordo com um relatório preparado pela corretora Brascan, 60% do minério de ferro usado pela empresa até o fim do ano virá de sua mina. E as previsões apontam que, nos próximos anos, atenderá 100%.

A Usiminas é dona de uma reserva no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais com cerca de um bilhão de toneladas e deverá criar uma nova empresa de mineração. ?Ainda estamos estudando a melhor maneira de fazer isso. Mas pretendemos primeiro nos associar a uma empresa de logística para depois fazer o IPO?, diz Brumer.

Analistas enxergam o movimento da empresa com bons olhos. ?Ela terá capacidade de produzir 29 milhões de toneladas de minério de ferro até 2015?, diz Pedro Montenegro, analista de siderurgia da Brascan. Antes disso, entretanto, Brumer projeta um investimento de R$ 3 bilhões em novos equipamento até o fim do ano e outros bilhões na inauguração de uma nova planta em Santana do Paraíso (MG). ?Todos os planos de investimentos serão mantidos?, diz Brumer. ?Agora vamos olhar para a frente.?

 
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